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Uma introdução à Análise do Discurso

4 METODOLOGIA 4.1 INTRODUÇÃO

4.8 ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.8.1 Uma introdução à Análise do Discurso

A virada linguística que permitiu um novo olhar da ciência sobre os fenômenos do mundo pautado pela linguagem, entre o fim dos anos 1960 e o começo de 1970, trouxe em seu bojo a contribuição de grandes filósofos que se puseram a analisar o discurso como um novo objeto desses estudos.

O termo ‘análise do discurso’ foi proposto pela primeira vez em 1969, pelo francês Michel Pêcheux (1938 – 1983) em sua tese

Analyse Automatique du Discours (Análise Automática do Discurso). A preocupação de associar os estudos linguísticos para além da noção de imanência saussureana, ou seja, do exame da língua em si mesma, ganhou força com a concepção de que o comportamento linguístico, especialmente nas áreas da conversação e de análise textual, é afetado de forma sistemática pelas circunstâncias sociais.

Esse pensamento, consolidado a partir dos estudos da sociolinguística, dividiu a pesquisa sobre discurso entre abordagens não críticas, que descrevem as práticas discursivas, e as críticas, que tentam demonstrar como o discurso é condicionado por ideologias e relações de poder (Caldas-Coulthard, 2008).

A conexão entre linguagem e sociedade começou a ser feita especialmente a partir da década de 1980, com o aprimoramento da sociolinguística, quando se identificou a necessidade de “uma disciplina voltada para o social e preocupada com os problemas de grupos menos favorecidos.” (Caldas-Coulthard, 2008, p. 24).

Inúmeros pesquisadores, entre eles Caldas-Coulthard (2008), Meurer (2005), Tilio (2010), e o próprio Fairclough (2001) – que norteia a metodologia utilizada nesta pesquisa – são unânimes em destacar o caráter interdisciplinar da Análise Crítica do Discurso (ACD), que deriva de abordagens de vários campos de estudo, principalmente da antropologia, sociologia, psicologia e dos estudos culturais. A ACD, segundo estes autores, fará um mergulho entre os estudos linguísticos associando a análise textual ou de conversação com uma teoria social do funcionamento da língua em processos ideológicos e políticos.

Os pesquisadores também são unânimes em ressaltar as influências das teorias sociais que fundamentam a ACD. É importante citar a contribuição do filósofo francês Michel Foucault

(1926 – 1984), que se debruçou, entre inúmeros trabalhos fabulosos, sobre a ordem do discurso produzido em instituições, diante de uma intertextualidade/interdiscursividade (o discurso produzido a partir de um ou mais textos ou discursos) em que o conhecimento aparece regulado pelo discurso.

Destaca-se também o nome de Louis Althusser (1918 – 1990) para quem o poder, diferente da visão de hegemonia vertical, perpassa horizontalmente as instituições por meio dos ‘aparelhos ideológicos do Estado’, expressão consagrada do autor, e do filósofo russo Mikhail Bakhtin (1895 – 1975), com sua perspectiva social.

Estes e outros autores como a filósofa e escritora búlgaro- francesa Julia Kristeva (1941), o francês Pierre Bordieu (1930 – 2002) e, principalmente, o linguista britânico Michael Halliday (1925) compõem as bases da Análise Crítica do Discurso (MEURER, 2005, COULTHARD, 2008, Tílio, 2010).

O linguista Norman Fairclough (1941), um dos criadores da ACD e atualmente professor emérito da Universidade de Lancaster (Inglaterra), bebeu nessas fontes (TILIO, 1020). Naturalmente Fairclough não surge sozinho, mas é a partir de seus estudos que se tornou possível sistematizar linguagem e ideologia como um instrumental teórico-metodológico para a análise de discursos, sendo por isso considerada, ao mesmo tempo, uma teoria e um método de análise (MEURER, 2005, Tílio 2010).

“A Análise Crítica do Discurso enfoca a desigualdade social e as formas pelas quais textos são usados para denotar poder e ideologia” (TILIO, 2010, p. 87 ), mas não só [...] seu objetivo não é apenas analisar textos para investigar relações de poder, mas também encontrar possibilidades de transformar a desigualdade,

modificar distribuições desiguais de bens culturais, políticos e econômicos nas sociedades contemporâneas (KRESS, 1996).

Fairclough adotará as noções da linguística sistêmico- funcional de Halliday como multifuncionalidade e transitividade (MEURER, 2005). Os conceitos desses dois termos são importantes para se entender os mecanismos de análise da Análise Crítica do Discurso. Para Halliday, a linguagem é multifuncional porque permite a realização de três tipos de metafunções, simultaneamente: organizar um texto conforme os significados textuais (metafunções da linguagem); representar a realidade de determinada maneira, refletindo conhecimentos e crenças (ideacionais) e estabelecer relações sociais (interpessoais) (MEURER, 2005).

A chamada transitividade centra-se na função ideacional, ou seja, em como as pessoas representam a realidade que, em Halliday, é composta por orações com três tipos de componentes: os processos (realizados por verbos); os participantes (por grupos nominais) e as circunstâncias (por grupos adverbiais).

Na ACD o léxico, as opções gramaticais, a coesão e a estrutura do texto são examinados em termos de como cooperam entre si para construir cada uma das funções. Assim, a análise dos elementos léxico-gramaticais tem por objetivo evidenciar textualmente quem faz/é/pensa/diz o que em que circunstâncias (MEURER, 2005).

Fairclough buscará no sedimento de Halliday descrever, interpretar e explicar os eventos discursivos em três dimensões: texto, prática discursiva e prática social, daí a expressão “tridimensional” atribuída a este tipo de análise. Ou seja, a abordagem tridimensional de Fairclough coloca que a análise pode ter diferentes ‘pontos de entrada’: o texto, em que se privilegia a

análise dos aspectos relevantes do léxico, das opções gramaticais, de coesão e estrutura.

Fairclough (2001, p.103) coloca claramente a análise de quatro itens: vocabulário (uso das palavras), gramática (palavras constituem orações e frases); coesão (ligação entre orações e frases) e estrutura textual (a propriedade organizacional do texto). À prática discursiva, o autor acrescentará: a força dos enunciados (os tipos de atos de fala: promessas, pedidos, ameaças), a coerência e a intertextualidade. Esses itens, diz Fairclough (2001), reunidos, constituem um quadro para análise textual que abrange aspectos de sua produção e interpretação como também as propriedades formais do texto.

Uma vez definida a análise linguística, afirma Tilio (2010), caberá ao pesquisador apontar os obstáculos que se impõem à resolução de um problema (social) em questão, sendo, a próxima etapa, avaliar os interesses da ordem social em resolver (ou não) os problemas. É quando entra em cena o viés da prática social, ou seja, a forma como as estruturas sociais moldam e determinam os textos e vice-versa, sempre buscando se determinar que representação da realidade o texto oferece e os interesses na resolução das circunstâncias de entorno ao problema.

O próprio Fairclough dirá que uma característica imprescindível para a ACD será identificar as possibilidades de superação dos obstáculos. “Não basta ter consciência de sua existência, é preciso lutar para vencê-los (os obstáculos) e atuar na transformação social” (FAIRCLOUGH, 1992), buscando-se lacunas e contradições, reconhecendo-se limitações e tendências (FAIRCLOUGH, 2001).