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Uma lista

No documento O segundo caçador (páginas 58-92)

— E aí, é verdade essas paradas que tão falando de você nos jornais? — pergunta Pedrão.

— Que paradas? Eu nem liguei a televisão esses dias. — O quê? Não ligou a TV? Que que cê fez esse tempo todo em casa?

— Só fiquei colocando o sono em dia.

— Imagino que nem o computador você ligou também. — Nem o videogame.

— Você é maluco. Ficou esse tempo todo em casa e nem pra jogar um gamezinho. Esquece... — continua. — Tem um blog desses anônimos que começou a te chamar de herói. Aí, uns ou- tros blogs acharam que ele tava exagerando. Nossa, começou uma discussão sobre o que você era e o que aconteceu de verdade no ônibus.

O que eu mais queria era poder colocar uma pedra em cima de tudo e fingir que esqueci. Levar a vida da mesma forma que antes. Sem ser reconhecido. Sem ter que falar sobre isso. Contudo, isso não vai ser possível se outras pessoas continuarem a tocar no

assunto. E nada poderia ser pior que um blogueiro sensacionalista interessado em minha história.

— E o que eu sou?

— O pessoal tem variado bastante, mas, na média, estão falando que você é quase um ninja, que defendeu o ônibus de três assassinos perigosos e procurados.

— Os três eram procurados pela polícia? — Parece que só um, mas ele era menor.

Aquele Segundo realmente era um desgraçado. Mesmo que tenha repetido todos esses dias que nenhum deles merecia morrer, é só a culpa falando. A morte dele me dá o orgulho do de- ver cumprido.

— Em outra versão, você é uma pessoa violenta e descon- trolada, altamente nociva à sociedade, mesmo salvando todo mun- do desta vez — comenta, com cautela.

Nocivo. Essa palavra resume tudo o que tenho sentido so- bre mim. Um ser prejudicial aos outros. Alguém sem controle e imprudente, que destrói tudo ao redor.

— E tem uma terceira, que é a mais realista. Pelo relato de alguns passageiros, foi realmente isso que aconteceu: você ficou puto e virou um Hulk preto, virou o ônibus e saiu matando todo mundo. — Sorri. — Obviamente, eu acredito nessa aí.

Ele ri descontroladamente e, mesmo tentando me segurar, acabo rindo também.

— Até fizeram um videozinho de zoação.

Ele pega o celular e logo acha o vídeo. Nele, um sujeito negro e franzino vai ficando cada vez maior a cada bandido mas- carado que aparece. Quando o terceiro entra, ele (ou eu) está tão grande que destrói o teto do ônibus. Então, ele pega os bandidos e os engole sem mastigar.

A animação é tosca, mas, sem ser muito criterioso, é engraçada. É o tipo de vídeo idiota que gosto de ver e que pro-

até eu finalmente relaxar, esquecer que sou aquele protagonista bizarro e gargalhar.

— Parece que não é cedo demais para fazer piada! — Ainda é, mas essa foi boa.

Eu rio ainda mais enquanto ele imita o que seria o Hulk Preto atacando seus inimigos. Quando finalmente a risada esmorece, vejo que ele está olhando para a cicatriz na minha barriga. E para a do om- bro direito. Marcas do incidente. Devia ter vestido uma camiseta para escondê-las. Pedrão desvia o olhar, mas sei que lhe devo uma expli- cação sobre o que aconteceu no ônibus. É meu melhor amigo, afinal. Mais do que isso, preciso falar com alguém sobre o que aconteceu para tentar aliviar o peso em minhas costas. E Pedrão é a única pessoa com quem já conversei com franqueza sobre meus instintos violentos.

— E aí, vamos ou não vamos pro bar? — pergunto.

— Lógico! — concorda, animado. — Quer dizer, se você quiser conversar aqui mesmo, eu entendo.

— Quando a gente chegar lá, eu te conto a porra toda. E é isso que faço assim que a primeira cerveja chega. De- pois do brinde, não paro de falar nem para beber um gole. Só quando um garçom se aproxima é que interrompo a história. Conto a Pedrão tudo que aconteceu naquela noite. Detalhe por detalhe. Tudo que fiz, tudo que pensei. Ele me escuta atento e em silêncio, enquanto procuro as melhores palavras para explicar pelo que passei.

Quando termino, ele coloca a mão em meu ombro. Minha respiração está irregular. Estou usando toda a concentração para não chorar. Não quero chorar mais. Quero passar para a fase em que posso rir das tragédias do passado. Mas ainda não vai ser hoje que vou conseguir conter minhas emoções.

Ele me abraça e eu choro. Tremendo e soluçando, como uma criancinha indefesa.

A esta altura, a cerveja está quente e pedimos outra. Pedrão pede uma pizza gigante de calabresa e, só de ouvir a palavra “pizza”, meu estômago grita de felicidade. Não comi o dia inteiro.

Ficamos em silêncio até a outra cerveja chegar. Cada um tentando achar as palavras certas para continuar a conversa.

— Dureza, cara! — lamenta, depois do segundo gole. — Sei que você tá se culpando pelo que aconteceu com os dois. Mas, cara, um deles era a porra de um psicopata! Ele ia passar a vida matando gente. Ou pior, se o assassino tiver falado a verdade. Você fez bem em ter acabado com esse desgraçado.

— Aquele merdinha eu até me sinto um pouco bem por ter matado — digo, com toda a sinceridade que devo a meu amigo. — Mas o outro era só um infeliz...

— Infeliz ou não, algum dia ele ia se acostumar a roubar. E se alguém reagisse? Ele tava num caminho sem volta... Quando você entra nessa vida, já era!

Eu concordo com tudo o que Pedrão falou, mas não cabe a mim decidir sobre as possibilidades do futuro de ninguém. Ele teria que ser julgado apenas pelo que realmente fez, não pelo que poderia fazer. Não que eu de fato acredite na Justiça do país. Ou em que sua punição seria suficiente para reparar os danos que acabaria causan- do. Afinal, também faço parte desse sistema quebrado. Mas não é correto tirar as escolhas de uma pessoa.

E o extremo de, além de julgar, condenar à morte é demais para mim. Eu, que sou, e sempre fui, contra a pena de morte, que chamava de boçal qualquer um que a defendesse, matei duas pes- soas. Agi como um ditadorzinho intolerante e fui juiz e carrasco de duas pessoas. E julguei uma delas com base em mentiras contadas por um assassino.

Ainda que me sinta culpado por Desdentado e triste por ter agido contra o que acho que é certo, sinto orgulho por ter aca- bado com Segundo. Ele era um psicopata e iria destruir várias vidas

cerário do mundo iria consertá-lo. No caso dele, eliminar as possi- bilidades foi algo inteiramente positivo.

— Sei que é difícil ter matado uma pessoa, mas você é o herói da história, cara.

Ele para de falar enquanto enche meu copo.

— Se você não fizesse nada, o outro cara ia te matar... — É isso que não sai da minha cabeça — digo depois de virar o copo de cerveja. — Se ele quisesse me matar, eu tava morto. Ele se levantou, me bateu e foi embora.

Não conto a Pedrão o que Assassino me disse enquanto eu estava prostrado no chão. É a única coisa que não conto a ele. Talvez para não mostrar o quanto estou com medo de um novo encontro. Talvez por vergonha de admitir que fiz parte do plano de um manía- co. Uma marionete nas mãos de um monstro.

Na realidade, é um medo irracional. Tenho certeza de que Assassino me achou por acaso e percebeu que eu era esquentado. En- tão, viu a oportunidade de fazer uma brincadeira sádica comigo. Uma que já deve ter feito com muita gente. Foi apenas azar meu. Eu sei que ele não vai me procurar. E, mesmo que quisesse, não saberia como me encontrar. Não sabe nem meu nome.

— Cara, mas o que você ia fazer? Esperar que um desses malucos te matasse? — argumenta. — Não tem jeito, cara, cê fez o que cê tinha que fazer.

Não acredito que ele diria isso para outra pessoa senão o melhor amigo, mas me sinto bem ao ouvir alguém me defenden- do contra meus próprios pensamentos. Minha culpa, sem dúvida, diminuiu um pouco quando lhe contei, mas é ouvindo Pedrão que consigo reduzi-la consideravelmente.

— E digo mais! Devia ter mais Hulks Pretos para defen- der este país fodido — completa. — Eu vi esses dias uma estatís- tica que os filhos dos ricos cometem cinco vezes mais crimes que os filhos da gente de classe média, mas são presos em me-

nos de cinco por cento dos casos. Que porra é essa, cara? Que país é esse?

— Tem certeza que isso tá certo?

Pedrão tem o péssimo costume de inventar dados esta- tísticos para adubar suas opiniões. O apelido dele na faculdade era Ibope.

— Lógico que não, porra! — confessa, contrariado. — Mas deve ser por aí! Esses filhos da puta podem fazer o que quiserem e nunca são presos. E os traficantes, do outro lado, também podem fazer a merda que quiserem dentro da favela. Todo mundo sabe que eles estão lá, mas ninguém faz nada.

Não quero ouvir meu amigo bêbado concordar com a linha de pensamento de Assassino. Mas também não quero bri- gar com ele, porque sei que está falando isso só para me deixar menos culpado. Decido prestar mais atenção na pizza do que nele. Pizza essa que a fome está transformando na melhor que já comi.

Comemos em silêncio até não sobrar mais nenhum pedaço. — Cara, o que você fez, bom ou ruim, vai salvar a vida de outras pessoas — continua. — Dá pra fazer, fácil, cara, uma lista com esse tipo de infeliz. Gente que não traz nada de bom pro mun- do, que só prejudica.

— Uma lista? — pergunto, descrente.

— É. Uma lista com os bandidos que todo mundo sabe que não têm jeito. Tipo os traficantes que matam qualquer um pra su- bir ao poder, os que controlam a favela da prisão ou os psicopatas que nasceram desse jeito e nunca vão parar de matar. — Ele vai fi- cando mais animado. — Claro que tinha que ter um espaço para os policiais corruptos que permitem que isso aconteça e os políticos que roubam a porra toda!

— E qual seria a nobre entidade que ia garantir que essa lista não se transformasse num grupo de extermínio

como tantos outros? — digo, irritado. — Ou numa empresa de mortes encomendadas?

— A entidade do Hulk Preto!

Tento prender o riso, afinal era para estar irritado com ele, mas a tentativa faz com que um som parecido com um rosna- do de cachorro me saia da garganta. Isso acaba de vez com meu autocontrole. Gargalho. Pedrão ri ainda mais alto que eu. Esta- mos mais embriagados do que eu achava.

— Deveria ter mais pessoas como você, cara — acrescenta. — Imagina um esquadrão multicolorido de Hulks. Hulks de todas as cores para limpar a sociedade de todo o mal!

— Não! — digo, enfim entrando na brincadeira. — Para ex- purgar todo o mal da sociedade!

— Isso! “Expurgar” é uma boa palavra!

A zombaria me traz um gosto amargo na boca quando me lembro do que fiz e de como fui manipulado para matar uma pes- soa desarmada que nunca vi antes. Influenciado por um assassino a matar. Se alguém aparecesse no escritório e me dissesse que fez isso, eu ia dizer que o caso estava perdido. Como aconteceu co- migo, eu estou no bar brincando sobre a possibilidade de criar um grupo e de fazer isso outras vezes.

— E pensar que tudo isso só aconteceu porque você é mão de vaca e não me ouve nunca.

— Hã?

— Se você tivesse comprado a porra de um carro não ia de busão pro trabalho.

— Você sabe que eu não gosto de dirigir.

— Sei... Cara, cê precisa resolver esse trauma de gastar di- nheiro e abrir a porra da carteira. Ou você vai continuar a ir pra Barra de busão?

— Sei lá, cara. Nem pensei nisso — minto.

Não consigo suportar a ideia de entrar num ônibus de novo. Mas odeio dirigir no trânsito e ir de táxi ficaria uma fortuna

por dia. Tenho pensado em pedir carona para alguém do escritório. Mas não sei quem.

— Você pode ir de bicicleta — brinca.

Quando percebe que eu não estou rindo, ele fica sé- rio também.

— Cara, eu sei que você tá chateado. Talvez, você tenha pisado na bola — analisa. — Ou talvez não. Você nunca vai saber de verdade, cara. Mas eu acho que você fez a coisa certa.

— Não sei, Pedrão — digo. — Eu fiz uma parada muito erra- da. Num acho que uma coisa dessas pode ter algum lado bom. Esse não é o jeito certo de fazer as coisas.

— Não é o certo, mas foi o que deu — justifica, com um sorriso acolhedor.

Ele abre os braços e eu o abraço. Talvez por estar bêbado, ou por precisar de amparo, ou pelos dois. Fico uns instantes de olhos fechados, tentando acreditar no que ele diz. Será que real- mente foi o melhor que eu podia fazer?

— Olha essa viadagem aí! — protesta um policial.

Ele me dá um tapa na cabeça e segue na direção de uma mesa vazia. Escolhe uma cadeira que lhe permite olhar para todo o resto do bar. Ao sentar, quase cai. Está visivelmente embriagado e veste a farda da polícia militar. Olha para o máximo de pessoas ao colocar a arma sobre a mesa. Não parece querer outra coisa, além de confusão.

Uma aura de raiva e desgosto inunda o bar e eu não sou imu- ne a ela. Quase posso escutar o pensamento universal de revolta con- tra uma figura que deveria estar mantendo leis, e não as quebrando.

— O que foi? — grita o policial para a mesa mais próxima. — Você perdeu alguma coisa aqui?

Aponta a arma para a cabeça de um homem. Ele perde toda a cor do rosto e levanta os braços instintivamente.

— Que isso, meu irmão? — diz, com dificuldade. — Eu não fiz nada para você.

— Eu não sou seu irmão, viadinho.

O policial finge que dá um tiro, mas devolve a arma para o tampo da mesa. Ri, satisfeito com o desespero do homem.

— Babaca! — sussurra Pedrão entre os dentes.

As mesas mais próximas pedem suas contas quase ao mes- mo tempo e saem o mais rápido que podem. Um dos grupos deixa o dinheiro na mesa, sem esperar pela conta ou troco. As pessoas que frequentam o bar não estão nem acostumadas nem dispostas a en- frentar este tipo de problema. A distância, os clientes que deixaram o local fotografam e filmam o policial.

Rapidamente, o estabelecimento perde quase todos os fre- gueses. E, mais inconsolados que o dono, só os garçons, que não vão receber gorjetas hoje. Como se a culpa fosse deles...

O dono do bar vai até ele. Conversa em baixo tom, provavel- mente tentando convencê-lo a sair. Entretanto, Policial aponta a arma para o rosto dele, como se o gesto fosse banal. Talvez para ele seja.

— Me traz uma garrafa de Black Label, na conta da casa! — grita.

Um dos garçons se apressa para lhe entregar uma garrafa. — Cadê o copo com gelo? — resmunga.

Quando o copo é entregue, ele relaxa e para de prestar atenção no dono do bar, visivelmente abalado. O garçom que o serviu puxa o patrão para dentro da cozinha.

— Cara, odeio a polícia — afirma Pedrão, ainda encarando Policial. — Pra mim, todos eles são piores que os bandidos. — He- sita por uma fração de segundo. — Tá, nem todos. Mas a maioria entraria na lista.

Os pelos dos meus braços se arrepiam. Pedrão, meu me- lhor amigo, uma das pessoas de quem mais gosto no mundo, está falando exatamente o que Assassino diria. Isso me faz pensar que talvez ele tenha uma lista como essa que Pedrão tanto cita. Isso me

leva novamente ao ônibus e às mortes. Vejo Assassino a meu lado no bar, falando com a voz do meu amigo. Usando as palavras do meu amigo.

Fecho os olhos e chacoalho a cabeça para tirar essas ima- gens da mente.

— Vamos embora — digo. — A gente bebe em outro lugar. — E deixar esse babaca vencer? — pergunta. — Não vou sair do meu bar favorito por causa dele.

— Ele já venceu, Pedrão — insisto. — E você gosta de qualquer bar.

— Não, cara, este aqui é especial — mente.

— Você tá querendo confusão, porra — digo irritado, mas com voz baixa. — Você sempre arruma alguma merda e me arrasta. Esse cara tá armado, Pedrão.

— Ei — reclama, magoado. — Eu já disse que não vou mais te meter em furada.

Eu fico em silêncio. Não preciso expressar minha descren- ça numa promessa que ele quebrou tantas outras vezes.

— Cara, a Aninha já tá chegando — pondera, em tom con- ciliador. — Quando ela chegar, nós vamos.

Nós permanecemos no bar, mas minha recente tranqui- lidade já não existe. Meu coração bate descontrolado. Me sinto como se estivesse entrando mais uma vez pelas portas daquele ônibus do inferno.

Um fim

— Fala pra mim. Você não acha, de verdade, que o mundo ia ser melhor sem um babaca desses? — pergunta Pedrão, sem tirar o olho do policial.

Sua voz é calma e triste. Não há mais traços de revolta e eu lhe agradeço mentalmente por isso. Mas é perturbador ver um Pedrão reflexivo, coisa que ele nunca foi.

— Acho que ele tinha que ir pra cadeia — desconverso. — E você, como um advogado criminalista, acredita mes- mo que esse cara vai pra cadeia?

— Difícil... — confesso. — Policial, pra ser preso, tem que fazer muita merda. Vários escapam até de chacinas.

É triste saber disso. E é extremamente vergonhoso saber que sou parte desse sistema imundo. Não entrei na faculdade que- rendo defender a Justiça. Nem minha ideia de adolescente era ser uma espécie de herói. Mas, desde que decidi ser criminalista, o di- nheiro tem falado tão alto que ultimamente defendo criminosos. Mesmo não sendo um moralista, nunca vou ficar satisfeito ajudan- do bandidos. E, hoje, eu sou um dos caras que impedem que safa-

dos, como este policial, sejam presos. Claro, desde que ele tenha o dinheiro necessário para contratar o escritório em que trabalho.

Fazer parte do lado negro da força já vinha me tirando o sono antes do ônibus. Contudo, agora, depois de tudo que presen- ciei e venho repetindo na cabeça, está insuportável. Não foi à toa que não liguei para o escritório todos estes dias. Acho que meu subconsciente esperava que, se eu continuasse sem dar satisfa- ções, seria demitido. Aí eu poderia culpar o trauma por ter perdido o emprego. E, quando as pessoas começassem a ladainha que um emprego desses não se perde, poderia me fingir de vítima.

Mas eu não fui demitido nem sou uma vítima.

— E, se, por uma sorte nossa, esse babaca fosse preso hoje, isso iria resolver o problema? — Ele olha em meus olhos. — Em uma semana, ele estaria solto, de volta pra polícia.

Eu fico em silêncio. Não há mais nada a dizer. Ele está cer- to e sabe disso. Não existe uma solução simples e milagrosa que resolva um problema tão complicado como este. A velha esquerda deveria saber disso. Distribuição de renda e educação dignas pre- cedem a Justiça. Porém achar que isso resolveria o problema, por si só, faz da utopia a solução. Mais triste é saber que a direita está tão perdida quanto.

— Com sinceridade, cê não acha que este cara tinha que tá na lista?

— Que porra é essa, Pedrão? — pergunto, tentando manter meu tom baixo. — Você só pode tá de sacanagem com essa fixação pela sua lista idiota.

— Cara, talvez você não teja pronto pra falar sobre isso, mas... — Respiro fundo, sem paciência, e ele sorri amarelo. — Mas uma das vítimas do ônibus deu uma entrevista falando do desgra- çado que matou o policial. Ela levou vários tiros dele e mesmo assim deu uma entrevista defendendo o cara. Foi doideira isso, cara. Ela disse que ele era completamente louco, mas impediu que houvesse

comparsas. Ela falou que ele, pelo menos, estava tentando fazer al- guma coisa para conter a violência.

— Levou vários tiros? A mulher gorda? — pergunto, mais para mim do que para ele.

— Que insensível, cara. Ela era gordinha sim, mas isso não vem ao caso.

— Eu pensei que ela tinha morrido.

— Viva ela está, mas tá meio maluca. Ela deu uma entrevis- ta falando que o cara não deixou que o assalto acontecesse, matou três criminosos, inclusive um policial que estava com uma mala cheia de propina. E que o maior dano foi causado pelo motorista que se assustou e fez merda.

— Que isso! — falo alto demais. — Aquele cara ia me matar. E

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