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Não obstante toda admiração, respeito e convicção da importância do pensamento de Kant, ele é o principal alvo da crítica de Schiller no que se refere à participação do prazer no cumprimento do dever. “Até aqui creio estar em total sintonia com os rigoristas da moral, mas espero não me tornar ainda latitudiano ao tentar defender as exigências da sensibilidade que são inteiramente rejeitadas no campo da razão pura e no que diz respeito à legislação moral...” (SCHILLER, SGD, 1997, p. 121).

Schiller, não somente reivindica a participação da sensibilidade nas ações humanas, como defende a ideia de que tal participação qualifica a ação moral. Deve ficar clara nossa compreensão de que Schiller abraça, na quase totalidade, o pensamento de Kant, à exceção desse ponto específico da importância da participação dos sentimentos para a ação moral.

Schiller demonstra o interesse na transformação integral do homem quando afirma que não basta a ele praticar ações éticas isolados, mas que tenha uma intenção ética em todo seu proceder.

O que Schiller nos demonstra aqui é uma perspectiva de equilíbrio e constância na ação ética, o homem não deve, eventualmente, praticar ações éticas, mas manifestar-se sempre enquanto um ser marcadamente ético. As ações praticadas por inclinação e as executadas por dever encontram-se em campos opostos no sentido objetivo, no sentido subjetivo, porém, isso não acontece. O que é combatido renova seu poder de reação, em algum momento pode reunir forças e retomar o combate, mas o que é reconciliado é apaziguado e se entrega sem reservas.

O ponto específico em que Schiller insiste em divergir de Kant é exatamente esse, enquanto Kant vê uma luta conflituosa, Schiller propõe o declínio da luta em favor de uma relação mais harmoniosa. Schiller não estaria exagerando quando vê esse radicalismo kantiano? Seria o caso de não existir conciliação, mas domínio violento sobre a sensibilidade que só se entrega sob a força coercitiva? Mesmo com toda devoção a Kant, não se pode negar que a forma do desenvolvimento da ideia de dever traz desconforto a Schiller. Nesse sentido ele revela: “Na filosofia moral kantiana, a ideia de dever é apresentada com uma dureza que assusta todas as Graças e pode facilmente induzir um fraco entendimento a procurar a perfeição moral pela via de um ascetismo sinistro e monástico.” (SCHILLER, SGD, 1997, p. 122).

Apesar da oposição a esse aspecto “duro” da filosofia moral kantiana, Schiller tenta justificar, mesmo reprovando sua atitude, as razões de Kant ter agido com tamanha radicalidade quanto à sensibilidade.

O estado em que ele foi nomeadamente encontrar a moral do seu tempo, no que diz respeito ao sistema e à prática da mesma, teve necessariamente como consequência o fato de ele se indignar, por um lado, com um materialismo tosco nos princípios morais [...] Ele dirigiu portanto a mais poderosa força dos seus fundamentos para aí onde o perigo era mais declarado e a reforma mais urgente, fazendo lei da intenção de perseguir sem tréguas a sensibilidade... (SCHILLER, SGD, 1997, p. 122).

Mesmo compreendendo o peso da influência da época em que Kant viveu e da degradação daquela sociedade provocada pelos seus excessos e descontroles, Schiller não deixou de questionar o seu radicalismo.

Pelo fato de inclinações muito impuras usurparem frequentemente o nome da virtude, deveria também por isso ser tornado suspeito o afeto altruísta no peito mais nobre? Pelo fato de o indivíduo moralmente volúvel pretender imprimir uma lassidão à lei da razão tornando-a um joguete da sua conveniência, deveria por isso ser acrescentada a essa lei uma rigidez que apenas transforma a mais vigorosa expressão de liberdade moral numa espécie mais honrosa de servidão? (SCHILLER, SGD, 1997, p. 123).

Consiste em uma boa justificativa essa precaução pelo pressuposto de que o desacerto e o desiquilíbrio por parte de alguns podem levar a condenar todos a submeterem os sentimentos ao domínio rigoroso da razão? Condenar os sentimentos como perversos, relegando-os ao silêncio, não significa um reducionismo empobrecedor da potencialidade humana?

Pois será que a pessoa verdadeiramente ética possui uma opção mais livre entre respeito e desprezo por si próprio do que o escravo dos sentidos entre

prazer e dor? Como deverão porém os sentimentos de beleza e liberdade ser compatíveis com o espírito austero de uma lei que o guia mais por receio do que por confiança, que tende a isolá-lo, a ele que a natureza contudo unificou, só assegurando o domínio sobre uma parte de seu ser ao causar desconfiança em relação à outra?[...] A razão nunca pode rejeitar como sendo indignos dela, afetos que o coração reconhece com alegria... (SCHILLER, SGD, 1997, p. 123).

Schiller pretende que a alegria e a felicidade não sejam vistas como elementos perturbadores, mas, ao contrário, elementos colaboradores da ética. Obviamente, Schiller está pensando no homem eticamente educado, aquele cuja brutalidade tenha sido atenuada pela construção de uma sensibilidade promovida pela beleza. A beleza está na manifestação livre, mas é preciso dar condições para que os indivíduos alcancem a liberdade. A mesma deve ser cultivada através da educação e da formação do caráter e da sensibilidade.

Se a natureza sensível sempre fosse apenas a parte oprimida do elemento ético, e nunca a parte colaborante, como poderia ela conceder o fogo dos seus sentimentos a um triunfo celebrado à sua custa? Como poderia ser uma participante tão empenhada na consciência própria do espírito puro, se nunca pudesse por fim associar-se a ele de maneira tão íntima que nem o entendimento analítico é capaz de separá-la dele sem exercer violência? (SCHILLER, SGD, 1997, p. 123).