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ele tocava o bandolim lá. Aí você ia ver um violão, um instrumento, violão de sete cordas, lá eu fui apresentado a eles, ao bandolim, ao cavaquinho, que eu já conhecia do samba, mas no choro é uma outra levada...O Evandro era mais acessível, e ele acompanhava até enterro. Vinha qualquer músico do Rio, quem que chama? Evandro e seu regional. Tudo o que acontecia em São Paulo ele acompanhava, porque era um conjunto mais disponível, quase profissional. Ele trabalhava de dia na Del Vecchio vendendo instrumentos, mas tinha o conjunto dele que era bate-pronto. Ele estava sempre disponível (VITTA, 2008).

Colibri usa de ironia quando afirma que Evandro acompanhava até enterros. Porém, o fato é que o seu regional possuía mais visibilidade que os demais grupos existentes na cidade exatamente porque não evitava essa exposição. Ainda assim, era uma visibilidade limitada, não chegava aos meios de comunicação e ao público em geral. O Regional do Evandro foi uma exceção dentro do panorama paulistano. Os demais grupos continuavam seus encontros de forma muito semelhante à do Atlântico: reuniões na casa de um dos músicos, nas horas vagas, e integrantes que não tinham a música como profissão principal.

1.3. Uma nova era do Choro no Brasil e em São Paulo: o ‘Renascimento’.

Na segunda metade da década de 1970 ocorreu o chamado ‘boom’ do choro30: a indústria relançou muitos Lps que estavam fora de catálogo, diversos grupos antigos voltaram a ter visibilidade na mídia e muitos outros surgiram, animados com a valorização do gênero. Essa súbita visibilidade poderia fazer crer que o choro ressurgira das sombras como por milagre, e que os chorões da época estavam dispersos ou inativos. Essa é uma noção totalmente equivocada: o choro talvez estivesse no ostracismo nessa época, mas não estava morto, não era uma manifestação cultural extinta.

30 O nome ‘boom’ do choro foi uma expressão criada pela imprensa para designar o movimento, que

surgiu na primeira metade da década de 1970, inicialmente no Rio de Janeiro, e que tinha por objetivo a popularização desse gênero. Alguns jornalistas também denominaram o movimento de ‘choromania’.

O movimento de revitalização do choro começou no Rio de Janeiro, e uma das principais figuras envolvidas foi o músico Paulinho da Viola31, que posteriormente seria o ‘padrinho’ do Clube do Choro de São Paulo. No ano de 1973 Paulinho lançou um espetáculo chamado Sarau, onde homenageava Jacob do Bandolim. A intenção do espetáculo era mostrar a música carioca tradicional, nesse caso específico o choro, às gerações mais novas, criando uma ponte entre esses dois mundos aparentemente separados. Participaram do espetáculo o conjunto Época de Ouro (criado por Jacob) e os novatos Galo Preto, Os Carioquinhas e a Camerata Carioca, de Radamés Gnattali. Paulinho não pretendia ressuscitar o choro, uma vez que ele não havia morrido, estava apenas escondido da grande mídia.

O sucesso do espetáculo foi tão grande que Paulinho resolveu lançar também um disco. O nome do LP foi Memórias 2 – Chorando. O músico havia lançado anteriormente o disco Memórias 1 – Cantando, onde homenageava a música vocal carioca (MÁXIMO, 2002). Em Memórias 2- Chorando o clima de uma autêntica roda de choro foi recriado em estúdio. Apesar da participação de grandes músicos, tais como César Faria (pai de Paulinho), Copinha32 e o pianista e arranjador Cristóvão Bastos, não houve solista principal, todos participaram de forma igualitária, improvisando e tocando juntos. Ninguém ficou ‘nas sombras’. O repertório dividiu-se em choros tradicionais de Pixinguinha e Ary Barroso e algumas inéditas de Paulinho. O resultado lembra bem uma roda de choro tradicional e foi muito bem recebido pelo público. Disco e show divulgaram enormemente o choro, uma vez que Paulinho já contava com um espaço consolidado nas mídias.

Outro acontecimento importante para a revitalização do gênero foi a criação do programa ‘O Choro das Sextas-Feiras’ na TV Cultura, apresentado pelo jornalista Julio Lerner, que convidava toda semana um intérprete diferente para tocar choro. Foram gravados ao todo 103 programas, que foram ao ar de outubro de 1974 a janeiro de 1976.

31 Paulo César Batista de Faria, nascido no Rio de Janeiro, RJ, em 12/11/1942. Filho de César Faria,

integrante do conjunto Época de Ouro, desde muito cedo se interessou pelo violão e cavaquinho. Compositor de sambas de sucesso, aproveitou a exposição que possuía na mídia para divulgar o choro na década de 1970. Por esse motivo é considerado o padrinho do Clube do Choro de São Paulo e seu sócio no 1.

32 Nicolino Cópia, nascido em São Paulo, em 03/03/1910, falecido em 04/03/1984. Tocou flauta,

saxofone e clarinete, instrumento com o qual se tornou famoso. Integrou diversas orquestras de rádio e atuou ao lado de músicos como Pixinguinha, Francisco Alves e Carmen Miranda. De 1946 a 1959 teve sua própria orquestra, na qual era o arranjador e regente. Atuou também ao lado dos músicos da Bossa Nova e de cantores da Tropicália (Caetano Veloso e Gilberto Gil) e da Jovem Guarda (Roberto Carlos). Ver Enciclopédia da Música Brasileira: Erudita, folclórica e popular.São Paulo: Art Ed., 1977, p. 201.

O conjunto residente do programa era o Atlântico, descoberto por Julio Lerner e pelo crítico José Ramos Tinhorão um ano antes, em suas rodas da Av. Rudge. Conjunto residente era o conjunto encarregado de tocar em todos os programas e acompanhar os solistas convidados.

Quando o ‘Choro das Sextas-Feiras’ foi ao ar, o ‘Atlântico’ já realizava estas reuniões semanais há mais de vinte e três anos (ALMEIDA, 2007), com total desconhecimento da mídia e do público em geral. O programa era transmitido em rede nacional, e aos poucos foi conquistando público e espaço para os chorões que estavam no esquecimento. Um dos músicos redescobertos pelo programa foi o flautista Altamiro Carrilho, que apesar de muito famoso, declarou ao jornal Notícias Populares de 24 de julho de 1977 que seu campo de trabalho estava cada dia mais restrito e que ‘o choro está renascendo em São Paulo através do Conjunto Atlântico’. O ‘Choro das Sextas- Feiras’ fez com que o gênero conquistasse espaço na mídia mais importante para o público da época, a televisão. Isso levou os chorões antigos a revalorizarem seu trabalho e terem vontade de ser reconhecidos por ele. A partir daí, passaram a se organizar.

Outro fato importante foi o ‘Projeto Pixinguinha’, um projeto da Funarte criado em 1977, que pretendia fazer com que o Brasil conhecesse suas manifestações culturais mais tradicionais. Foram realizadas diversas turnês com grupos de música brasileira por todo o país, divulgando os gênero eleitos como símbolos da identidade brasileira, entre eles o choro. O ‘Atlântico’ foi o primeiro grupo a participar do projeto, tocando por todo o interior de São Paulo e também em outros estados. Essa turnê provocou a divisão do conjunto. Alguns integrantes não podiam deixar suas profissões e excursionar, enquanto outra parte do grupo se entusiasmou muito com a idéia de divulgar nacionalmente sua música. O resultado foi a divisão do grupo, que se tornou ‘Atlântico’, liderado por Antonio D’Auria e que participou do projeto, e ‘Isaías e seus Chorões’, liderado por Isaías do Bandolim e que permaneceu em São Paulo. Apesar de ter dividido um grupo que estava junto há mais de vinte anos, o ‘Projeto Pixinguinha’ ajudou a divulgar o choro por todo o país, arrebanhando novos adeptos para o gênero.

O primeiro indício de que os chorões estavam se reorganizando nacionalmente foi a criação do Clube do Choro do Rio de Janeiro, em Julho de 1975. Os membros fundadores foram Sérgio Cabral, crítico musical; Mozart de Araújo, musicólogo; e os músicos Paulinho da Viola, Copinha, Abel Ferreira, Altamiro Carrilho, César Faria e Dino, entre outros. Conforme nos informa o texto O Clube do Choro, de Juarez Barroso para o Jornal do Brasil de 07 de Julho de 1975, o clube do Rio de Janeiro surgiu sem

estatuto e sem sede própria, fazendo suas reuniões “aproveitando a noite livre de uma de nossas chamadas casas noturnas”. O objetivo primeiro dessas reuniões seria tocar. O artigo diz também que a criação do clube ajudaria a ‘nova geração’ de músicos interessados no choro a aprender mais sobre o gênero, mas não especifica como esse aprendizado se daria. Enfim, mostra apenas uma idéia que estava tomando forma, pois o Clube não tinha sede, estatuto, presidência ou propostas concretas. Em diversas outras cidades brasileiras foram formados clubes de choro, entre elas Salvador, Recife, Belo Horizonte e Distrito Federal, mais especificamente em Brasília. O Clube do Choro de Brasília é o único que permanece ativo até os dias de hoje.

Animadas com o sucesso repentino do choro, as gravadoras passaram a lançar e relançar discos de Altamiro Carrilho, Carlos Poyares, Ademilde Fonseca, Jacob do Bandolim, Copinha, Abel Ferreira, Pixinguinha e outros intérpretes do gênero. Alguns autores, tais como o crítico Dirceu Soares, denominaram a época de ‘Choromania’, isto é, uma moda criada pela mídia para vender discos que não teria duração muito grande. A má-vontade deste crítico para com o choro é evidente em tudo que ele escreve. Demonstra a idéia que muitos ainda tinham sobre o gênero: música de gente velha, ultrapassada, sem idéias novas ou possibilidade de renovação. Apesar das vozes contrárias, o choro saiu das ‘sombras’ na segunda metade da década de 70. Conquistou espaço e também a admiração do público jovem, que passou a assistir shows e comprar LPs.

Não se pode falar em renascimento, uma vez que o gênero não estava morto, apenas não era visível nas mídias populares. O violonista Francisco Araújo33, em entrevista concedida para esse trabalho resume a retomada do choro na segunda metade da década de 1970:

Ele trouxe a juventude, as pessoas jovens para se interessar pelo Choro. Realmente foi um renascimento, uma retomada de um gênero musical. O Choro na realidade não renasce: ele agoniza, mas não morre, ele teve uma história. Já existia uma história, uma cultura e uma tradição. O Choro apenas retorna ao lugar que ele sempre teve, que ele sempre ocupou (ARAÚJO, 2007).

33 Violonista nascido em 12/04/1954, em Lavras de Mangabeira, Ceará. Foi aluno de Aymoré. Em 1977

venceu o Primeiro Concurso de Composição para Violão da Faculdade Palestrina de Porto Alegre. Em 1985 representou o Brasil em Santiago de Compostela, na Espanha, em um concurso criado por Andrés Segóvia. Tem dois CDs gravados, é professor de História e atualmente finaliza seu primeiro livro, intitulado Violão: uma História Brasileira. A previsão de lançamento é dezembro de 2009.

A jornalista Margarida Autran Dourado, em seu artigo Renascimento e

Descaracterização do Choro relata que o gênero retornou mais ‘cultural do que popular’, isto é, retornou de forma artificial, como um fenômeno de alta cultura ao invés de uma manifestação genuína do povo. A autora diz que a idéia dessa revitalização partiu originalmente de intelectuais interessados na preservação da memória brasileira e não dos chorões. Diz ainda que esse ‘renascimento’ estava incluído num plano cultural do governo militar, que objetivava a conquista de uma base sólida de sustentação entre a classe média, principal consumidora dos produtos culturais na época. Essa conquista se daria com o resgate dos gêneros mais populares da música, entre eles, o choro (DOURADO, 2005).

Durante a segunda metade da década de 1970, o gênero foi a grande estrela da música instrumental brasileira. Esse fenômeno configurou, para Dourado, uma descaracterização do choro, uma vez que o gênero nasceu intimista e acabou alçado ao patamar de cultura de massa, sendo tocado em teatros, ginásios de esportes, no rádio e em trilha sonora de novelas. Para o empresário Marcus Pereira34, o choro, ainda que manifestação genuína, não escapou da voracidade do mercado. Em declaração ao jornal

O Globo de 27 de outubro de 1977, ele diz:

Quanto à explosão do Choro, que vem alimentando as gravadoras multinacionais, é simples explicar. No mundo em que a gente vive, comida, saúde e educação são negócio. Por que a cultura estaria a salvo? É um negócio para as grandes empresas e não tenho dúvidas de que vai ser explorado assim. É uma visão realista do mundo em que vivemos. O resto é ingenuidade.

O ‘boom’ do choro foi considerado uma moda passageira por diversos críticos, tais como Margarida Autran e Dirceu Soares. Acreditamos que ele surgiu da vontade genuína de músicos e intelectuais de resgatar a música brasileira tradicional, preocupados com a perda de nossas raízes e com a invasão da música estrangeira, entre eles o compositor Paulinho da Viola, o musicólogo Mozart de Araújo e o crítico e produtor Sergio Cabral. A grande aceitação do choro entre o público jovem também dá pistas da insatisfação desse público com o panorama musical da época. A apropriação

34 Empresário, fundou um selo de gravação com seu nome, a Marcus Pereira Records. O objetivo dessa

gravadora era mostrar aos brasileiros a diversidade da música de nosso país. Para isso, Pereira organizou uma grande pesquisa musical em todas as regiões do país. Seus pesquisadores registraram manifestações musicais de todos os tipos, e dessas pesquisas nasceram discos que são considerados por muitos como um retrato musical do Brasil. Com seu suicídio em 1981, o acervo da gravadora foi arquivado e hoje em dia os discos encontram-se fora de catálogo.

do choro pela indústria cultural e sua transformação em ‘moda’ se deu em uma fase posterior a 1975/76, e levou à exaustão do gênero. Ainda que negativa, a super exposição do choro no final da década de 1970 fez com que ele fosse relembrado e conquistasse espaço na mídia. Esse espaço, apesar de não muito grande, permanece até os dias de hoje, através de programas como Ensaio e Sr. Brasil, ambos da Tv Cultura de São Paulo.