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Capítulo 4 A conquista do novo lugar: da euforia à saudade

4.1. Uma luta organizada: resultados práticos

Na primeira proposta da CEMIG, o projeto para a cidade nova partiu da idéia de manter a rua principal - traço típico das pequenas cidades do interior mineiro. Essa rua seria transformada em avenida e atravessaria a cidade como seu eixo de circulação, como uma "coluna vertebral” , concentrando os equipamentos de uso coletivo e formando o que seria a "região central"134. Outra idéia que norteava o projeto era a unificação da cidade, que sempre foi cortada pelo rio Araguari e dividida em duas partes de identidades fortemente definidas. A proposta era construir uma nova cidade com aproximadamente 1800 lotes, incluindo os 76 lotes industriais. Esperava-se que os lotes industriais atraíssem os microempresários da região. Toda a cidade seria atendida com redes de eletricidade, água, esgotos, captação das águas

pluviais, telefonia e contaria com seu total de ruas asfaltadas. Serviços que não eram oferecidos a todos os moradores da velha Nova Ponte. Relata Pe. Júnior: "Nós estávamos vendo que a cidade não ia sair de forma alguma. A questão estava difícil, a viabilização da discussão sobre o que nós gostaríamos para a cidade nova estava difícil. Queríamos as edificações públicas, as casas, tudo o que existia na cidade antiga, mas queríamos melhores. Quando já tínhamos o terreno, onde seria a cidade, queríamos um projeto que mostrasse como essa nova cidade seria”.

Em 27 de outubro de 1986, a CEMIG submeteu à aprovação da Prefeitura e da Câmara Municipal, o estudo de relocação urbana da nova cidade. Uma maquete135 desse projeto foi apresentada à população de Nova Ponte. A idéia era de que através da maquete a população pudesse compreender melhor como seria a cidade a ser construída. (Figura. 40).

A população através da AMNP negociou com a CEMIG, junto à Prefeitura e a Câmara Municipal, na tentativa de manter a mesma estrutura dos bairros da velha cidade, tentaram manter os antigos moradores em seus respectivos bairros e com a mesma vizinhança, além de tentar manter nos mesmos bairros os comércios de natureza local, unidades escolares, postos de saúde, igrejas, em uma área que poderia ser percorrida a pé. Também foi exigida a construção de um campo de futebol. A opinião dessa população, sobre a primeira proposta apresentada pela CEMIG, foi expressa através de carta, datada de 29 de maio de 1987.

A CEMIG construiu o campo de futebol e um clube social. Também foram acrescidas, além da avenida principal com 14m de pista asfaltada, com calçadas laterais de 4m e canteiro central arborizado e iluminado, mais duas avenidas, também com 14m de pista asfaltada. No projeto final aprovado a cidade contou com seis avenidas e 23 ruas asfaltadas, com dimensões variadas que atenderiam as necessidades segundo as áreas onde forem implantadas. A aprovação desse projeto foi condicionada às alterações e acréscimos, atendendo as solicitações da referida carta elaborada pela

população. Segundo Ivan da Costa, arquiteto da CEMIG: "Eles voltaram as coisas para os lugares originais, quiseram manter a mesma estrutura dos bairros".

A população luta para a construção de uma cidade ideal. Na nova cidade não haveria ninguém fora da escola ou sem moradia, onde todos teriam o direito a uma casa "padrão" - com quarto, sala, cozinha e banheiro. Também, receberiam casa as pessoas que não tivessem a posse da terra e as que pagavam aluguel, principalmente a população que morava em "meia-água" - barracos construídos em área da prefeitura ou na beira de córregos próximos, edificados em alvenaria, plástico ou lata de óleo batida e compostos de um ou dois cômodos, sem qualquer infra-estrutura. Relata o Pe. Júnior: "Na época, foi grande a discussão sobre as pessoas que não tinham moradia, viviam de aluguel ou naquelas casas de 'meia-água'. Para que eles pudessem ter uma casa - uma casa 'padrão', que tivesse pelo menos banheiro, quarto, sala e cozinha, alguma infra-estrutura - foi outra luta, mas isso aconteceu. Hoje eu não gosto de voltar à Nova Ponte, não! Não posso entender porque tem tanta gente morando de aluguel. Não era para ter mesmo! Não era para ter ninguém fora da escola, sem moradia, esse processo não foi feito para isso. Mas hoje, estamos vendo também lá, a falta de emprego, educação e saúde".

A própria CEMIG se responsabilizou pelo cadastramento das pessoas que moravam em terreno do município ou na beira dos córregos próximos à velha cidade. A Prefeitura alegou não ter condições técnicas, nem pessoal para efetuar o levantamento dessa população. Segundo Helder Naves Torres: "As pessoas que não tinham a posse e moravam em terreno da Prefeitura ou na beira de córrego foram identificadas pela CEMIG, que posteriormente as indenizou".

A Igreja Católica foi determinante na tentativa de reassentar essa população carente. O pároco da cidade, na época o Pe. Júnior, negociou com a CEMIG um terreno de propriedade da igreja na velha cidade, conseguindo trocá-lo por 180 lotes da cidade nova. Todos os lotes adquiridos com a negociação pelo padre foram entregues à população carente e aos sem a posse da terra. Com a negociação, a CEMIG ficou responsável pela

viabilização de toda infra-estrutura, como a abertura de ruas, água, esgoto e luz, e a Prefeitura Municipal doou toda a mão de obra e os materiais para a construção das casas. Relata Pe. Júnior: "A igreja tinha uma terra, um bairro na cidade velha, que rendeu 180 lotes na cidade nova. Nós entregamos para o povo aqueles lotes com infra-estrutura total, e a Prefeitura deu toda a mão de obra, como também tijolos e tudo o mais. Depois de 1 ano e meio, esse povo já tinha vendido todas as casas. Isso foi um tanto frustrante e ao mesmo tempo importante, porque nós percebemos que sem uma educação, o povo pode até receber uma casa, mas não adianta... é por um andarilho dentro de uma mansão, sem educação, ele vai continuar agindo como andarilho. O importante é construir uma realidade junto com o povo, junto com eles."

Em 1987, o "Plano Diretor de relocação da Nova Cidade de Nova Ponte" foi submetido à aprovação da população, já com sua respectiva "Planta de Urbanização". Também foi elaborado o "Projeto Final de Infra Estrutura Urbana, Paisagismo e Urbanização da Nova Cidade de Nova Ponte", que foi aprovado pela municipalidade no mesmo ano136. Segundo Pe. Júnior: "Nova Ponte é um exemplo vivo de participação que vai ficar para a história. Eu vi surgir um novo povo, que ainda é sofrido - eu vejo isso ainda, quando volto lá! - as marcas ainda continuam. Mas com certeza surgiu um povo mais consciente, maduro e participativo quando os deixaram falar, agir e participar de todas as decisões, sobre tudo, ruas, praças, edificações,... tudo!"

Houve resistência de muitos moradores em deixar sua história, seu "lugar". O bairro em que se encontrou maior resistência foi o Bairro de São João. Isso porque, mesmo não correndo o risco de ser inundado, o bairro foi relocado pela CEMIG. O Sr. Sebastião Firmino, trabalhador rural, que se recusava a mudar de casa teve o apoio de vários vizinhos. Para ele, como para os outros tudo ficou mais difícil. Com a construção da represa a distância de seu trabalho para a cidade aumentou de três para dezoito quilômetros, e sua vida simples sofreu uma mudança radical, para a qual nem ele, nem nenhum dos moradores da velha cidade estavam preparados. Em contrapartida, a maioria dos moradores da antiga cidade optou por receber terreno e

indenização para a construção de uma nova edificação na cidade atual, a ser indenizado em dinheiro e ter que se mudar para outra cidade.

Na velha cidade de Nova Ponte mesmo com suas ruas esburacadas e a falta de infra-estrutura urbana, seus moradores a reconheciam como o espaço deles. Se esta cidade não tivesse sua morte decretada, ainda hoje estaria em transformação e definindo sua própria história já que, por definição, toda cidade faz uma composição sempre inacabada de sua coletividade. Segundo Pe. Júnior: "Houve uma agressão na vida daquele povo. Uma mudança que foi muito sofrida e nem isso estava sendo respeitado. Tomamos consciência disso e fizemos nossas assembléias para exigirmos a cidade do jeito que a comunidade almejava. Muita gente morreu de sofrimento, de dor mesmo. Muitas pessoas idosas não suportaram a idéia de sair do seu lugar, mesmo indo para uma casa nova. Nada era mais importante do que a história deles. Eu penso que em Nova Ponte, dentro das questões que foram levantadas, como as da construção da cidade, naquele momento o mais importante foi a manifestação popular".

Na definição dos projetos para as edificações públicas, também houve participação da população, que através da AMNP em reuniões com a Prefeitura e a Câmara Municipal, analisaram a viabilidade de cada projeto e a aprovação dos mesmos, como relata Pe. Júnior: "Mesmo nas construções públicas havia a participação da população. Nada se fazia sem que antes houvesse uma reunião entre os vereadores, a associação e a Prefeitura. Depois os projetos eram mostrados para o povo. A população falava quando não queria aquilo e mostrava o que queria. Também analisávamos a viabilidade, pois não adiantava sonhar com o que era improvável naquele momento. Mas o importante é que tudo era feito por votação. Evidentemente, houve erros, mas mesmo assim, eu acredito... o que aconteceu foi o melhor do melhor foi o povo fazendo!"

Figura. 39 – Avenida principal da cidade nova. Fonte: BRANDÃO (1997).

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