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Uma crítica à concepção essencial de linguagem e ao seu ensino ostensivo

CAPÍTULO II – Da crítica à gênese do ensino ostensivo aos jogos de linguagem: outra

2.1 Uma crítica à concepção essencial de linguagem e ao seu ensino ostensivo

Para ilustrar o pensamento tradicional acerca da linguagem, que instaura o modelo referencial de linguagem, e evidenciar o propósito de suas reflexões, Wittgenstein centraliza as discussões filosóficas nas críticas ao paradigma agostiniano de linguagem e reconhece que os escritos do Tractatus Logico-Philosophicus estavam relacionados a determinada concepção de significado sustentada por critérios racionais e objetivos. Salientamos, no capítulo anterior, nossa estratégia de trabalho quanto à interpretação da filosofia de Wittgenstein, uma vez que consideramos não existir uma ruptura no pensamento do filósofo. Acreditamos tratar-se de um processo de reelaboração do pensamento que se propõe a aprofundar os exames acerca das questões que atingem a linguagem. Dessa forma, queremos esclarecer que qualquer

comparação realizada entre o Tractatus Logico-Philosophicus e as Investigações Filosóficas diz respeito ao aprimoramento do pensamento filosófico wittgensteiniano.

Segundo Moreno (2000), esse pensamento tradicional acerca da linguagem pode ser caracterizado segundo três preceitos: a idéia de que, numa situação de comunicação, é possível reconhecer que há uma série de elementos lingüísticos, sejam eles traços formais, semânticos ou sintáticos, que são compartilhados por aqueles que fazem parte da atividade de comunicação, a saber, os interlocutores; o reconhecimento de que, para que haja comunicação, é preciso considerar a existência de aparatos mentais comuns a todas as pessoas, os quais nos permitiriam elaborar os pensamentos e expressá-los por meio da linguagem; e a constatação de que a aprendizagem é o processo pelo qual desenvolvemos uma forma de ensino ostensivo. Mas, afinal, o que caracterizaria esse ensino ostensivo? E em que ele se baseia?

Nas Investigações Filosóficas, Wittgenstein responde a essas questões, tendo em vista a citação da obra As Confissões, de santo Agostinho que, embora não tenha esse propósito, apresenta uma estrutura essencial da linguagem. Santo Agostinho diz que:

Se os adultos nomeassem algum objeto e, ao fazê-lo, se voltassem para ele, eu percebia isto e compreendia que o objeto fora designado pelos sons que eles pronunciavam, pois eles queriam indicá-lo. Mas deduzi isto dos seus gestos, a linguagem natural de todos os povos, e da linguagem que, por meio da mímica e dos jogos com os olhos, por meio dos movimentos dos membros e do som da voz, indica as sensações da alma, quando esta deseja algo, ou se detém, ou recusa ou foge. Assim, aprendi pouco a pouco a compreender quais coisas eram designadas pelas palavras que eu ouvia pronunciar repetidamente nos seus lugares determinados em frases diferentes. E quando habituara minha boca a esses signos, dava expressão aos meus desejos. (1973, apud WITTGENSTEIN, 1979, p. 9).

Nessa passagem, santo Agostinho, descreve um modelo de linguagem referencial sustentado por uma Teoria do Significado que privilegia uma estrutura racional e fundamentos logicamente determinados. Nesse caso, a compreensão das coisas do mundo é fruto do ensino ostensivo; é pelo exercício de indicação e nomeação dos objetos que somos capazes de conhecer. Ao ouvirmos várias vezes a mesma designação, em contextos diferentes, apreendemos o que o objeto designado significa. Santo Agostinho refere-se a uma idéia essencial da linguagem de que a palavra é a significação do objeto. Quando falamos, apresentamos o que o objeto significa, substituindo-o pela palavra.

Wittgenstein declara que uma linguagem como essa privilegia o que pode ser denominado por substantivo (mesa, cadeira, sofá), sem pensar nas outras classes de palavras que fazem parte da nossa linguagem (adjetivos, artigos, pronomes). Trata-se de uma linguagem primitiva, pois considera apenas um aspecto da linguagem. É como se ao

definirmos algo como cadeira, caracterizássemos apenas um modelo desse objeto e concluíssemos que tal definição pudesse se referir a todo tipo de cadeira.

Santo Agostinho estabelece um sistema de comunicação e o caracteriza como a totalidade da linguagem que utilizamos. Wittgenstein declara que esta é uma forma primitiva de comunicação, um tipo de treinamento para o exercício com a palavra que concebe a relação direta do mundo (fatos, objetos, fenômenos) com a linguagem (palavras que expressam esses fatos, objetos e fenômenos); é como se todas as vezes que enunciássemos uma palavra aparecesse em nossa mente a imagem do objeto que nomeamos. A impressão que se tem num modelo como este é a de que há uma estrutura lógica do mundo e uma estrutura lógica da linguagem, sendo que ambas se identificam por completo, a ponto de não deixarem dúvidas na relação de correspondência (objeto/palavra).

Essa concepção foi, para Wittgenstein, basicamente sustentada por duas idéias: a de que há uma essência da linguagem e a de que palavras têm seus significados porque, como rótulos, são colados aos objetos, fatos do mundo que pretendemos mencionar. Nesse caso, a aprendizagem da linguagem acontece por meio do ensino ostensivo, em que indico um objeto e o nomeio:

Nessas palavras, assim me parece, uma determinada imagem da essência da linguagem humana. A saber, esta: as palavras da linguagem denominam objetos – frases são ligações de tais denominações. – Nesta imagem da linguagem encontramos as raízes da idéia: cada palavra tem uma significação. Esta significação é agregada à palavra. É o objeto que a palavra substitui. (WITTGENSTEIN, 1979, p. 9).

O modelo de pensamento agostiniano descreve a aprendizagem da linguagem como uma atividade que consiste essencialmente em nomear as coisas, os objetos. A descrição de um pensamento tradicional acerca da linguagem, nas Investigações Filosóficas, segundo Moreno (2000), foi a maneira que o próprio Wittgenstein encontrou para refletir acerca de seu primeiro livro, o Tractatus Logico-philosophicus, por se tratar de um pensamento tradicional de análise da linguagem.

Na tentativa de criticar esse modelo estabelecido, Wittgenstein sugere que pensemos no seguinte exemplo: pedimos a alguém para fazer compras. Entregamos a essa pessoa um papel em que está escrito “cinco maçãs vermelhas”. Ela leva o papel ao dono do mercado, esse abre uma caixa em que está escrito “maçãs”, procura em uma tabela de cores o signo “vermelho”. Ao encontrá-lo, começa a retirar da caixa as maças uma a uma enumerando-as “uma, duas, três, quatro e cinco”. Podemos perceber que, apesar de existirem alguns elementos desse enunciado que possam ser entendidos ao considerarmos a concepção de santo

Agostinho – pois é possível perguntarmos e obtermos respostas acerca da referência da palavra “maçã” e da palavra “vermelha” – há elementos que não podem ser descritos da mesma forma, como é o caso da palavra “cinco”. Só poderíamos perguntar pela referência da palavra “cinco”, caso esta fosse da mesma categoria que as palavras “maçãs” e “vermelhas”. Dessa forma, a questão “Qual a referência da palavra cinco?” deve ser suspensa. Em relação a esse signo, só podemos perguntar pelo uso. A palavra “cinco” foi usada nesse contexto para enumerar as maçãs que foram compradas.

O hábito que temos de perguntar pelo significado das coisas e das palavras advém da concepção de santo Agostinho, que está arraigada em nosso pensamento, pois acreditamos num modelo primitivo de funcionamento da linguagem.

Wittgenstein ainda nos mostra que é possível pensar em um exemplo que caracterize uma comunicação primitiva, como sugeriu santo Agostinho. Um pedreiro e um servente trabalham na construção de uma casa. O servente executa todas as tarefas exigidas pelo pedreiro. Os materiais de trabalho são: pedras, lajotas, vigas, colunas. O pedreiro pede esses materiais ao servente e, na seqüência em que são pedidos, o servente os entrega, pois aprendeu a trazer cada um dos materiais ao ouvir o comando. De acordo com esse exemplo, Wittgenstein conclui que:

Santo Agostinho descreve, podemos dizer, um sistema de comunicação; só que esse sistema não é tudo aquilo que chamamos de linguagem. E isso deve ser dito em muitos casos em que se levanta a questão: “Essa apresentação é útil ou não?”. A resposta é, então: “Sim, é útil; mas apenas para esse domínio estritamente delimitado, não para o todo que você pretendia apresentar”. (1979, p. 10).

Para dar continuidade ao exemplo de comunicação primitiva apresentado, Wittgenstein ampliou esse jogo de linguagem. Incluiu letras para designar os numerais (a, b,

c, d e e designariam, respectivamente, 1, 2, 3, 4 e 5), as palavras “isto” e “ali”, que seriam

relacionadas à indicação com o dedo, e uma tabela de cores organizadas pelas letras. O pedreiro fez seu pedido “d lajota ali”, o servente, com base na indicação do pedreiro e a consulta à tabela, realizou o que foi desejado pelo pedreiro. Ainda de volta à questão do ensino ostensivo das palavras, Wittgenstein mostra-nos que, embora a maior parte das palavras desses contextos possa ser conhecida pelo ensino ostensivo, as palavras “ali” e “isto” apresentam um problema, pois são palavras que, por meio da indicação, podem tanto ser usadas, como podem também indicar seu uso. Dessa forma, quando proferimos a palavra “ali”, não só a usamos como também aprendemos sobre o seu uso.

O problema caracterizado por Wittgenstein refere-se às estruturas solidificadas na linguagem, segundo o modelo de linguagem referencial apresentado por santo Agostinho e, conseqüentemente, à finalidade a que se propõe esse pensamento. Podemos usar o ensino ostensivo para descrever uma pedra (dizer a palavra e indicar com o dedo o objeto), mas faremos isso quando, por exemplo, quisermos diferenciar uma pedra de um tijolo. Não podemos pensar que esse modelo primitivo de comunicação garanta a explicitação da linguagem em sua totalidade e, principalmente, em sua diversidade no que se refere ao uso que dela se faz. Isso porque há uma variedade de usos na linguagem. Não podemos pensar que o uso que se faz da palavra “cinco” é o mesmo que se faz da palavra “pedra”, uma vez que são coisas muito distintas.

Por esse motivo, talvez não haja situação menos filosofante e reflexiva na aprendizagem do que esta que caracteriza a uniformidade das palavras e a unidimensionalidade da linguagem e que se reduz ao ensino ostensivo, marcado pela repetição de palavras por parte de quem aprende e indicação de um referente fixo, supostamente universal. Mesmo assim, é a partir da concepção primitiva de linguagem, caracterizada pelo ensino ostensivo, que passamos a agir de uma determinada maneira. Como acreditamos que as coisas podem ser conhecidas por meio de indicação e nomeação, a pergunta que sempre nos vem à cabeça é “Qual o significado de tal palavra?” Fazemos isso, pois privilegiamos e consideramos apenas uma categoria de palavras, os substantivos, em determinado jogo de linguagem. É por essas razões que Wittgenstein acredita que provocamos grandes confusões nas discussões filosóficas, confusões próprias do uso incorreto da linguagem, bem como, podemos acrescentar, geramos muitas distorções no seu aprendizado e, principalmente, no ensino.

A pergunta “Qual o significado da palavra?”, citada acima, carrega com ela a idéia de que sempre há um objeto que corresponde a uma palavra. Contrapondo-se a isso, Wittgenstein nos propõe que não perguntemos pelo significado e sim pelo uso. É desse ponto de vista que o filósofo austríaco critica a gênese da concepção tradicional de linguagem e de seu ensino ostensivo em santo Agostinho.

Se nos detivermos na concepção filosófica de santo Agostinho e, portanto, na gênese do pensamento em relação à linguagem, que desencadeou a idéia de ensino ostensivo, notaremos que suas considerações teóricas apresentam influências significativas do pensamento de Platão. No ensaio De Magistro: do mestre, do livro Confissões, santo Agostinho (2002) apresenta uma conversa sobre as questões que envolvem a linguagem, mais

especificamente, sobre a finalidade da mesma. Nossa pretensão em retomá-lo aqui diz respeito ao caráter de essencialidade, desenvolvido na filosofia platônica e considerado nos escritos de Agostinho em relação à caracterização da linguagem.

Ao dar início ao diálogo, santo Agostinho questiona seu interlocutor, Adeodato, acerca da finalidade da linguagem e este responde acreditar que a linguagem é usada para ensinar e aprender. Santo Agostinho argumenta contra essa resposta na tentativa de convencê-lo de que a linguagem serviria apenas para ensinar. No entanto, Adeodato dá várias razões pelas quais afirma não acreditar que, com a linguagem, podemos apenas ensinar. Santo Agostinho, preocupado em fazer seu discípulo entender o que ele diz, caracteriza o ato de ensinar atrelado à capacidade que temos de rememorar.

Creio, contudo, que há certa maneira de ensinar pela recordação, processo certamente valioso, como teremos ocasião de ver em nossa conversação. Ora, se opinas que ao recordarmos não aprendemos ou que nada ensina aquele que recorda, eu não me oponho; e desde já afirmo que é dupla a finalidade da palavra: para ensinar ou para despertar reminiscências nos outros ou em nós mesmos. (AGOSTINHO, 2002, p. 353-354).

Como podemos ver, já nas primeiras páginas desse texto, Agostinho expressa a forte influência do pensamento platônico. Nessa primeira tentativa de definir o papel da linguagem, Agostinho ainda mantém a idéia de uma dupla finalidade (ensinar e lembrar), que, ao longo do texto, será definida como a capacidade que temos de rememorar apenas, de alcançar o conhecimento puro e verdadeiro sobre as coisas do mundo que está em nosso interior, dentro de nós. Isso significa que, com a linguagem, é possível ensinar, chamar a atenção, admoestar para o conhecimento que possuímos; para isso, basta lembrar. Afinal, o tema da reminiscência faz parte da concepção filosófica de Platão, como teoria que fundamenta a idéia de essencialidade. Podemos percebê-la como metodologia usada pelo personagem/filósofo Sócrates em seus diálogos.

Após uma complexa discussão sobre os signos e os elementos lingüísticos, Agostinho conclui que não aprendemos nada com eles. Quando nos são apresentados, já conhecemos as coisas e apenas fazemos a relação entre coisa e signo. Caso os signos nos sejam apresentados, num momento em que ainda não temos o conhecimento das coisas, eles nos advertem para que busquemos esse conhecimento na realidade. Dessa forma, a linguagem teria apenas a função de representar o conhecimento guardado dentro de nós, ou seja, seria um instrumento secundário no processo de produção de conhecimento, apenas um meio para desvelar aquilo que já sabemos, mas que sequer imaginamos que sabemos.

Essa idéia defendida por Agostinho parece provir da forte influência platônica contida em seu pensamento. A similitude dessa tese com o pensamento platônico pode ser verificada no diálogo intitulado Mênon, no qual Platão discute como o conhecimento pode ser adquirido. Mais especificamente, essa similitude pode ser observada na passagem em que Sócrates dialoga com Mênon, discípulo do sofista Górgias, sobre o tema da virtude.

Nessa passagem, Mênon indaga sobre como a virtude deve ser ensinada, enquanto o filósofo/personagem Sócrates insiste na questão “O que é virtude?”, ao argumentar que não podemos dizer como alguma coisa pode ser ensinada se não soubermos definir como é essa coisa. Mênon, um tanto perplexo com a ignorância apresentada por Sócrates (ironia que faz parte do método dialético adotado por Platão), tenta, a todo custo, mostrar o quão fácil é definir virtude, mas sempre que discorre sobre aquilo que pensa ser virtude esbarra no problema da essencialidade. Afinal, Mênon não descreve a definição da virtude, e sim a definição de um tipo de virtude (a virtude dos homens, a virtude das mulheres, a virtude das crianças, a virtude dos escravos).

Sócrates, então, apresenta a teoria da reminiscência, na tentativa de resolver o problema da doutrina sofística de que não podemos conhecer. Aquilo que conhecemos não precisamos buscar conhecer, afinal já o conhecemos, e o que não conhecemos, não podemos procurar, porque, como não conhecemos, não sabemos o que procurar. Nesse momento, o filósofo refere-se aos ditos dos poetas divinos:

Dizem que a alma do homem é imortal e que ora foge da vida, o que é falecer, e ora reaparece, entretanto numa nova existência. Mas que jamais perece de modo absoluto, e que por isso, devemos esforçar-nos por viver a vida mais piedosa possível.

A alma, é pois imortal; renasceu repetidas vezes na existência e contemplou todas as coisas existentes tanto na terra como no Hades e por isso não há nada que ela não conheça! Não é de espantar que ela não seja capaz de evocar à memória a lembrança de objetos que viu anteriormente, e que se relacionam tanto com a virtude como com as outras coisas existentes. Toda a natureza, com efeito, é uma só, é um todo orgânico, e o espírito já viu todas as coisas; logo nada impede que ao nos lembrarmos de uma coisa, o que nós, homens, chamamos de “saber”, todas as outras coisas acorram imediata e maquinalmente à nossa consciência. A nós compete unicamente nos esforçarmos e procurar sempre, sem descanso. Pois, sempre, toda investigação e ciência são apenas simples recordação. (PLATÃO, p. 55).

Mênon, não satisfeito com as palavras de Sócrates, pede uma demonstração da validade dessa tese. Sócrates, então, pede a Mênon que traga um de seus escravos para junto da conversa. Inicialmente, Sócrates pede a confirmação de Mênon de que o escravo escolhido nunca fora instruído. Feito isso, Sócrates passa a dialogar com o escravo sobre geometria e, em meio a essa conversa, procura fazer com que o escravo, ele mesmo, alcance as respostas às suas questões, por meio da rememoração. A demonstração é realizada com sucesso. A partir

das questões de Sócrates, o escravo apresenta determinado conhecimento de geometria que nem ele (o escravo) e muito menos seu dono sabiam que possuía. Com isso, Sócrates/personagem prova que, para o conhecimento ser alcançado, é preciso que o busquemos dentro de nós, no mais íntimo de nosso espírito; é necessário que pratiquemos o exercício da rememoração.

Quando lemos Platão, em seu diálogo Mênon, percebemos que todo o discurso desenvolve-se, tendo como grande preocupação a busca pela essencialidade. Mênon tenta definir o que acredita ser virtude, todavia não percebe que seus comentários são da ordem do particular e não do universal. Sócrates questiona-o acerca da ausência de uma característica essencial para tudo o que identificamos como virtude.

Ao final do diálogo, não temos respostas claras do que seria virtude, e não sabemos se era esse o objetivo de Platão. Entretanto, é possível vislumbrarmos uma metodologia do pensar que aprimorou as considerações de Mênon em relação à virtude. Ao lermos tal diálogo, temos a impressão de que Sócrates/personagem não definiu a virtude, muito menos respondeu se ela poderia ser ensinada. Ele apenas se apoiou na Teoria da Reminiscência e fez com que Mênon, provocado por suas questões, se voltasse ao seu interior, àquilo que está dentro dele, na tentativa de rever seus conhecimentos e buscar, por si próprio, o conhecimento das coisas, nesse caso, uma coisa imaterial, a virtude.

A Teoria da Reminiscência, brevemente comentada no diálogo Mênon, é mais um aspecto que garante a constituição do sistema platônico, que tem como apogeu a referência ao mundo das idéias. Santo Agostinho, ao se utilizar desse raciocínio platônico, em seu estudo sobre a linguagem, acatou inúmeras características que deram origem às Teorias de análise da linguagem e, especificamente, à Teoria do Significado, criticada por Wittgenstein nas

Investigações Filosóficas.

Quando partimos da idéia de que o conhecimento verdadeiro, puro, essencial, só pode ser alcançado na medida em que nos voltamos para o que está dentro de nós, acreditamos que o conteúdo das almas é universal, ou seja, no nosso interior estaria presente um conhecimento comum a todos os seres. O que nos diferiria uns dos outros, quanto ao que conhecemos, seria a proximidade que cada um tem desse conhecimento essencialmente verdadeiro. Nesse caso, a linguagem não faria parte da constituição dos sentidos que nos cercam, sua única tarefa consistiria na apresentação dos significados, comum a todos e alcançados por meio de uma busca interior ao que há de mais puro e verdadeiro. Ela seria, então, expressão desse algo

comum, puro e verdadeiro, que se encontra inscrito em nossa natureza humana, no fundo de nossas almas.

As críticas ao modelo referencial de linguagem, fundamentado pela filosofia, que, tradicionalmente, preocupou-se com pensamentos sistematizados em busca de acréscimos cognitivos que fossem caracterizados segundo aspectos relacionados à idéia de essência, motivou Wittgenstein a problematizar os critérios fixos, padronizados e modelares nos quais se apoiaram. Mais do que isso, Wittgenstein sugere outra maneira de pensar a linguagem e, conseqüentemente, os problemas filosóficos, longe dessas reflexões estáticas e previamente estabelecidas.

Quando Wittgenstein apresenta a multiplicidade no que se refere às coisas materiais e a seus estados, como no exemplo da maçã e do pedreiro, distanciando-se das concepções estáticas e previamente estabelecidas sobre a linguagem, enquanto Platão e Santo Agostinho estabelecem uma fixidez à linguagem nos termos apresentados e a referenciam aos valores ou às virtudes humanas, coloca-se uma questão, a saber, se a crítica wittgensteiniana ao uso convencional que se faz da linguagem e ao seu ensino ostensivo, nessa tradição filosófica,