Quem sabe faz a hora não espera acontecer”!
Para tanto, a militância pelos Direitos Humanos no Brasil tem uma relação muito
estreita com direitos das pessoas presas, em alusão aos tempos de tortura à presos
políticos. Entretanto é um tempo que não devemos esquecer e precisamos
rememorá-lo cotidianamente. Esse horror faz parte da construção da história
brasileira e principalmente da militância de direitos humanos, pois a luta, militâncias
e vidas contadas, conforme diz Thompson são para que o “valor histórico do
passado lembrado propicie informação significativa e também transmita a
consciência individual e coletiva” (1992, págs. 195).
Ao conhecermos a luta pela dignidade humana no Brasil, a partir do fato histórico da
ditadura, denominada de „direitos humanos‟ entendemos que a militância de direitos
humanos se dá na junção do momento histórico, do âmbito social e na cultura da
localidade, comunidade e toda a sociedade.
Em cada período histórico da humanidade, desde a idade antiga até os tempos
atuais, tivemos focos de lutas por direitos e garantias na humanidade. A luta por
direitos humanitários faz parte da história da humanidade e se dá como diz Paul
Veyne no texto de Hélio Rebello Cardoso
38, na perspectiva do acontecimento, ou
seja:
“Não há história do “homem”, mas apenas eventos que o singularizam
com o passar do tempo; não há história da “guerra” entendida como fenômeno submetido a uma lei, a história contará esta ou aquela guerra. Os diversos acontecimentos sejam eles relativos ao homem ou à guerra, não podem ser tomados como efeitos periféricos de algo que permaneceria como “fundo uniforme”. A história, para Veyne, não se preocupa com esta unidade intangível: o homem, a guerra, a não ser que tais noções genéricas sejam substituídas por elaborações conceituais mais complexas.”
As militâncias em seus diversos recortes e temas não são uniformes, são
acontecimentos e não se repetirão, pois cada vida é uma unicidade e uma
38 Texto: “Acontecimento e História: Pensamento de Deuleze e Problemas Epistemológicos das
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completude. Esses acontecimentos-militâncias geram as mudanças na sociedade,
na luta, na militância coletiva e individual, enfim, se dão assim na história. E o
movimento de direitos humanos se organizou naquele momento a partir do
acontecimento da luta pela anistia, redemocratização, liberdade, dentre outros, em
face do regime ditatorial.
Para Cardoso, um período da história se dá em dois movimentos interpenetráveis,
são eles:
“o aspecto molar (multiplicidade métrica) e o aspecto molecular (multiplicidade não-métrica). O primeiro deles apresenta um movimento composto por “classes ou segmentos” (macro-história); o segundo movimento é o composto por “fluxos ou massas” (micro-história)” 39
.
A militância nominada de direitos humanos que floresceu na resistência ao regime
ditatorial seria o aspecto molar e os movimentos internos de vidas de militantes
seriam o aspecto molecular. Indicado assim, cada acontecimento seria cada
militância molecular quando um fator se dá na vida e na história.
Na perspectiva da efervescência pela redemocratização do país e denúncias às
torturas e morte, no caminho dos direitos humanos após a anistia e a eleição de
Tancredo Neves, o dito acontecimento gera a
“explosão libertária com o nascimento do movimento operário no fim da década de 1970, de movimentos populares urbanos, com enorme variedade, com uma riqueza extraordinária de temática e de redes. De movimentos em defesa de minorias, das mulheres, das crianças e dos adolescentes, de movimentos anti-racistas, contra toda forma de discriminação, pelo direito das pessoas com deficiência, pelas lutas antimanicomiais e muitos outros. Em todo o País, emergem veículos da imprensa alternativa que lutam pelo direito das populações periféricas, da classe trabalhadora e pelas liberdades democráticas.” 40
O interesse é na demonstração da multiplicidade de formas de militâncias de direitos
humanos que se deram a partir de uma marcação no tempo histórico. Como diz
Cardoso:
39 Texto: “Acontecimento e História: Pensamento de Deuleze e Problemas Epistemológicos das
Ciências Humanas”, págs. 114. http://www.scielo.br/pdf/trans/v28n2/29417.pdf
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“Para Veyne, o que definitivamente individualiza um acontecimento é o fato de que ele acontece em um determinado momento. Isto significa que, mesmo considerando dois acontecimentos idênticos do ponto de vista material, eles permanecem irredutíveis do ponto de vista temporal: dois acontecimentos que se repetem identicamente são, ainda, diferentes. Segundo as palavras de Veyne, não nos interessamos por „um acontecimento por ele mesmo, fora do tempo, como uma espécie de bibelô...‟ Essa caracterização do acontecimento se dá pelo destaque da diferença temporal.
Porque a história não se repete, o fato de ela se ocupar exatamente com as variações ligadas à temporalidade é que faz dela „uma narrativa de acontecimentos‟.
[...] Além disso, a individualização do acontecimento pela dimensão temporal mostra que não existe um corte entre a história humana e a história natural.” 41
Essa junção da temporalidade, da história humana penetrada na história natural se
constitui na prática que cada vida militante. Naquele momento da ditadura se definiu
e chamou-se de militância de direitos humanos e isso não retira todas as práticas
militantes acontecidas em cada momento da história. Que se transforma e evolui. É
o que um dos entrevistados, na entrevista desse trabalho, nos diz:
“Eu sou, acho que eu nasci condenado a ser otimista. Eu sei que não é fácil mas... Direitos humanos tem que ser uma coisa nossa. A gente tem que saber lá na praça, eu sinto, direitos humanos às vezes é... É preciso conversar com eles... Então direitos humanos faz isso... É, é a ideia é que vai emergindo nas pessoas um grau de consciência. De organização pra ele mesmo se tornar independente. Eu acho que isso é uma utopia, mas essa é a utopia que nós temos pra... Eu sou gramsciano... Gramsci fala pra gente dizer: „Pessimista na hora de avaliar e otimista na ação‟. E Goethe falava: „A teoria é cinzenta e a vida é verdejante‟. De vez em quando tem uma desgraça... Tá tudo um caos, o mundo acabou. A gente tá desesperado, daí um pouquinho você vê uma criança no meio da rua rindo, né?! Você leva um susto, você começa a rir como a criança, né?! Às vezes até um passarinho passa perto cantando... Então a gente tem que ter um pouco de... Eu sei que tem que ter, tem que avaliar de maneira sempre crítica. Tem muito por fazer, mas precisa também tá examinando de
maneira, vamos dizer os avanços. Então, os Direitos Humanos tem que obrigar a gente a pensar muito...” (ENTREVISTADO 5)
41 Texto: “Acontecimento e História: Pensamento de Deuleze e Problemas Epistemológicos das