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Uma mulher no alvorecer da literatura italiana

“Al nome di Gesù Cristo crocifisso e di Maria dolce” (CARTA 24, p.1490). Geralmente, Catarina começava suas missivas com essa saudação. Simplesmente é o relato da trajetória de uma mulher que busca o seu Jesus doce, Jesus amor. Seus escritos se inserem na literatura religiosa devocional do século XIV e se constituem em fonte de pesquisa de interesses histórico, literário, institucional e documental. Aqui, entendo literatura como atividade social viva e dinâmica, produtora de significados e significantes, que mostra as construções e as contradições da memória coletiva e individual.

A crítica italiana coloca, efetivamente, a literatura religiosa no patamar devocional ou num nível inferior quando comparadas a obras como o Canzoniere, de Francesco Petrarca; a Divina Commedia, de Dante Alighieri; e o Decameron, de Giovanni Boccaccio. As obras desses autores são colocadas no cânone da literatura mundial como expoentes de seus diferentes estilos, ao passo que I fioretti, que é

38 É importante ressaltar que a “[...] problemática de leigos e leigas na estrutura da Igreja, é possível dizermos que este não é um termo ausente da tradição bíblica. Leigo, que vem do grego laikós, significa aquele ou aquela que pertence ao povo ou provém dele; também pode ser alguém não oficial, civil, comum. É um adjetivo derivado de Laos, povo, um termo presente tanto no AT quanto no NT. É, portanto, aquele que pertence ao povo de Deus, herdeiro da aliança e beneficiário da promessa de salvação” (KUZMA, 2009, p.53-55).

atribuído a São Francisco de Assis39, Il conte di Matiscona e Il carbonaio di Niversa, de Jacopo Passavanti, além de Vita di Malco Monaco, de Domenico Cavalca, são consideradas como literatura menor juntamente com a da Senese.

Catarina escreveu suas obras em italiano vulgar, isto é, no dialeto da República de Siena. Na questão linguística, tanto os maiores quanto a Senese fazem uso do dialeto das suas respectivas cidades de origem. Nas suas obras e, de certa maneira, de modo geral, impõe-se o vernáculo como língua literária, haja vista o surgimento na Toscana de muitas páginas poéticas escritas em língua literária vulgar. Neste sentido, de cada comune, somente um, entre os vários dialetos locais falados, impõe-se sobre os demais até se tornar língua literária comum e língua nacional. Isso acontece ou por razões político-culturais ou porque um dos dialetos é empregado por grandes escritores que servem como modelo literário aos demais; por exemplo, o caso do italiano, que se origina do dialeto florentino. Ressalto que se deve reconhecer aos sicilianos o mérito na formação da primeira língua poética italiana, no emprego de alguns metros líricos: originais uns; outros, derivados da França ou da Provença. Aos Toscanos, cabe outro mérito, não menor, por terem enriquecido essa língua. Por fim, Dante deu-lhe admirável perfeição e variedade de vocábulos e de fraseados, imprimindo-lhe um selo indelével.

Considero relevante mencionar também um grupo de escritores que se destacou na prosa religiosa do século XIV: os freis dominicanos Jacopo Passavanti (1302-1357), da Pisa ou da Rivalto (1260-1311), Domenico Cavalca (1270-1342), Bartolomeeo da San Concordio (1262- 1347), os “Fioretti di San Francesco” e Catarina de Siena. Saliento que um dos escopos dos escritos desses autores, era a narrativa, uma vez que, muitas vezes, as classes mais humildes eram o seu público-alvo. Tais escritos caracterizam-se por serem documentos literários e registros biográficos. Tendo isso em vista, vale lembrar que, acerca da literatura e da escrita, Roger Chartier (1998, p.23) comenta o seguinte:

[...] a cultura escrita é inseparável dos gestos violentos que a reprimem. Antes mesmo que fosse reconhecido o direito do autor sobre sua obra, a primeira afirmação de sua identidade esteve ligada à censura e à interdição dos textos tidos como subversivos pelas autoridades religiosas ou políticas.

39 Sobre a questão dos movimentos laicos dentro do franciscanismo, ver o livro de: BRUNELLI, 1998.

Nesta perspectiva, pontuo que a cultura do texto escrito existe há muitos anos, e Roland Barthes colabora na compreensão dessa questão, quando expõe o seguinte:

Essa trapaça salutar, essa esquiva, [...] esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do poder, no esplendor de uma revolução permanente da linguagem, eu a chamo, quanto a mim: literatura. [...] A ciência é grosseira, a vida é sutil, e é para corrigir essa distância que a literatura nos importa. Por outro lado, o saber que ela mobiliza nunca é inteiro nem derradeiro; a literatura não diz que sabe alguma coisa, mas que sabe de alguma coisa; ou melhor: que ela sabe algo das coisas — que sabe muito sobre os homens. [...] a literatura engrena o saber no rolamento da reflexibilidade infinita: através da escritura, o saber reflete incessantemente sobre o saber, segundo um discurso que não é mais epistemológico, mas dramático. (BARTHES, 1997, pp.16, 18 e 19).

Discuto que a identidade de Catarina deixava-se antever em sua obra, cuja mensagem é messiânica. Observo, na Carta 346, endereçada a Urbano VI, o fervor da jovem com tons proféticos, quando assim se expressa:

Ora è venuto il tempo che egli vuole che per voi, suo istrumento, sostenendo le molte pene e persecuzioni, ella [chiesa] sia tutta rinovata. Di questa pena e tribolazione ella n’escirà come fanciulla purissima. [...] Siatemi uno arbore d’amore, innestato nell’arbore della vita, Cristo dolce Gesù. Di questo arbore nasca il fiore di concipere nell’affetto vostro le virtù e il frutto, partorendolo nella fame dell’onore di Dio e salute delle vostre pecorelle. (CARTA 346, p.130).

O Pontífice não a conhecia pessoalmente, mas, devido ao teor da carta em favor do papado, decidiu chamá-la para um colóquio e falar com os cardiais no final de novembro de 1378. Quanto ao conteúdo dessa conversa, nada se sabe; mais adiante, na mesma carta, Catarina continua, no entanto, a exortar o Papa e diz: “Padre, santissimo Padre, che questa Verità eterna voglia fare di voi un altro lui; e sì perché sete vicario suo Cristo in terra, e si perché nell’amaritudine e nel sostenere vuole che reformiate la dolce Sposa sua e vostra, che tanto tempo è stata tutta impallidita” (CARTA 346, p.130).

Nesse espírito de encorajamento, desejou que o Papa Urbano V não só compreendesse ser, mas fizesse, realmente, um segundo Jesus na Terra. Sua exortação foi contundente, fortalecendo o reconhecimento do papa que ocupava a Sé Apostólica, além de insistir que ele também se tornasse mais doce e amável, pois o Pontífice tinha fama de ser intransigente e colérico, além de ter comportamento arbitrário. As exortações de Catarina não foram, contudo, ratificadas pelo dirigente católico, que insistiu em manter seu caráter intransigente e teimoso. Para sugerir um caminho de compreensão da mística e da mensagem, lanço um olhar nas profundezas de uma linguagem poética composta de metáforas, mitos, ritos e símbolos, próprios ou ressignificados pela cultura40. Recorro, por isso, ao que disse Mariateresa Fumagalli Beonio Brocchieri:

Nelle lettere di Caterina dalla prima all’ultima avvertiamo una corrente impetuosa di affettività, un senso straordinario della corporeità e di quella «dolcezza del cuore» che arriva talvolta a sconvolgerla: quando il sangue del condannato da lei convertito all’amore divino e alla pace, durante l’esecuzione capitale le macchia la veste e le invade i sensi e l’anima. 2011, p.2.

E continuando na estrada da pesquisadora Brocchieri, Giovanni Papini (1937, p. 309) escreveu: “Caterina vi è ricchezza d’immagini e arte di scolpire i pensieri; la sua eloquenza s’innalza a volte così bollente e scattante che diventa poesia e par quasi che cerchi la forma del verso”. Assim, o escrito da autora permite vislumbrar uma riqueza de imagens. O linguista Giacomo Devoto, por sua vez, quando analisou as cartas de Catarina, encontrou uma variedade e uma diversidade de temas, embora tenha afirmado que existe, ao mesmo tempo, uma uniformização, unilateralidade do corpus. Ademais, pontua que

La tradizione linguistica documentada delle Lettere di Caterina da Siena si compone [...] di quattro aspetti: di una notevole letterarietà in tutta la parte dottrinale, fondata su un ritmo pacato, su un’omogenea interiorità di lessico; di una letterarietà resa meno interiore, terrena, attraverso il gioco dell’allegoria, senza che il ritmo ne risenta; di una letterarietà in molte delle parti “pratiche” delle lettere

40 O termo cultura é aqui utilizado a partir da análise de Peter Burke (1989, p.25), que a entende como “[...] um sistema de significados, atitudes e valores partilhados, e as formas simbólicas, (apresentações, artefatos) nas quais eles se expressam ou se incorporam”.

culminanti della assoluta aritmicità dei periodi saltellanti o tortuosi; di una letterarietà esaltata nei non frequenti e pisodi di estasi, il cui grido della immedesimazione con Dio è tradotto in periodi fortemente scanditi, affannosi, rigidamente sottomessi alla parola mistica. (DEVOTO, 1950, p.244).

Devoto, encontrou, nas cartas de Catarina, o ímpeto da pregação que harmoniza e dá um caráter literário às missivas. A Carta 112, escrita à Condessa Banedetta, filha de Giovanni d’Agnolino de’ Salibeni, da cidade de Siena, demonstra a relação e a necessidade de exortar:

Col sangue suo ci tolse la servitudine del peccato, ed hacci fatti liberi, traendoci dalla signoria del dimonio, che ci possedeva come suoi. Il sangue, ancora, ci ha fatti forti, e hacci messi in possessione di vita eterna; perocché e’ chiovi ci son fatte chiavi che hanno disserrata la porta, che stava chiusa per lo peccato che era commesso. Questo dolce Verbo, salendo a cavallo in sul legno della Santissima Croce, come vero cavaliere, ha sconfitti e’ nemici, e ha messi noi in possessione della vita durabile, sì e per siffatto modo che né demonio né creatura ce la può tollere se noi non volliamo. Adunque bene è dolce questa servitudine; e senza questa servitudine non possiamo participare la divina Grazia. E però dissi che io desideravo di vederti serva e sposa di Cristo crocifisso. (CARTA 112, p.561-562).

O outro elemento que se observa é a imagem da lâmpada, como símbolo de prudência, no viver das mulheres consagradas, é retomada na carta endereçada à sua sobrinha Monna Benincasa, que foi monja beneditina:

Ma pensa, figliuola mia, che questo non basterebbe, se non ci fosse l'olio dentro. Per l'olio s’intende quella dolce virtù piccola della profonda umilità: perché si conviene che la sposa di Cristo sia umile mansueta e paziente; e tanto sarà umile quanto paziente, e tanto paziente quanto umile. Ma a questa virtù dell'umilità non potremo venire se non per vero conoscimento di noi medesimi, cioè conoscendo la miseria e fragilità nostra, e che noi per noi medesimi non possiamo alcun atto virtuoso, né levarci neuna battaglia o pena: perocché se noi abbiamo la infermità corporale, o una pena o battaglia mentale,

noi ce la possiamo levare o tollere; perocché, se noi potessimo, subito la leveremmo via. Dunque bene è vero che noi per noi non siamo nulla altro che obrobio, miseria, puzza, fragilità, e peccati: per la quale cosa sempre dobbiamo star bassi e umili. (CARTA 23, p.814).

Observando a conexão dada nas cartas anteriormente reproduzidas, construo uma metáfora: como o azeite da humildade, Catarina se faz óleo, pois purifica, ajuda a queimar o obrobrio, miseria, puzza, fragilità e peccati. É interessante destacar que, por vezes, a Senese escrevia de modo abduzido, extático, visionário, a partir das suas experiências pessoais, dentro da vivência da religião católica, isto é, na sua imanência e na transcendência.

O seu epistolário põe em relevo o seu pensamento, magistério, ensinamento e papel profético. E, nesse contexto, Catarina ama

[...] quello che Dio più ama: ciò sono i dolci fratelli nostri. E levasi con tanto desiderio e concepe tanto amore, che volentieri darebbe la vita per la salute loro, e per restituirli alla vita di Grazia. Sicché diventano mangiatori e gustatori dell’anime; e fanno come l’aquila che sempre ragguarda la rota del sole e va in alto: e poi ragguarda la terra, e prendendo il cibo, del quale si debbe notricare, il mangia in alto. Così fa la creatura: cioè, che ragguarda in alto, dove è il sole del divino amore; e ragguarda poi verso la terra, cioè verso l’umanità del Verbo incarnato del Figliuolo di Dio: e ragguardando in quello Verbo e Umanità tratta dal ventre dolce di Maria, vede in su questa mensa il cibo e mangialo; e non solamente nella terra, nella quale ella ha preso dell’umanità di Cristo, ma levasi su in alto col cibo in bocca; e levatasi su, entra nell’anima consumata e arsa dell’amore del Figliuolo di Dio. (CARTA 134, p.1293).

Percebe-se que Catarina dá a mesma visibilidade a si mesma quanto ao outro, num entrelaçar do tecer e destecer, em uma correspondência endereçada à intemporalidade da amizade. Enfatizo que amizade em si não pede nada em troca do que dá, somente é. Mostra-se desinteressada, pois o outro é completo e não precisa que o amigo saia de si para completar seu horizonte e vice-versa. A passagem descrita parece combinar com o Mito da Caverna, de Platão, no livro VII de A República, em que há uma explicação de como funciona a ação de sair e

ir ao encontro do outro: a pessoa que vai ao encontro e a outra que a recebe sofrem/ vivenciam uma modificação, pois não são mais as mesmas. Deste modo,

[...] o mundo que a vista nos revela à morada da prisão e a luz do fogo que a ilumina ao poder do sol. No que se refere à subida à região superior e à contemplação de seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma ao lugar inteligível, não te enganarás sobre o meu pensamento, posto que também desejas conhecê-lo. Deus sabe se ele é verdadeiro. Quanto a mim, tal é minha opinião: no mundo inteligível, a idéia do bem é percebida por último e a custo, mas não se pode percebê-la sem concluir que é a causa de tudo quanto há de direito e belo em todas as coisas; que ela engendrou, no mundo visível, a luz e o soberano da luz; que, no mundo inteligível, ela própria é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e que é preciso vê-la para conduzir-se com sabedoria na vida particular e na vida pública. (PLATÃO, 2010, p.266-267).

Sai da escuridão, do subterrâneo para a luz. Nessa metáfora da condição humana, o que vejo é a concretude do fato de a consciência abranger os duplos campos: o das coisas sensíveis e o do domínio das ideias. Aconteceu com Catarina de Siena quando viu Cristo rodeado por alguns de seus apóstolos, uma vez que saiu deste mundo sensível para o mundo das ideias. Saiu, portanto, da transitória “passageiridade”, isto é, do efêmero para o mundo real.

Antes de prosseguir com essas reflexões, julgo necessário tecer alguns comentários acerca do termo transitoriedade. Esse termo tem sido largamente empregado no contexto pós-moderno em que a vivência, as situações que se apresentam, sejam elas positivas ou de aprendizado, servem para refletir a coerência da vida na qual se encontra. Assim, a certeza da fragilidade, a incerteza das coisas e o renovado interesse pelas religiões devem-se não somente à desorientação produzida pela suposta crise dos valores tradicionais ― religião, família, e Estado ―, mas também à nova abordagem inserida na pós-modernidade. Alguns autores têm abordado, efetivamente, essa questão, como Zymunt Bauman, que fala de “modernidade líquida”, resumida na solidez que está na liquidez e na “passageiridade” das coisas, fornecedora de uma experiência religiosa-pessoal. Anthony Giddens, Bech e Lash falam em

“modernidade na modernidade”, que seria o período da “modernização reflexiva”, que tem consciência de si.

Dado o exposto, para o contexto da Benincasa, afirmo que a abertura do coração dela para a transcendência se fez segundo uma regra bem dura: modificar o seu pensar, o seu próprio corpo, subir a escada infindável do próprio ser a fim de conseguir a luminosidade. Desligou- se, por certo, de todo o desejo pessoal que é um nó aprisionador, mas não renunciou a nada neste mundo, somente ao seu apego ao mundo. O sofrimento se fez necessário para conhecer a verdade, como é preciso levar o ouro ao máximo grau de temperatura e esfriá-lo para que transpareça a sua pureza. Assim, na Carta 192, Catarina exortou um filho espiritual, Neri Pagliaresi, à aquisição de virtudes, conforme se observa no excerto a seguir:

Carissimo e dolcissimo figliuolo in Cristo dolce Gesù. Io Catarina, serva e schiava de' servi di Gesù Cristo, scrivo a te nel prezioso sangue suo, con desiderio di vederti sempre crescere di virtù in virtù; infine che io ti vegga tornare al mare pacifico dove tu non arai mai dubitazione d'essere separato da Dio. Però che la puzza della legge perversa che impugna contra allo spirito sarà rimasa alla terra e averàle renduto il debito suo.Voglio, dolcissimo figliuolo, che, mentre che vivi in questa vita, tu t'ingegni di vivere morto ad ogni propria voluntà: e con essa morte acquisterai le virtù. Per questo modo vivendo, dara a terra la legge della perversa voluntà. E così non dubiterai che Dio permetta in te quello che permise in quell’altro; né averai pena, perché per spazio di tempo l'umanità tua sia separata da me e dall'altra congregazione. Confòrtati; e stiati a mente quello che disse la Verità, cioè che delle sue mani non ne sarebbe tolto veruno. Dico, delle sue mani, perché ogni cosa è sua. E io so che tu m'intendi senza molte parole. (CARTA 192, p.705).

Nessa exortação, a escritora fez um paralelo com aquele que precisa seguir a via justa do Senhor e chamou a atenção dizendo: “quello che permise in quello’altro” (CARTA 192, p.705). Suponho que, provavelmente, ela tenha se referido a algum candidato à vida religiosa dominicana que havia desistido de sua vocação. Para o filósofo italiano Giovanni Reale, o texto comenta a questão da virtude, “[...] Na prática, porém, a vontade adquire mais importância do conhecimento, e a exortação moral torna-se um apelo à força de vontade [...]” (1994, p.78-

79). Isso me remete à Carta 99, uma vez que o próprio Pagliaresi pede para ser admitido na família de Catarina e afirma que

[...] non me ne maraviglio; però che sono conformati e transformati con la somma eterna Verità e Bontà di Dio, dove si contiene ogni bene, dove s'adempiono i veri e santi desiderii. Adunque bene è da seguitarlo, e al tutto levarsi via e tagliarvi da questa tenebrosa vita. Il coltello dell'odio e dispiacimento di voi, e l'amore puro di Dio ve ne taglierà. Dicovi, figliuolo mio carissimo, che questo coltello e dispiacimento non potreste avere senza la continua memoria di Dio, singolarmente dell'abondanzia del sangue del Figliuolo di Dio, che ve ne ha fatto bagno, svenando e aprendo sé medesimo con tanto fuoco e ardentissimo amore in sul legno della santa Croce. (CARTA 99, p.696).

A exortação supracitada mostra as maravilhas e as armas que devem ser tomadas para alcançar a “abondanzia del sangue del Figliuolo di Dio” (CARTA 99, p.695). Para conseguir a elevação é preciso passar pela razão, mas é necessário que a revelação seja desvelada mediante a fé. Parte-se da fé para chegar à inteligência, mas pode-se chegar à Inteligência Suprema mediante a percepção sensível, tendo uma atividade interior por meio da meditação e do recolhimento. Assim, Patrício Sciadini, ao comentar os êxtases de Santa Teresa d’Avila (1515- 1582), dois séculos mais tarde que Catarina, afirma que a santa espanhola concebe a vida spiritual:

[...] como uma viagem ao interior, é um desenvolvimento constante da ‘capacidade’ de relacionamento pessoal com Deus, explicitação e atuação dessa capacidade, até chegar a ser relação, de acolhida e de doação no mais profundo centro, quando já nada fica fora dessa relação, e se culminou a ‘volta’ ao paraíso das relações interpessoais com Deus. E assim chega a ser ‘membro’ em plenitude de graça das relações que constituem o ser de nosso Deus. (SCIADINI, 2000, p.459).

O pesquisador Sciadini comentando sobre Teresa, ele aproxima- se, com efeito, da Benincasa, pois ela, não foi excluída desse modelo, isto é, do amor incondicional, a entrega total de si e o desprendimento das coisas terrenas. Se a iluminação não é uma escolha própria do ser humano e sim um chamado, como um ímã, Catarina foi, então,

fecundada de maneira excepcional. Lé disso, pelas flagelações que se autoaplicava ou pelo silêncio que se autoimpunha, pelas repetidas preces, pela recusa em se alimentar, pela busca da solidão, por todas as suas práticas ainda desajeitadas de ascese, ela manifestava o pressentimento de sua vocação, em que a levitação parecia constituir uma manifestação costumeira. De fato, escreveu frei Raimundo: “[...]

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