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5. INTERVENÇÕES: quando o campo pede mais

5.1 Uma comunidade em disputa

É interessante como um pesquisador também tem que contar com a sorte. Durante todo o ano de 2014, fiquei esperando acontecer algo na Quadra para poder ajudar a definir meus objetivos. Mas, nas poucas visitas que fui, nada acontecia - já confessei antes que a questão da frequência influenciou muito na falta de assunto. Era o mesmo programa do Sr. Chico, com as mesmas esperanças de reforma da rádio pela prefeitura. Então, minha postura era de espera, assim como a dele.

Em 2015, quando começo a ir mais a campo, conheço o outro programa que estava no ar, dos evangélicos, me envolvo com os jovens, e eis que surge uma situação que começa a mexer com a atmosfera da comunidade. Está nos registros do dia 26 de fevereiro de 2015 meu comentário com o Sr. Zequinha sobre a possibilidade da visita de um empresário, vindo através de uma jornalista madrinha dos projetos do Unijocc89. A reunião não aconteceu na data prevista, só no dia 13 de março recebemos uma mensagem de celular para o nosso grupo do Jornal Voz da Quadra avisando sobre a visita que seria já no dia seguinte.

A reunião foi marcada para as 12h de um sábado, no salão paroquial. Ninguém entendeu bem o que seria, mas a proposta era receber uma empresária que queria ajudar a comunidade. Sabia que se tratava de alguém muito rico e influente, grandes empresários da

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Percebeu-se que o uso da rádio foi o principal meio de divulgação e propaganda no período eleitoral, até por ter sido um período muito curto para a propaganda, apenas uma semana. Vi somente alguns “cartazes”, uma folha de papel A4, geralmente xerocada, na frente da casa de algumas pessoas com propostas das chapas. O candidato vencedor fez uma gravação de uma música que tive oportunidade de escutar quando houve um desfile improvisado ao redor da Quadra ao final das eleições. Enquanto o outro candidato improvisou uma música ao vivo, na rádio, cantando por cima de uma gravação de CD, o vencedor pareceu ter produzido a música de campanha em um estúdio. De quem ele teria recebido esse apoio? Penso que da empresária, através da instituição artística, os principais interessados na sua vitória.

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A jornalista trabalhou para a ONG que atuou na Quadra por um período e estava retornando com a aproximação com a empresária. Depois, ela se tornou integrante do Jornal Voz da Quadra.

93 construção civil. Alguns dos jovens do grupo do jornal confirmaram presença.

No sábado, a empresária - descobri que de fato se tratava de uma mulher - chegou um pouco depois de meio-dia e foi encaminhada pelas pessoas para o salão paroquial que fica na parte superior da Associação de Moradores. De acordo com uma das participantes do jornal, que estava na recepção, a priori a reunião seria realizada na nova sede90 de uma ONG de representação nacional91 que já desenvolveu atividades na Quadra e estava retornando nesse momento depois que a empresária os procurou. Mas elas preferiram levá-la para o salão, um ambiente “neutro”. A nova sede da ONG foi conhecida pelo grupo de jovens naquele mesmo dia, era uma novidade.

Foi feita uma roda com cerca de 20 pessoas, cada uma começou a se apresentar. Nessa hora, desci para tentar pegar a chave da rádio com a Alexandrina na casa do Sr. Chico, mas ele não estava. A cópia da chave também não foi encontrada na casa da senhora que mora em frente à rádio, nem na casa da pastora Juliana, que apresenta o programa evangélico. A ideia seria levar a empresária à rádio para ela ver a estrutura precária. Enquanto isso, a empresária se apresentou, disse que trabalhava na construtora que estava iniciando uma obra em frente à Quadra92 e queria conhecer o que era desenvolvido na comunidade para pensar em como ajudar e procurar apoios.

Da reunião, participaram dois grupos predominantes: o grupo da igreja católica e pessoas convidadas pelo presidente da ONG que estava retornando. Entre os vários projetos que estavam em andamento, destacaram-se as atividades desenvolvidas pelo grupo de jovens com crianças, jovens e idosos, além da catequese com crianças. Todos se apresentaram, alguns temas foram discutidos, como a questão das drogas e da violência, talvez os dois problemas mais preocupantes para a empresária que quer investir na área e teme a rejeição

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O que foi comentado por eles é que o coordenador da ONG, querendo impressionar, reformou rapidamente a

casa de um amigo para apresentar como “sede” e ganhar credibilidade diante da empresária. Como a maior parte

do grupo percebeu isso, resolveram levar a reunião para o salão. 91

Opto por não identificar a ONG, por ter situações de conflitos em relação a mesma. No trabalho a tratarei por

“ONG”. Acompanhei as atividades da ONG na Quadra realizadas por um grupo organizado por um morador da

comunidade e atual presidente nacional, no ano de 2005. Foram desenvolvidas atividades visando à inclusão social de jovens através de projetos ligados à cultura, ao esporte e à cidadania, como o basquete de rua e oficinas de grafite, break e hip hop. Ela funcionou com esses projetos por volta de três anos na comunidade. No decorrer da reunião, a empresária pergunta quem vai ficar no espaço apresentado como sede da ONG. O presidente diz que é o irmão e uma outra pessoa que estava presente, mas que pela reação pareceu não estar sabendo que ia ficar lá.

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O empreendimento é uma torre residencial de 19 andares, com 36 unidades de 219 metros quadrados cada uma. O conforto é reforçado por propagandas nos muros do espaço com imagens de academia, piscina e salão de jogos. O lançamento ocorreu no dia 17 de fevereiro de 2016, no local, com ampla repercussão na mídia. Interessante que em uma das propagandas que tomavam uma página inteira do jornal, ao colocar um mapa para localizar o empreendimento, há uma distorção - retirada do quarteirão onde está localizada a comunidade – destacando o colégio particular que se localiza depois da comunidade, como se estivesse ao lado do empreendimento.

94 dos compradores dos apartamentos de classe média alta.

A ideia dela seria utilizar a mão de obra dos moradores da comunidade na construção do empreendimento, mas para isso seriam oferecidos treinamentos. Ela foi bem incisiva ao afirmar que não iria resolver todos os problemas da Quadra e seriam os moradores que iriam se organizar e executar todas as atividades, caberia a ela conseguir apoios e patrocínios.

Como não conseguimos a presença de ninguém da rádio, eu fui representando o grupo e, na hora de me apresentar, falei um pouco sobre a história, estrutura atual e o que poderia ser desenvolvido93 na rádio. Sr. Chico não estava na Quadra e Augusto também não participava (depois entendemos os motivos das ausências). Quando estava me apresentando, como pesquisadora, e falando sobre a rádio, um dos participantes convidados pela ONG comentou que o tio dele foi o primeiro locutor da rádio e confirmou que os equipamentos eram antigos, os mesmos da época da criação. Alguém cita uma oficina de locução que foi realizada.

Falo ainda sobre a falta de participação dos jovens e como eles poderiam contribuir com a rádio. Os moradores voltam a falar da importância da rádio ao citar que as pessoas sempre ajudavam quando alguém anunciava um pedido para compra de caixão, remédio, etc. Percebe-se aí que a rádio não é negada por parte dos moradores, que reconhecem a importância dela. As pessoas falam dela, mas será que é possível perceber alguém interessado em investir nesse projeto?

Durante a reunião, surge uma sugestão de que fosse feito um programa na rádio sobre o que a prefeitura tem disponível para a comunidade. A ideia surgiu a partir do comentário de um dos participantes sobre a ajuda que a rádio daria para pessoas que não conseguiam pagar o caixão - a história que eles sempre contam quando se fala do poder de mobilização da rádio. A representante da prefeitura explicou que o órgão municipal tem por obrigação dar apoio nessa questão a pessoas que não têm condições, entre outros direitos que muitos têm, mas ela diz que desconhecem. Apesar da sugestão, ninguém se propõe a realizar o programa.

A empresária mostra-se interessada, mas apenas escuta e sugere que os grupos se reúnam para identificar os projetos que poderiam ser enviados para ela, incluindo as ações que já existiam e poderiam ser melhoradas ou ampliadas. Foi então definida uma reunião com as

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Ao falar em nome da rádio, saí um pouco da postura de uma pesquisadora comum e passei a intervir em campo, naturalmente. A sugestão da minha orientadora, a partir daí, foi que eu continuasse participando, mas que tentasse envolver mais o grupo da rádio, seja na participação das reuniões, seja na construção do projeto, de forma que eles entendessem que eram fundamentais naquele processo.

95 outras lideranças e o prazo final para entrega dos projetos seria abril94. A reunião entre os moradores, sem a participação da empresária, ficou marcada para o dia 17 de março de 201595.

A partir daí, passa a se tornar interessante perceber qual o interesse sobre a rádio por parte da empresária bem como pelos próprios moradores. Diante desse novo contexto na Quadra, passei a intervir e acompanhar a participação dos grupos formados nesse ambiente de disputa pelo apoio da empresária, com foco na rádio. Nas reuniões que acompanhei e durante o processo, percebi pouco interesse em ocupar a rádio ou defendê-la, nenhum grupo pensou em envolver a rádio nos seus projetos, nem mesmo o grupo de jovens. A rádio não foi utilizada nem mesmo quando os boatos sobre a ajuda da empresária em relação à criação da creche se espalharam pela comunidade96. Dependendo da maneira como são utilizadas, as rádios populares podem representar ameaça. Por isso, é importante refletir sobre o interesse da empresária em apoiar a rádio e fortalecer sua presença ou não na comunidade, além de analisar a participação da rádio nesse novo processo estabelecido na comunidade.