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"Se trago as mãos distantes do meu peito, é que há distância entre intenção e gesto"

Autor (MEC): Os Núcleos de Tecnologia Educacional são estruturas descentralizadas para apoiar o processo de informatização das escolas e estruturar um sistema de formação continuada...

Ator (Multiplicador): Todos os anos a gente planeja e não consegue realizar...

Espect-ator (Professor): No curso a gente teve uma certa noção de como ia trabalhar...

Na PEÇA do PROINFO está escrito que os Núcleos de Tecnologia Educacional são estruturas descentralizadas, que objetivam apoiar o processo de informatização das escolas públicas. Devem dispor de equipamentos tecnológicos conectados à Internet e de uma equipe de especialistas em informática e telecomunicações. A sua principal ação é a formação dos professores, indicada como condição de sucesso do programa.

O NTE estudado também tem um programa escrito, onde explicita como será realizada a formação dos professores. No programa constam capacitações e acompanhamento das escolas. Os multiplicadores explicam que o papel do NTE se realiza por meio de "duas práticas: capacitar e acompanhar" os professores.

De acordo com o nível de manuseio dos aplicativos, indica-se ao professor a participação nos módulos: Telemática I, para os que estão no "nível

zero" (aqueles que nunca manusearam um computador) e Telemática II, para os que já têm noções de uso dos computadores. De abril a setembro de 2001, período em que esta pesquisa foi realizada, não aconteceu, nesse Núcleo de Tecnologia Educacional, nenhum encontro com professores. A justificativa apresentada pelos multiplicadores foi a de que não há como liberar os professores da sala de aula.

Fica evidente a criação e manutenção de uma instância física de formação continuada dentro de um sistema que, além de determinar períodos pontuais de formação, reconhece que a maioria dos professores não tem tempo para cursos, durante o período letivo, por lecionarem em dois ou três turnos. Para os professores participarem da programação de formação planejada pelo NTE, os alunos ficariam sem aula, porque não há previsão de substituição. Essa foi uma das questões tratadas no II Encontro Estadual do PROINFO.

Como nós multiplicadores podemos realizar um trabalho de qualidade no NTE? Como podemos preparar os nossos professores para atuarem nos laboratórios das escolas com seus alunos, que é o objetivo final do NTE, que é capacitar os professores para o aluno, se a escola não libera o professor para ser capacitado no NTE? Por exemplo: o NTE preparou um projeto de capacitação para os professores, mandou seis ofícios e as escolas não mandaram nenhum professor. Está lá o projeto preparado, o plano de aula preparado, o plano de curso preparado e até hoje estamos esperando esses professores. Depois, o NTE não está atualizando e nem, muito menos, o multiplicador.

A PEÇA está montada, pronta para ser encenada, mas, os espect-atores não podem comparecer ao espetáculo. No palco estão os equipamentos necessários à encenação, os atores com o texto ensaiado, mas, não podem abrir as cortinas do espetáculo por falta de público. Onde está o público?

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A maioria dos professores tem uma dupla jornada de trabalho, como alternativa aos baixos salários praticados pelas redes de ensino. As professoras de Educação Infantil e de Ensino Fundamental, quando não pertencem ao sistema de educação estadual e municipal ou privado, lecionam duas turmas, no mesmo sistema. O trabalho feminino não é mais, somente, complementação de renda familiar. Em muitas situações é a fonte básica e, às vezes, única de renda de uma família.

Quando a gente tem um salário baixo, a gente tem escola do filho, alimentação, plano de saúde; a gente não tem como assumir uma prestação para comprar; estoura o orçamento da gente... (esse problema salarial...) Talvez se pagassem para a gente passar o dia na escola e ter acesso também. Porque, do mesmo jeito que os meus alunos não tem acesso, eu também não tenho. Meu conhecimento é em educação e não na máquina (PAULA).

Grifei a frase acima para chamar a atenção sobre o acesso dos professores aos equipamentos da informática. Como a sua escola tem laboratório de informática, entender-se-ia que, ao professor, está garantido o acesso. Entretanto, diante da organização do trabalho escolar, o tempo que o professor tem para utilizar os equipamentos é somente o tempo que ele vai com os alunos ao laboratório.

A capacitação intensiva, realizada em uma semana, no NTE, foi, na verdade, o único momento que o professor teve de se preparar para esse trabalho. O núcleo de tecnologia está implantado onde há muitos computadores, que podem ser usados pelos professores, no entanto, os professores não têm tempo para freqüentar o NTE.

Em um debate sobre o preparo do professor para uso do computador, divulgado na Internet na página do MEC/PROINFO (1999), um dos temas

abordados foi o tempo do professor para construir esse novo conhecimento e o representante do programa, presente no debate, reconhece a falta de tempo dos professores, mas, diz que "isso tem que ser negociado nos contextos", ou seja, nos sistemas estaduais e municipais.

Ora, a organização do sistema escolar, estadual ou municipal, rege-se por uma legislação onde estão estabelecidas regras contratuais. O professor de educação infantil e da primeira fase do ensino fundamental assume uma turma durante um turno escolar. Os professores da segunda fase do ensino fundamental e do ensino médio lecionam diversas turmas conforme a quantidade de horas constantes no seu contrato. O seu tempo na escola está preenchido ou com uma única turma ou com várias turmas dentro de um horário pré-estabelecido. De que maneira o professor vai "negociar" com o seu sistema o tempo que precisa para construir a habilidade requerida?

É nessa perspectiva que afirmo a criação de um programa para uma entidade padronizada, para um público idealizado, porque as reais condições dos professores para participarem de processos de formação que os habilite a integrarem o computador à prática pedagógica, com os fins propostos na PEÇA, não foram levadas em consideração no ato de escrita da PEÇA.

O autor escreve a PEÇA para um público virtual, ou seja, o MEC estabelece uma política de formação para um professor idealizado, virtual, e não para o professor real, com condições desfavoráveis de trabalho, de formação e de remuneração e assim inviabiliza a peça, esvazia o Teatro que ele mesmo criou.

Segundo Paulo Freire (2000), a frase se esvazia se a prática prova o contrário do que nela está declarado. Impõe concordar com a hipótese do poeta: "Se trago as mãos distantes do meu peito, é que há distância entre intenção e gesto" (CHICO BUARQUE).

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