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4. UMA BREVE HISTÓRIA DA TELEVISÃO E DO PRODUTOR EM

7.1. A Produção de Ficção Multiplataforma RTP Lab

7.1.1. Uma Nova Lógica de Produção e Consumo

Como já foi observado, a televisão sofreu transformações ao longo do tempo que marcaram a forma como vemos este dispositivo e pensamos sobre ele. De uma televisão pública, marcada pela raridade de oferta, com um forte cariz pedagógico e de convívio, passámos para a televisão da multiplicidade de oferta, onde a individualidade vinga cada vez mais. As produções RTP Lab inserem-se então no panorama de uma nova configuração de televisão, sugerida por diversos autores.

Verón fala-nos do fim da televisão de grande público (2009:17), mas isso não significa o fim da televisão, se a mesma for vista como um conjunto de práticas de produção e interpretação de textualidades audiovisuais (Scolari, 2009:199). Na verdade, se for esta a aceção de televisão, estamos perante um renascimento da televisão com as produções RTP Lab, marcadas por um novo tipo de consumo televisivo, caraterizado pela “receção fragmentada, ubíqua e assíncrona da hipertelevisão” (Scolari,2006:13).

A RTP Lab alicerça-se na criação de conteúdos ficcionais multiplataforma, possibilitados pela convergência tecnológica, onde os utilizadores individuais têm um controlo sem precedentes sobre o que veem e ouvem na chamada televisão do ‘egocasting’ (Rosen,2005:67). A RTP Lab identifica-se assim com a visão de “televisão do eu”, de Cardoso e Quintanilha (2013:11-12), isto é, uma televisão mais diversificada em conteúdos e individualizada nas escolhas. As produções RTP Lab permitem ao indivíduo escolher o que quer ver, quando quer ver e em que plataforma quiser, um

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conteúdo que leva o indivíduo a ser “dono do que produz e senhor do que vê” (Loureiro, 2008:327), porque o conteúdo é pensado na lógica multiplataforma.

Na RTP Lab as produções são feitas a pensar na nova forma de consumir televisão, ao contrário do restante conteúdo ficcional e de entretenimento da RTP, que é posteriormente colocado na RTP Play. A RTP Lab prova que o conteúdo deixou de ser sinónimo de programa de televisão e programação, para passar a incluir novas sequências de imagem e som, fornecidas por serviços interativos, que as multiplataformas da Nova Televisão possibilitam (Moran,2007:292-293).

O projeto RTP Lab coaduna-se com a visão de uma nova configuração de televisão que vários autores têm, seja ela apelidada como hipertelevisão, egocasting ou Nova Televisão e mostra que a televisão está muito longe do seu fim.

A RTP Lab está atenta ao mercado dos formatos, possibilitados pela Nova Televisão, que faz que com que os conceitos dos programas sejam adaptados de território em território e que tenham sucesso em larga escala (Chalaby, 2012:1;Moran:2007). Os novos formatos multiplataforma da RTP Lab também têm como objetivo a expansão internacional, por duas razões: para colocar as produções portuguesas e a RTP na vanguarda das produções digitais no mundo, mas sobretudo, para capitalizar benefícios para os novos produtores, dando-lhes mais oportunidades do que aquelas que a RTP Multimédia pode oferecer.

A presença em festivais de formatos é uma das conquistas da RTP Lab, que prova que os programas foram “conscientemente criados com a intenção deliberada de conseguir uma adaptação internacional” (Moran,2007). A série Amnésia foi nomeada para o Format Awards, na categoria melhor formato multiplataforma, onde estavam nomeados nesta categoria os formatos britânicos Vlogglebox (Channel4) e Celebrity Showmance (ITV), os suecos The Cabin (TV4 Play) e Eighteen (ITV Global) e ainda o concurso interativo belga Control P (TNFP).

Os Format Awards são uma coprodução da revista inglesa C21Media, da FRAPA (Federação Internacional de Formatos Televisivos) e do MIPTV e foram apresentados dia 7 de abril em Cannes. A nomeação para estes prémios mostra que a RTP Lab é uma aposta ganha, no sentido que revolucionou a forma de contar histórias com um bom formato multiplataforma que mereceu a distinção internacional.

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Também a série Appaixonados teve destaque no mercado internacional. Na última edição do MIPTV, o maior mercado europeu de conteúdos audiovisuais, a série Appaixonados foi um dos destaques da conferência Fresh TV. O projeto digital chamou a atenção da comunidade internacional ao ser apresentada como uma das principais tendências de ficção, pelas suas caraterísticas interativas que permitiam no final de cada episódio, o utilizador escolher com quem a personagem se devia encontrar, através de uma aplicação (MIP Markets, 2018).

A RTP Multimédia submeteu ainda os projetos RTP Lab ao Prix Itália e foi convidada para fazer parte do júri. O projeto Appaixonados ganhou efetivamente o Prix Itália, na categoria Web Entertainment, no passado mês de setembro.

Para a RTP Multimédia é muito importante que a RTP Lab e os projetos ganhem a maior relevância possível. Um dos caminhos a percorrer para esse objetivo são os festivais. Durante o estágio, uma das minhas tarefas foi procurar os festivais onde as séries RTP Lab pudessem participar, assim como os requisitos e regras para concorrer. Com a realização dessa tarefa, dei-me conta que existem muitos festivais para webséries e que existe um mercado em expansão para este tipo de festivais.

O formato é entendido como um conjunto de elementos invariáveis num programa cujos elementos variáveis são produzidos localmente (Moran, 2007:295). O formato da série multiplataforma Amnésia vai ver mesmo essa adaptação acontecer no mercado dos Estados Unidos da América e do Canadá. A Amnésia, produzida pela BeActive Entertainment e a RTP Lab, foi licenciada à empresa norte-americana Keshet Digital Studios. Esta venda de formato só foi possível com os esforços da RTP Multimédia e da produtora, em colocar o formato no mercado internacional e demonstra a importância que os formatos adquirem no mercado audiovisual atual, sobretudo os formatos multiplataforma, que representam inovação e atraem novos públicos para as estações televisivas.

Por fim, as produções RTP Lab, como formatos multiplataforma, disponíveis em plataformas digitais como a RTP Play, Youtube, aplicações móveis e Instagram, vêm romper com a lógica de grelha de programação como “fluxo contínuo de televisão”, proposta por Williams (1975:89). Nesta nova lógica de consumo voltamos à conceção de programação como programas descontínuos e singulares.

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Porém, a programação continua a ser “um lugar de construção de um discurso global associando diferentes componentes” (Lochard; Boyer, 1995:95), se pensarmos os projetos RTP Lab como um conjunto de discursos narrativos singulares, mas que têm caraterísticas comuns, como o recurso às multiplataformas e o uso de uma linguagem que atrai um público jovem.

Rizza (1990), Cebrián (1998), Cortés (1999), salientam que a programação, na era da concorrência é uma estratégia para maximizar a audiência. Enquanto Mehl (1992) distingue dois tipos de programação, a programação federativa, que pretende a maximização de audiências e a programação compósita que procura atingir um público- alvo através de diversidade de oferta. O que as produções RTP Lab vieram trazer foi uma nova lógica de programação, descontínua e diversificada, que se aproxima de um público- alvo jovem e, portanto, está mais perto da programação compósita do que da federativa.

Agora que o projeto RTP Lab já foi analisado segundo uma nova lógica de consumo, da Nova Televisão, de revolução de formatos e de uma nova lógica de programação, partimos para a análise dos processos produtivos que o constituem, começando por analisar o começo do processo, na fase de seleção dos projetos, passando posteriormente para a análise das produções propriamente ditas.

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