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3 DA IRRUPÇÃO DO ABSURDO FRENTE À MECÂNICA DOS

3.3 Uma crítica à concepção do Absurdo

As ideias de Albert Camus por contraditarem em grande parte com as correntes filosóficas da existência, ou simplesmente o Existencialismo, não passaram naturalmente incólumes à crítica de seus contemporâneos.

Dentre os principais e mais relevantes intelectuais de sua época, destaca-se o filósofo francês Jean-Paul Sartre que, em sua crítica à filosofia de Camus, demonstra que a questão fundamental não é identificar se há um sentido ou um fim na história, pois, para Sartre, a história, enquanto conceito, ou seja, fora do sujeito que a constrói, não passaria de uma noção meramente inerte e abstrata. Segundo ele, é o homem quem dá o devido sentido e significado à história, é o homem quem alicerça sua finalidade, eliminando o seu caráter essencialmente estático, quando ausente do homem, alterando e mutabilizando-o em sentidos e significados, dando-lhe desta maneira o devido e movediço caráter.

Como sugere Franklin Leopoldo e Silva, em seu texto Crítica de Sartre a Camus, os questionamentos perpetrados por Camus tratar-se-iam de uma construção por ele erguida em torno de si, cujo propósito, ao questionar o sentido e a finalidade, o colocava distante e externo à condição assumida pelos sujeitos históricos, acreditando ele que fosse possível desvincular a história do homem.

De acordo com Sartre, o propósito de Camus em descodificar o sentido e a finalidade da história seria uma espécie de garantia por ele exigida para que apenas assim pudesse ele permitir-se à ação histórica. O receio de Camus, segundo Sartre, consistiria em não ser atingido pelo absurdo, enquanto reflexo de sua ação histórica. Essa garantia apriorística, no

entanto, não é possível de ser alcançada, pois, segundo Sartre, os conteúdos manifestados pela ação histórica não podem ser enquadrados, tampouco previamente estabelecidos.

Essa impossibilidade estaria na própria essência do que é história, enquanto conceito, de modo que, sua existência está atrelada à construção empreendida pela própria ação humana, ou seja, é o ato de agir o grande responsável por produzir “realidades” 19.

Para Sartre, exigir uma prévia de sentidos e finalidade significa, não apenas negar, mas, sobretudo, esmagar a história, pois, esta [a história] é irredutível a qualquer antecipação formal.

Franklin Leopoldo e Silva explica que:

“Camus o faz, certamente, para preservar o homem, mas para Sartre não é possível preservar o homem da história a não ser preservando-o de si mesmo. A história em si mesma não tem sentido nem finalidade: os indivíduos e os grupos é que perseguem seus fins, o que significa propriamente "fazer história". Por isso insinua Sartre que o verdadeiro absurdo é pensar a história desvinculada dos homens. Ora, se para existir história é preciso que os homens a façam, segue-se que qualquer sentido que a história possa vir a ter lhe terá sido dado pelos homens e por via de suas ações.” 20 O que Sartre pretende dizer em sua crítica a Camus é que cada homem é através de sua ação aquilo que ele deseja ser. O significado atribuído à história estará naquilo que você a ela deseja dar, enquanto agente construtor de suas escolhas. Nada no homem está sedimentado ou acabado, mas, sim, em perene construção. Dar-lhe um sentido é o papel que cabe a cada sujeito, em seu projeto particular. Ela não está diante do homem para ser apreendida, mas, sim, para ser significada. Ela é inseparável do homem, na medida em que, ele a cria, significa, explicita sua vontade.

No capítulo Arte, subjetividade e história em Sartre e Camus, presente no livro Ética e

Literatura em Sartre: ensaios introdutórios, Franklin Leopoldo e Silva (2004, p. 227-228) observa que:

É importante notar que, por mais difícil que seja para Sartre compreender esse ponto, a recusa da história em Camus não significa recusa do mundo. Trata-se de um daqueles aspectos obscuros do pensamento de Camus, que Sartre remete ao “pensamento mediterrâneo”, isto é, ao inexprimível racionalmente. É preciso considerar que a dificuldade de Sartre tem muito a ver com o pressuposto de que a compreensão racional da relação entre o homem e o mundo depende da consideração da historicidade como elemento definidor dessa relação: o homem relaciona-se com o mundo histórico, e qualquer outra dimensão do “mundo” deve traduzir-se historicamente para ser assimilada às situações humanas. É nesse sentido

19 A realidade, enquanto produto da ação, é o que distingue a história de suas referências formais ou abstratas. 20 Franklin Leopoldo e Silva. <http://arethusa.fflch.usp.br/node/33>

que não poderia haver uma relação verdadeiramente humana entre o homem e o mundo natural simplesmente, pois é historicizando o próprio ambiente natural que o home se relaciona com ele.

Através da ação histórica de um indivíduo e do natural complemento ou oposição à ação histórica do outro que nasce o conjunto de valores e significados a ela atribuídos. É da divergência, combate, enfrentamento ou convergência com a ação histórica do outro que se extrai seu devido sentido. O valor histórico, portanto, nasce a partir do significado que damos a ela. Até mesmo a busca por significados universais que possam transcender à história só serão estes [os valores] percebidos durante a ação histórica.

Dessa forma, levando em consideração a crítica de Sartre a Camus, perceberíamos que a afirmação de que o mundo é absurdo ou mesmo injusto é vazia de significados para Sartre, na medida em que, fazer tal afirmação exigiria um certo critério de justiça que para dar sentido ou a falta dele, diante da totalidade do mundo e da história, esse só poderia estar fora do mundo e da história. No entanto, é exatamente nisso onde reside a crítica de Sartre. Não é possível haver um critério de justiça fora do mundo e da história, pois o mundo e a história são frutos da ação humana. Como ele afirma, é um mundo de ações. Logo, se o mundo e a história são aquilo que o homem os torna, o seu critério de julgamento não poderia estar fora dele, ao contrário, ele dever ser fruto das mesmas ações que dão ao mundo e a história o seu devido valor e significado.

Portanto, Sartre considera vazia a afirmação por considerá-la sem substância histórica.

A crítica que Camus faz às filosofias da história, dentre as quais destacam-se as filosofias existencialistas, traz, em certa medida, a preocupação de que o homem ceda à esperança. Para Camus, tais filosofias possuem algo de religioso em sua essência que, ao invés de libertá-los, os aprisionam a futuro que na verdade os oprimem.

4. DA COMPREENSÃO DO ABSURDO À REVOLTA METAFÍSICA EM O HOMEM

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