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PARTE III Opções metodológicas

1. Uma pesquisa qualitativa?

Para justificar porque optamos por uma abordagem qualitativa para este estudo, faremos antes de mais um rastreamento das suas raízes, um breve acompanhamento do que tem sido o seu desenvolvimento e a sua aproximação com as áreas de educação e, em particular, com a investigação sobre os contextos não formais na escola.

Ao longo da História da Ciência têm surgido diversas correntes de pensamento, as quais deram origem a diferentes caminhos na busca do conhecimento. Contudo, e devido às diferentes premissas que as têm sustentado, desde a segunda metade do século XX tais correntes foram

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Tradução do original - “Grupos focais também podem contribuir para a amostragem teórica em estudos de observação que utilizam Grounded Theory. Nesta abordagem o investigador primeiro completa um conjunto de análises num local ou de um grupo populacional e, em seguida, procura por uma segunda amostra, teoricamente motivada, que irá proporcionar a comparação mais informativa do que já se conhece”

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PARTE III - Opções metodológicas 35 polarizadas em dois enfoques principais ou aproximações do conhecimento: o enfoque quantitativo e o enfoque qualitativo da investigação.

O enfoque qualitativo de pesquisa tem as suas raízes no final do século XIX quando os cientistas sociais começaram a indagar-se se o método de investigação das ciências físicas e naturais, que por sua vez se fundamentava numa perspectiva positivista de conhecimento, devia continuar a servir como modelo para o estudo dos fenómenos humano e também sociais, muito complexos e dinâmicos o que torna quase impossível o estabelecimento de leis gerais, como na física ou na biologia. A abordagem quantitativa nas ciências sociais e a corrente positivista tem origem na obra de Augusto Comte (1798 – 1857) e Émile Durkheim (1858 – 1917), autores que sustentavam que todas as “coisas”, incluindo os sujeitos humanos, ou fenómenos sociais poderiam ser objeto de conhecimento “científico” e poderiam ser medidos (Silva, 2003). O enfoque qualitativo tem a sua origem em outro pioneiro das ciências sociais, Max Weber (1864 – 1920), que introduziu o termo “verstehen” ou “entendimento”, “compreensão”, reconhecendo que para além da descrição e da medição das variáveis sociais, também devem ser considerados os significados e o entendimento do contexto onde ocorre o fenómeno social que lhe deu origem.

As duas abordagens (quantitativa e qualitativa) foram consideradas por alguns autores como paradigmas da investigação estanques e não compagináveis. No entanto, encontramos também outros autores que sugerem, pelo contrário, que estes dois paradigmas são articuláveis pois ambos utilizam processos cuidadosos, sistemáticos e empíricos, no esforço por gerar conhecimento e utilizam, no geral, segundo Grinnell (cit. in Sampeire et al., 2006), etapas similares e relacionadas entre si, porque realizam a observação e a avaliação de fenómenos; para estabelecer pressupostos ou ideias como consequência da observação e avaliação realizadas; testam e demonstram o grau em que tais suposições ou ideias têm fundamento; revêm tais suposições ou ideias com base nos testes ou na análise; e propõem novas observações e avaliações para esclarecer, modificar e/ou fundamentar as suposições e ideais; ou inclusivamente gerar outras.

No entanto, ainda que ambas abordagens, para alguns autores, compartilhem das mesmas estratégias gerais, cada uma terá, contudo, suas próprias características que as diferencia, o que nos levou a optar por uma investigação qualitativa ou “não-quantitativa” (Erickson, citado por Lessard- Hérbert et al., 1994: 32), em vez de por uma investigação quantitativa.

No caso das ciências sociais, a abordagem quantitativa parte da ideia de que o mundo “social” é intrinsecamente “cognoscível” e todos podemos estar de acordo com a natureza da realidade social. Nesta perspetiva são estabelecidas uma ou várias hipóteses de suposições sobre uma realidade (1); é desenvolvido um plano para submetê-las à prova, os conceitos incluídos nas hipóteses (variáveis) são medidas e se transformam as medições em valores numéricos, para serem analisados através de técnicas estatísticas e estender os resultados a um universo mais amplo, ou para consolidar as crenças (2).

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PARTE III - Opções metodológicas 36 Por sua vez, a abordagem qualitativa, - designação que funciona como uma espécie de “guarda-chuva”, no qual se inclui uma variedade de conceções, visões, técnicas de estudos não- quantitativos (André, 2002) – é, por vezes, chamada como investigação naturalística ou naturalista, porque não envolve manipulação de variáveis, nem tratamento experimental, é o estudo do fenómeno em seu acontecer natural. Este tipo de investigação é também dita fenomenológica - porque o sentido dado às experiências ou fenómenos que constituem essa realidade é “socialmente

construída” (Berger & Luckmann, 1985) - ou interpretativa ou etnográfica – em que a experiência

humana é mediada pela interpretação dos sujeitos, a qual não se dá de forma autónoma, mas à medida que o(s) indivíduo(s) interage(m) com o(s) outro(s).

A abordagem qualitativa procura principalmente a “dispersão ou expansão” dos dados e informações, utilizando a reflexão como ponte que vincula o investigador/a aos participantes, o investigador se fundamenta em si mesmo, para construir crenças próprias sobre o fenómeno estudado como um grupo de pessoas únicas, como a juventude e aqueles jovens que se podem encontrar nos clubes escolares.

Ao contrário, a abordagem quantitativa pretende intencionalmente “estreitar” a informação (medir com precisão as variáveis do estudo, tem um “foco”), isto é, fazendo uso de uma metáfora “fotográfica”: podemos dizer que o estudo quantitativo define o que se vai fotografar e se tira uma fotografia a esse objeto; na abordagem qualitativa é como se utilizássemos a função do “zoom in” (aproximação) e “zoom out” (afastamento), na mesma câmara, que se utiliza constantemente para capturar diferentes áreas que se afigurem de interesse para a pesquisa. Como atitude geral,

“Na investigação qualitativa, uma das estratégias utilizadas baseia-se no pressuposto de que muito pouco se sabe acerca das pessoas e ambientes que irão constituir o objecto de estudo”. (Bogdan &

Biklen, 2010: 83)

Dentre as dimensões deste estudo que justificam a nossa opção por uma pesquisa qualitativa podem ser apontadas: estarmos perante uma “realidade” por descobrir, construir e interpretar, onde existem realidades subjetivas que são construídas ao longo da investigação, as quais variam na sua forma e conteúdo consoante os indivíduos, grupos e culturas ou subculturas com que interagimos, que só podem ser entendidas desde o ponto de vista dos atores estudados, neste caso da juventude e das/os jovens dos clubes escolares. Ao mesmo tempo sendo uma realidade que muda com a observação e recolha dos dados, que portanto admite a subjetividade, ao tentar descrever, compreender e interpretar o fenómeno através das perceções e significados produzidos pelas experiências das/os participantes, numa lógica indutiva, que parte do particular para o geral.

Nesta lógica de pesquisa qualitativa é igualmente importante que a posição pessoal do/a investigador/a seja explícita e seja consciente para o mesmo, isto é, a/o investigador/a deve reconhecer os seus próprios valores e crenças, reconhecer que ao fazer parte do estudo, devido à

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PARTE III - Opções metodológicas 37 sua proximidade, empatia, envolvimento, está num papel ativo de interdependência, que influência e não se separa dos sujeitos e situações que procura conhecer.

Ainda que a teoria seja um marco de referência, a pesquisa qualitativa é marcada por um desenho da investigação aberto, flexível, construído durante o trabalho de campo ou na realização do estudo, não se pretendendo generalizar os resultados obtidos. A recolha de dados é orientada para prover um maior entendimento dos significados e experiências dos participantes, onde o/a próprio/a investigador/a é um instrumento de recolha dos dados, que se auxilia de diversas técnicas (neste caso, a Observação Participante, os Grupos de Discussão Focalizada e a análise de documentos) (Bogdan & Biklen, 2010: 83), que se vão desenvolvendo durante o estudo, sendo os participantes, as fontes internas dos dados e o/a próprio/a investigador/a, que é um participante, envolve-se na análise das suas próprias experiências assim como da relação que teve com os participantes.