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Figura 2 Personagens

2.3 Uma adaptação como adaptação (Versão de Aguiar e Lobo)

A versão adaptada por Luiz Antonio Aguiar e Cesar Lobo, da editora Ática (2010), introduz um detalhe até então pouco visto entre as demais produções do

tipo. Há uma distinção entre adaptação e roteiro quando na maioria das vezes o roteirista já é considerado o adaptador. Podemos encontrar nessa versão, César Lobo como responsável por roteiro e desenhos, e Luiz Antônio Aguiar por roteiro e adaptação.

Todavia, em entrevista concedida por e-mail, quando questionado se há distinção entre adaptar e roteirizar, o autor Aguiar afirma que a adaptação caminha junto com o roteiro. ―Claro que o ilustrador pode e deve interferir nessa parte assim como o adaptador/roteirista pode negociar com o desenhista a expressão de alguma cena, o desenho‖. Assim, entendemos o processo de adaptar, roteirizar e desenhar como um trabalho conjunto para criar uma adaptação de qualidade.

É o ideal, a discussão passo a passo, até porque cada qual tem uma maneira diferente de ver e de expressar a ação, a composição das páginas etc... Ou seja, de como "quadrinizar" a história, além das diferenças entre as leituras de um e de outros, suas interpretações da obra. Muita conversa, muito email, muito respeito à diferença e flexibilidade; é assim que funciona92.

O autor considera que numa produção desse tipo deve haver uma e outra realização estética, muitas vezes, ―irreversivelmente referenciadas no texto fonte, caracterizando a obra adaptada e a obra ―original‖ como inseparáveis. Todavia, Aguiar afirma a idéia de adaptação literária como nova obra, uma vez que acredita ser vão e impossível o ideal de ―fidelidade‖ ou o ―fazer igualzinho ao original‖.

Lielson Zeni (2012) atribui essa preocupação em manter-se fiel ao texto

original, talvez por respeito da maioria pela arte literária, como se esta fosse

constituída apenas por um texto bem escrito.

Todavia, ele pondera que uma adaptação de obra literária pode não dispor de uma única palavra escrita e ainda assim ser bem sucedida em sua realização.

92

Por mais que a literatura seja uma arte de palavras (as belas letras), em uma narrativa há o aprofundamento psicológico dos personagens, a criação do mundo ficcional, o suspense na trama, a dúvida e o julgamento moral sobre as ações dos personagens e muitos outros elementos que tanto as artes plásticas quanto as artes cinematográficas já comprovaram serem também capazes de dar conta (ZENI, 2012).

Dessa forma, toda a transformação de um meio para outro funciona como uma negociação, quando algum aspecto é posto de lado enquanto outro é retrabalhado e acrescentado, sendo o todo ressignificado93.

Assim sendo, o maior foco da construção de uma adaptação é a expressão de uma leitura autoral, sempre respeitando a linguagem própria das HQs. ―É preciso pensar a história como HQ, e não como reprodução ilustrada do original. Nossa proposta é fazer boa HQ. E isso implica a recriação da história, que depende de uma leitura pessoal, sempre subjetiva‖ (AGUIAR, 2010, p.77). Tal proposta caminha junto aos estudos da adaptação de Linda Hutcheon de recriar no formato em que se propõe.

Nesse sentido, o roteirista cinematográfico e estudioso Syd Field (2001, p. 174), ao abordar a arte da adaptação em roteiros, destaca que adaptar um livro para um roteiro significa mudar um para o outro, e não superpor um ao outro. A obra que deu origem também serve de ponto de partida, uma fonte, e o roteiro adaptado será um roteiro original. Uma adaptação é vista como um roteiro original94. Field, ao tentar responder a pergunta "Como fazer a melhor adaptação?", responde: ―Não sendo fiéis ao original. Um livro é um livro, uma peça é uma peça, um artigo é um artigo, um roteiro é um roteiro. Uma adaptação é sempre um roteiro original. São formas diferentes. Simplesmente como maçãs e laranjas‖95

.

E apesar de Field direcional seu estudo para o campo cinematográfico, a ideia de adaptação que ele apresenta coincidem com as opiniões de Luiz Antônio,

93 ZENI, 2012. 94 FIELD, 2001, p. 175. 95 FIELD, 2001, p. 185.

Aguiar e Huctheon, além do fato de que para a criação de uma HQ parte-se primeiramente de um roteiro.

Numa breve descrição dos autores, temos o desenhista Cesar Lobo, nascido no Rio de Janeiro. Tem suas ilustrações em revistas como Histórias de

Além, Sobrenatural, Byzarro (publicadas pela editora Vecchi), Mithus (publicada

pela editora Gorrion), livros e campanhas publicitárias, entre outros. Fez também parcerias com outros autores, além de desenhar, escreve HQs e já publicou seus trabalhos no exterior, como por exemplo, Judge Dreed (DC Comics / USA), U-

Comix (Alpha Comic / Alemanha), Bede-X (C.A.V. de Production / França)96. O roteirista carioca Luiz Antonio Aguiar começou sua carreira desde a década de 1970. Dentre seus trabalhos, criou roteiros para o Sítio do Picapau Amarelo, para revistas de terror da extinta Vecchi, e para a turma da Disney. Também criou seus próprios personagens e álbuns especiais em parceria com Jorge Guidacci e Júlio Shimamoto. Além disso, é mestre em Literatura Brasileira pela PUC-RJ, atuando como redator e professor em oficinas de criação literária, e autor de mais de noventa livros, a maioria voltada para o leitor jovem.97

A produção faz parte da Coleção Clássicos Brasileiros em HQ, da Ática, com outros títulos como O Alienista (2008) também adaptado por Aguiar e Lobo,

Dom Casmurro (2012), O cortiço (2009), Memórias de um Sargento de Milícias

(2010), todas por Ivan Jaf e Rodrigo Rosa; Noite na Taverna (2011) por Reinaldo Seriacopi (roteiro) e pelos ilustradores Arthur Garcia, Franco de Rosa, Rodolfo Zalla, Rubens Cordeiro, Seabra e Walmir Amaral; O Guarani (2009) por Luiz Gê e Ivan Jaf; O Ateneu (2012) por Marcello Quintanilha; O Quinze (2012) por Francisco José de Souto Leite; e A escrava Isaura (2012) por Ivan Jaf e Eloar Guazzelli.

Importante observarmos que a editora classifica tais obras como paradidático/literatura juvenil, na categoria de HQ, voltadas para o público leitor em faixa etária especificada. No caso de Triste fim de Policarpo Quaresma, temos a faixa entre 11 e 12 anos, ou 6º e 7º anos conforme consta no site da editora.98

96

Disponível em: <http://www.lobostudio.com.br/intro.htm>.

97

Cf. Triste fim de Policarpo Quaresma, Ática, 2010, p. 74.

98

2.3.1 Capa, elementos paratextuais e enfoque da obra

Se nos direcionarmos para a figura da capa (figura 32), teremos uma representação quixotesca de Policarpo. Uma que leitura requer conhecimento literário de ambas as obras por parte dos criadores. A comparação entre Lima Barreto e Miguel de Cervantes, deflagrante na analogia de Policarpo Quaresma como ―encarnação brasileira de Dom Quixote de La Mancha‖99

é um tema amplamente estudado pela crítica literária.

Tanto Quixote quanto Quaresma eram homens incompreendidos, taxados como loucos pelas pessoas com as quais conviviam. A jornada quixotesca em busca da honra e hombridade cavaleirescas se confunde com a busca da honra e do amor pela pátria de Policarpo. Ambos insanos, eram aqueles que verdadeiramente perceberam a realidade em que viviam. A loucura estava atrelada à sapiência, ao demasiado conhecimento das coisas em contrapartida à uma sociedade cega e doentia e um sistema farsante.

Autores críticos de suas épocas, cultos e subestimados durante vida diante de suas obras literárias; Cervantes e Barreto se mesclavam às vidas de seus personagens como os loucos mais sãos e conscientes de suas realidades e da humanidade num sentido atemporal e revelador.

99

De acordo com Zélia Nolasco S. Freire (2011, p. 24), os primórdios dessa comparação já foram verificados em artigos dos críticos Oliveira Lima e Afonso Celso, conforme consta no Diário Íntimo de Lima Barreto.

Figuras 32 - A capa

Fonte: Triste fim de Policarpo Quaresma, Ática, 2010.

Outro tópico presente nas imagens são os elementos do ufanismo representados através de figuras da fauna e do folclore brasileiro, como por exemplo, o Major vestido com um cocar e acompanhado por um papagaio. abrange desde a comicidade até os momentos de drama.

A produção de Aguiar e Lobo, que foi indicada ao 23º Troféu HQMIX, nas categorias de melhor Adaptação de Quadrinhos, Desenhista e Roteirista nacionais 100, também nos traz a presença inovadora da metalinguagem numa seção – uma espécie de posfácio - destinada ao público leitor, intitulada por

100

Disponível em:

Segredos da adaptação, onde são explicadas as metodologias utilizadas no

processo de adaptação dessa versão.

Como primeiro passo, os autores afirmam ser preponderante estabelecer o roteiro, "o qual descreve as cenas e determina os textos para cada quadrinho. Na figura 33 visualizamos um recorte do roteiro utilizado para a construção de num quadrinho de uma página inteira.

Figura 33 - Trecho do roteiro

Fonte: Triste fim de Policarpo Quaresma, Ática, 2010.

Como podemos verificar na próxima sequência de imagens das figuras 34, 35 e 36, primeiramente, nos é mostrada a pintura de Gustave Doré101 (1832-1883) que serviu de referência, depois o esboço que o desenhista fez da cena, e por último o desenho finalizado.

101

Gustave Doré foi um pintor francês do século XIX que ilustrou, dentre seus renomados trabalhos artísticos, uma edição de Dom Quixote de título The History of Don Quixote de 1880. A obra está disponível em: <http://www.gutenberg.org/files/5921/5921-h/5921-h.htm>.

Figura 34 - Ilustração de Gustave Doré

Fonte: Triste fim de Policarpo Quaresma, Ática, 2010.

Assim, a construção do personagem Quaresma, nessa adaptação, é inspirada principalmete na ilustração, conforme figura 34, do Don Quixote de Doré, e ambientalizada no contexto brasileiro dos valores nacionais que o protagonista barretiano denota, conforme veremos nas seguintes figuras que fazem parte da composição de uma cena.

Figuras 35 e 36 - Construção de uma cena

Em seguida, nos deparamos com o excerto do texto de Lima Barreto, a partir do qual a cena foi construída pelos adaptadores a partir de seus repertórios intelectuais, conforme percebemos na figura 37 a seguir:

Figura 37 - Excerto do texto de Lima Barreto

Fonte: Triste fim de Policarpo Quaresma, Ática, 2010.

Segundo Aguiar e Lobo (2010), a cena não corresponde exatamente com o texto fonte selecionado, no qual, a personagem Adelaide vai despertar Policarpo do seu devaneio para anunciar a chegada de Ricardo Coração dos Outros. "Essa alteração se deu para que a cena se tornasse visualmente mais expressiva".

Nesse caso, como a natureza do texto literário difere do suporte das HQs, é necessário adaptar a história às peculiaridades do andamento de uma HQ. Como resultado do processo de interpretação numa adaptação, temos a figura do papagaio-narrador, que funciona como um mascote de Policarpo, o cocar que o personagem da versão utiliza durante as situações em que "se desliga de si", a letra do Hino Nacional em tupi, bem como a semelhança estética de Policarpo com Dom Quixote.

Tais elementos não estão presentes no texto de Barreto, entretanto, essas inovações estão em consonância com o ufanismo de Policarpo; ou seja, os elementos acrescentados não surgiram arbitrariamente, mas sim do diálogo que os autores da HQ souberam estabelecer com a obra de Lima Barreto.

2.3.2 Os elementos nacionais, as formigas e a biblioteca

Para Lima Barreto, retornar ao ambiente doméstico era sempre um tormento, sentir a realidade que era a sua vida. Dessa forma, recolhia-se no quarto com seus livros para ler e escrever, onde se refugiava e esquecia o resto do mundo ―pregando às paredes retratos dos escritores da sua predileção, tirados das páginas de revistas francesas. Renan, Balzac, Dostoiévski, Anatole France, Maurice Barrès!‖102

Visualizamos, assim, a íntima e importante relação de Barreto com a leitura, com seu quarto transformado numa improvisada biblioteca particular. Essa temática também é transposta para os quadrinhos sob o olhar de Aguiar e Lobo, como podemos verificar nas próximas figuras (38 e 39).

A figura 38 traz um explícito intertexto com a obra de Miguel de Cervantes, Dom Quixote de La Mancha, tendo como fonte de inspiração a pintura de Gustave Doré, que representou o fidalgo espanhol e sua extensa biblioteca burguesa. Os elementos medievais no trono pintado por Doré cedem lugar a elementos da fauna e da flora brasileiras associados ao cocar e a lança indígenas; além da presença constante do papagaio-narrador.

Tais elementos traçam ainda um paralelo entre o ingênuo ufanismo de Quaresma com o primeiro momento do romantismo no Brasil, a fases dos romances indianistas e sua busca pelos valores genuinamente representativos da pátria. A fase ufanista da nova república de Policarpo se confunde com a fase nacionalista da pátria recém formada e independente datada do início do século XIX.

Segundo Alfredo Bosi (2006, p.99), na nação patriota do século XIX, ―floresce a história, a ressurreição do passado e retorno das origens [...]. Acendra- se o culto da língua nativa e ao folclore‖. Autores como Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias e José de Alencar, representavam um verdadeiro projeto literário de criação de uma identidade pátria, através de suas poesias e romances de cunho indianista.

102

Figuras 38 e 39 - Biblioteca (I) e (II)

A figura 39 nos remete ainda a traçarmos uma relação das novelas de cavalaria da obra quixotesca com os romances indianistas do romantismo brasileiro, conforme representados pela simbologia dos elementos nacionais da ilustração recriada por Aguiar e Lobo.

Outro exemplo de recriação também através do intertexto se faz na transposição do episódio das formigas, durante a estadia de Quaresma no Sítio Sossego, como podemos visualizar na próxima ilustração:

Figura 40 - Cena da formigas

Fonte: Triste fim de Policarpo Quaresma, Ática, 2010.

Na imagem, o papagaio-narrador cita a famosa frase do personagem Macunaíma, criado em 1928, por Mário de Andrade: ―Muita saúva e pouca saúde, os males do Brasil são‖. A qual remete ao popular dizer de autoria atribuída ao cientista francês Saint-Hilaire, que foi amplamente usado no Brasil até meados do século XX103: ―Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil‖.

Macunaíma, enquanto obra, detém um olhar crítico perante do folclore e da

cultura nacional que já ultrapassava a demasiada preocupação com o caráter

103

nacional e a definição da identidade brasileira em contraposição ao produto estrangeiro e as tentativas de descolonização da produção literária e artística do país, ideias defendidas no início do movimento modernista em 1922. De acordo com Bosi (2007),

Mário de Andrade foi um folclorista adulto, capaz de sondar a mensagem e os meios expressivos de nossa arte primitiva nas áreas mais diversas (música, dança, medicina) [...]. Ao historiador literário importa essa base de estudos, não só pelo que teve de inovadora numa cultura enraizadamente colonial, sempre à espera da última mensagem da Europa, mas também pelo que deu à prosa de Mário, diretamente em Macunaíma, alusivamente nos belos contos de Belsarte, nos Contos Novos e nas crônicas de Os

Filhos da Candinha‖ (BOSI, 2003, p.376).

Assim sendo, constatamos um cruzamento de releituras literárias e históricas que diversificam e agregam conhecimento ao público leitor, o qual, além da recriação da obra literária, tem acesso também ao contexto histórico e social de uma época, de forma crítica.

Segundo Linda Hutcheon (2011), a adaptação dispõe de um ―prazer intertextual‖ que alguns consideram o conceito etilista e outros vêem como enriquecedor. Igualmente às imitações clássicas, a adaptação também estimula ―o prazer intelectual e estético‖ de compreender a interação entre obras, de abrir os possíveis significados de um texto ao diálogo intertextual.

Nessa perspectiva, Discini (2003) considera o intertexto como uma retomada intencional da palavra do outro, mostrada, mas não demarcada no discurso da variante; sendo permitida ao leitor dessa variante tanto a cumplicidade com o enunciador, como também a confirmação de poder de co- enunciador, uma vez que essa variante se organiza não só com a finalidade da decifração, mas também pelo trabalho interativo e cooperativo.

Dessa forma, convém questionarmos a discrepante valorização da originalidade e da autoridade quanto à ordem do texto.

Perrone-Moisés (1998: 93) [...] apoiada numa ―lógica de causa e efeito, de antes e depois, de origem e de derivações‖, critica a ―valorização da ‗fonte‘‖ e a ―desvalorização da influência‖. Converge também a autora para o dialogismo bakhtiano e para ―a teoria da intertextualidade‖, proposta por Kristeva, como perspectivas desestabilizadoras de pensamentos cristalizados, como o da propriedade e da originalidade. ―A questão de quem disse primeiro torna-se inessencial‖ (DISCINI, 2003, p. 226).

Podemos ainda afirmar que intertextualidade é um fenômeno que, além de revelar um princípio constitutivo da linguagem – conforme desenvolvimentos conceituais de teóricos como Bakhtin, Kristeva, e Barthes, entre outros –, decorre de capacidades cognitivas básicas da espécie humana, mais precisamente, o pensamento dialógico e a perspectivação104; sendo assim uma experiência fundamentalmente implicada na capacidade humana de se comunicar e, portanto, de produzir e de compreender textos105.

De acordo com Cavalcante (2009), a intertextualidade possibilita configurar e reconfigurar a experiência de construção de sentido, o qual permite ao leitor evocar novas formas de conhecimento esquemático.

Através desse jogo de encenação polifônico, o ser humano pode evocar, a partir da interação com um texto que passe a ser foco de sua atenção, outros dizeres, outros textos, já ditos, compartilhados, experienciados em contextos comunicativos diferentes do aqui-e-agora do discurso. Através de um jogo de encenação discursiva intertextual, podemos afirmar que os seres humanos constroem um cenário discursivo novo, atual, pela evocação de conhecimentos esquematizados por sua experiência de construção de sentido com cenários discursivos já compartilhados culturalmente (CAVALCANTE, 2009. p. 222).

Dessa forma, a intertextualidade não é compreendida como um fenômeno restrito a relações que possam ser estabelecidas e identificadas entre um texto e

104

Habilidade de criar perspectivas, ou seja, a habilidade de focalizar, em maior ou menor nível de precisão (proximidade e afastamento), os objetos, os cenários, os eventos com que interagem. Compõe um dos conceitos da Linguistica Cognitiva, vertente dos estudos da linguagem, desenvolvida nos anos 1980 que, sendo contrária ao Cognitivismo Clássico, buscava compreender a linguagem como uma forma de ação no mundo, integrada a habilidades cognitivas mais gerais. (CAVALCANTE, 2009).

105

outro(s) texto(s), mas como um fenômeno que ocorre devido ao fato dos seres humanos esquematizarem sua experiência de ―construção de sentido na forma de pequenas cenas conceptuais que podem ser evocadas e integradas, de maneira criativa e inventiva, em situações concretas de interação semiótica‖106

.

Na produção de Aguiar e Lobo (2010), podemos encontrar a recorrente e polêmica questão da linguagem utilizada por Barreto em suas obras. O autor escrevia de forma divergente da linguagem clássica, cultuada por contemporâneos como Machado de Assis e Ruy Barbosa, entre outros autores e críticos literários que discordavam da escrita mais fluente e cotidiana do romancista.

Diálogos barretianos como ―Seu, patrão, amanhã não venho ‗trabaiá‘‖107 , ou ―Há um baruio na Corte e dizem que vão ‗arrecrutá‘, estão presentes, reformulados (conforme figura 41), nas cenas da adaptação, também focando em melhor retratar a realidade dos desfavorecidos. Tendência amplamente utilizada mais tarde por escritores modernistas no Brasil108.

Figura 41 - Notícia de navios da esquadra

Fonte: Triste fim de Policarpo Quaresma, Ática, 2010.

106 Cf. CAVALCANTE, 2009, p. 223. 107 Cf. BARRETO, 2003, p. 116. 108 AGUIAR; LOBO, 2010, p. 76.

De acordo com Zélia Nolasco Freire (2005), Lima Barreto incrementa um trabalho consciencioso sobre a língua, transpondo-a em uma linguagem acessível. Para isso, ―a desveste da moldura aristocrática tomada de um empréstimo da cultura européia‖, a qual era cultivada pelo modelo parnasiano, e lança-a na ―lama da irreverência, no tédio e na amargura da dor amordaçada‖. E, da mesma forma que o romancista possibilita voz amplificada aos desprovidos,

por intermédio de um exercício lingüístico completamente coerente e concernente ao fim a que se destina: pousa-a em solo solo de ruas e vielas dos subúrbios cariocas, dando ao conhecimento do Brasil, um Brasil abafado pelo julgo do interesse e do poder (FREIRE, 2005, p. 15).

Mediante tais reflexões, percebemos a singularidade do suporte das histórias em quadrinhos que permitem a dramaticidade e a profundidade de um texto através das ilustrações apoiadas no papel funcional que as cores podem exercer.

2.3.3 O estopim e o hospício

Na adaptação também encontraremos o momento da internação do major Quaresma no hospício, quando o autor Cesar Lobo enfatizou, através da ilustração, o lado intimista e metafórico ao processo de "enlouquecimento" do personagem: "preferi deixar o foco sempre em PQ, tornando-o mais participante. A paisagem é da Praia Vermelha e vemos o hospício onde o personagem e seu autor foram internados‖ (LOBO, 2010, p. 78, grifo do autor). Como podemos verificar na figura 42:

Figuras 42 - Quaresma vai para o hospício

Fonte: Triste fim de Policarpo Quaresma, Ática, 2010.

O processo doloroso de Quaresma diante da decepção e constatação de que pensar e sonhar ―nos faz diferentes dos outros, cava abismos entre os homens‖109