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Uma breve revisão de estudos sobre mito e relações do homem com a

4 O MITO COMO FATOR DE IMPORTÂNCIA PARA CONSERVAÇÃO

4.1.2 Uma breve revisão de estudos sobre mito e relações do homem com a

Inicialmente podemos citar dois mitos ilustrados por Posey (1990) que teriam o papel de moderar o comportamento dos indígenas Kayapó proporcionando harmonia destes com o ecossistema. Um mito fala da Mry-kaàk, ser parecido ao peixe poraquê (Electrophoridae eletrictus) e que é capaz de matar uma pessoa com uma descarga elétrica à grande distância. A Mry-kaàk se alimenta de piabas, e mantém os índios longe dos pontos de desova deste peixe, por medo deste ser fora do comum. O outro mito fala de um espírito pajé que protege e a ajuda a manusear abelhas. Ao mesmo tempo, esse espírito é responsável por deixar mel e favos intactos nas colméias, com intuito de diminuir sua ira e em respeito ao seu poder.

Muitas narrativas orais também podem ser incomuns. Mindlin (1996) escreve sobre um mito amazônico Tupari, de Rondônia, onde uma mulher casada divide-se todas as noites. A cabeça parte em busca de carne e alimentos em outras malocas e aldeias; o corpo mutilado fica na rede, carinhosamente abraçado ao marido. De madrugada, supostamente saciada, a cabeça volta e cola-se ao próprio corpo. O mito contato e interpretado pela autora continua e é assustador. Tem também outras versões narradas por pessoas diferentes.

De acordo com Araujo e Araujo (2006), as histórias mostram atitudes que devem ser aprendidas, mesmo quando contadas por narradores distintos. Ao

contar, o narrador é um espírito livre para criar, modificar espaços, sofisticar enredos, descrever novas cenas, incorporar novos personagens, possibilitando por meio da flexibilidade da oralidade inovações imprevisíveis. O conto recria-se a cada vez que o narrador o transmite e no fundo, há sempre uma moral a ser entendida.

Araujo e Araujo (2006) em estudo realizado na região do Alto Juruá, nos recantos amazônicos de Guajará, no Amazonas, analisam o conto oral em suas diversas manifestações simbólicas através de dez narrativas. Apresentam a influência do conto oral sobre o imaginário local e como este absorveu elementos do imaginário para se construir. Os autores analisam o conto em seus universos simbólicos e procuram compreender como estes símbolos são usados para ensinar regras morais, sociais, políticas e éticas no contexto amazônico.

Estes autores observaram que a presença da cultura nordestina no Vale do Juruá, Amazonas, é tida como a base principal de sua constituição cultural, pois trouxe consigo, em seu imaginário, as crenças, as histórias, os hábitos, os conceitos e valores, podendo semear esses elementos culturais em solo amazônico, ao mesmo tempo em que essas imagens-matrizes misturam-se com elementos locais.

Vicuña (2000) trata do corpus de crença na cultura Mapuche, no Chile, acerca dos Ngen, espíritos donos da natureza cuja missão é cuidar, proteger e assegurar a sobrevivência e bem estar de espécies da fauna e flora silvestres local. Tal corpus de crenças incide tanto na preservação da natureza como na manutenção do equilíbrio ecológico. Nos mitos da cultura Mapuche há um consenso de que os deuses destinaram um Ngen para cada uma das partes da natureza. Junto aos Ngen se geram princípios de uma etnoecologia nativa. Estes seres contribuem ao equilíbrio do meio ambiente, exercendo um controle sobre a exploração excessiva de recursos naturais, sua depredação e contaminação. Para estes fins, os Ngen fazem uso dos poderes benéficos dados a eles por deuses desde o momento da criação do mundo Mapuche . Portanto, eles (os ngen) respaldam as normas respeitosas de interação e reciprocidade entre os Mapuches e a natureza, aplicando castigos àqueles que transgridem o código preservacionista.

Jardim (2007), em seu estudo, busca analisar em narrativas orais pantaneiras quais relações podem ser representadas pelos narradores do Pantanal sul-mato- grossense no que se refere ao desrespeito e à degradação de seu ambiente vital. O autor parte da premissa de que as narrativas orais estão ligadas à experiência

cotidiana, à vida social do grupo. Segundo ele para se compreender melhor essas relações, deve-se considerar o contexto de produção. As narrativas usadas pelo autor foram recolhidas por pesquisadores ligados ao projeto “História e Memória: contribuições para um estudo da cultura na região do Pantanal sul -matogrossense”, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e por parceiros da Universidade Estadual de Londrina. O autor percebe que nas narrativas orais dos pantaneiros as relações com o meio ambiente são estreitas. São relações que se desdobram em identidade, pois o pantaneiro possui afinidade com o seu espaço de tal modo que modificar esse meio equivale a destruir uma parcela daquilo que o identifica.

Oliveira e Lima (2011) fazem uma reflexão sobre os mitos e lendas da região amazônica, sua importância, validade e sua relação com a formação da identidade. Destacam que os mitos e lendas fazem parte da cultura do homem amazônico, interferindo na formação de sua identidade; são apresentados como uma tentativa de explicar a realidade, como resposta e explicação da origem do mundo, o que é reproduzido através de cerimônias religiosas que, por sua vez, mantêm vivo o mito, dentro de uma visão antropológica. Para eles o mito é apresentado como explicação do inexplicável, estabelecendo a diferença entre o sagrado e o profano. Essa relação influencia, para quem aceita o mito, na própria formação da identidade, principalmente quando se trata da cultura do homem amazônico.

As estreitas relações do homem com o meio ambiente são frutos da experiência vivida no dia a dia, característica também das populações tradicionais definidas como “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição” (BRASIL, 2007).

Nessas populações as representações da natureza são mais adaptáveis e funcionais à conservação da natureza do que imagens reais do mundo que as cerca. A natureza é habitada por espíritos que os homens respeitam e que guiam, ou deveriam guiar suas ações. O envolvimento da natureza em um véu de sobrenatural lhe oferta certa proteção contra a destruição e ímpeto do homem, ou seja, a incidência e participação (positiva ou negativa) do homem sobre a natureza é

influenciada pelo conjunto de símbolos, mistérios, seres miraculosos e imateriais que fazem parte da sua cultura.