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CAPÍTULO 2 O REFERENCIAL METODOLÓGICO

2.3 Uma proposta metodológica a partir dos dois métodos

Corroborando a afirmação de Minayo (2008) de que o pensamento e a capacidade analítica de qualquer pesquisador são incompletos e de que conhecer as limitações reforça a necessidade de aperfeiçoar os métodos, as técnicas e os instrumentos utilizados nas pesquisas, destacam-se aqui as possibilidades e os limites dos dois métodos apresentados.

Um aspecto importante diz respeito ao fato de que, nas pesquisas qualitativas, independente do método, a análise e a interpretação não têm o propósito de enumerar fatos ou pessoas, pois seu foco está no conjunto de opiniões e representações sociais que as pessoas têm acerca de um determinado assunto, embora seja preciso considerar, também, a diversidade de opiniões dentro de um mesmo grupo social (GOMES, 2007).

Além disso, compreende-se que, nas pesquisas qualitativas, independente do método utilizado, “a construção teórica inicial é, no mínimo, ampliada, reformulada, corrigida e clarificada; as hipóteses iniciais são revistas e os conceitos são construídos” (TURATO, 2005).

Levando em conta esses aspectos, esclareço algumas diferenças dos métodos descritos, destacando os momentos em que eles convergem ou divergem nas suas várias etapas, permitindo a construção de uma proposta metodológica que utiliza elementos dos dois métodos, ou seja, com as etapas de coleta, organização, análise dos dados pautadas na TFD e a etapa de interpretação dos dados, com base na Análise de Conteúdo.

Um dos aspectos mais relevantes relaciona-se à concepção dos métodos. Na Análise de Conteúdo, o pesquisador define o quadro teórico inicialmente e após as inferências e interpretações do material, pode expandir a dimensão teórica (método dedutivo) e, na TFD, o pesquisador não faz a construção teórica conceitual prévia, os conceitos e a teoria surgem dos dados (método indutivo).

Quanto aos objetivos dos métodos, a análise de conteúdo busca inferir conhecimentos sobre o emissor da mensagem ou sobre seu meio; superar a incerteza,

generalizar os achados nas mensagens e ir além das aparências por meio da leitura sistemática para descoberta dos conteúdos das mensagens. Já a TFD busca desenvolver uma teoria explanatória do processo social estudado a partir da compreensão e relação dos elementos do processo social (causa, contexto, contingência, consequência, covariança e condições)

No que diz respeito ao desenvolvimento dos métodos, a análise de conteúdo utiliza técnicas para analisar as comunicações de qualquer natureza, focalizando seu código linguístico, enquanto a TFD analisa a realidade por meio da observação do comportamento e dos discursos.

Na fase de análise, ambos apontam estratégias para decompor, ou seja, separar os dados dos casos individuais do contexto original e recontextualizar esses dados. Na recontextualização, o pesquisador identifica, examina, organiza os códigos e reduz os dados em torno de temas centrais (STARKS; TRINIDAD, 2007).

No entanto, os procedimentos adotados em cada método são diferentes. Na análise de conteúdo, a categorização pode ser feita previamente ou após a coleta de dados, trabalha-se com hipóteses e inferências e a análise pode ser feita partindo de um fenômeno específico para o geral ou do geral para o específico, enquanto na TFD as categorias são encontradas a partir da análise dos dados e é feita concomitante à sua coleta. Isso permite ao pesquisador formular novas perguntas sobre o fenômeno e fazer comparações entre as categorias inicialmente encontradas e obter uma amostra mais específica, que responda às necessidades da sua pesquisa. Neste método a análise se dá a partir de um fenômeno específico para o geral.

Quanto ao potencial e aos desafios de cada método, Gomes (2007, p. 80) afirma que, na Análise de Conteúdo, “a descrição e a análise são caminhos úteis para a interpretação”, e que, muitas vezes, o pesquisador interpreta os dados sem passar pela descrição e pela análise. Embora esse método explicite as etapas a serem percorridas, há a tendência de pular etapas se os processos de categorização e inferências forem feitos por um pesquisador despreparado, podendo gerar erros na interpretação do material, seja por excesso ou por recusa.

teoria. Glaser e Strauss (1967) e Charmaz (2009) afirmam que, muitas vezes, os pesquisadores utilizam a teoria fundamentada como estratégia metodológica, no entanto, muito pouca teoria fundamentada é produzida. Apesar disso, Charmaz (2009) argumenta que alguns críticos não se empenham em conhecer todos os autores, não fazem leituras aprofundadas e com isso, interpretam o método de forma restrita, desconsiderando quatro pontos fundamentais:

1) a teorização é uma atividade; 2) os métodos da teoria fundamentada fornecem formas construtivas de prosseguir com essa atividade; 3) o problema de pesquisa e os interesses do pesquisador podem determinar o conteúdo dessa atividade, não o método; 4) o produto da teorização reflete o modo como os pesquisadores atuaram nesses pontos fundamentais (CHARMAZ, 2009, p. 184).

Concordando com Watling e Lingard (2012), na TFD é claramente descrito o processo no qual os dados devem ser classificados e categorizados, entretanto, não é tão clara a descrição dos elementos necessários, incluindo a habilidade interpretativa e a criatividade, para o desenvolvimento da teoria a partir das categorizações. Assim, torna-se um risco para o pesquisador permanecer imerso nos procedimentos de codificação prescritos e perder de vista o objetivo maior.

Para sumarizar a proposta metodológica construída para desenvolver esta tese exponho no quadro 9 as principais características de cada método, seguida da hibridização que me orientou durante o processo de coleta, organização, análise e interpretação dos dados.

Quadro 9 – Características gerais da Análise de Conteúdo Temática, de Bardin, da Teoria Fundamentada nos Dados, de Glaser e Strauss e, da proposta desenvolvida nesta tese

Elementos dos

métodos Análise de conteúdo Teoria Fundamentada nos Dados Proposta Desenvolvida

Pressuposto fundamental

O pesquisador define o quadro teórico inicialmente e, após as inferências e interpretações do material, pode expandir

a dimensão teórica (método dedutivo)

O pesquisador não faz a construção teórica conceitual prévia, os conceitos e a teoria surgem dos dados coletados (método indutivo).

O pesquisador faz revisão sistemática da literatura antes de iniciar o trabalho de campo, para conhecer o estado da arte do tema investigado, mas constrói a perspectiva analítica a partir dos dados coletados

(método indutivo)

Objetivo principal

Inferir conhecimentos sobre o emissor da mensagem ou sobre seu meio. Superar a incerteza do discurso singular.

Generalizar os achados por meio da descoberta de núcleos de sentidos

específicos nos discursos.

Desenvolver uma teoria sobre o processo social analisado, a partir da compreensão e da

relação dos elementos do processo social (causas, contextos, contingências, conseqüências, covarianças e condições).

Identificar causas, contextos, contingências, conseqüências, covarianças e condições específicas,

para inferir conhecimentos, superar incertezas e generalizar as percepções do emissor da mensagem

sobre determinado tema.

Etapas desenvolvimento do método: TÉCNICAS DE COLETA DOS DADOS

Coleta comunicações de qualquer natureza, focalizando o código

comunicativo.

Focaliza apenas o discurso, reduzindo a capacidade explicativa.

Não considera o processo de tomada decisão em campo e o contexto da ação

analisada.

Coleta dos dados e análise é realizada concomitantemente por meio da observação do

comportamento e dos discursos. Formular perguntas sobre o fenômeno e faz

comparações entre as categorias, durante o trabalho de campo.

Focaliza os dados e os elementos do processo social

Coleta e a análise dos dados são realizadas concomitantemente e as categorias encontradas

podem estimular nova coleta. Formula perguntas sobre o fenômeno e faz

comparações entre as categorias. Focaliza as comunicações de qualquer natureza,

considerando os elementos do processo social comunicativo. Etapas desenvolvimento do método: TÉCNICAS DE ANÁLISE DOS DADOS Organização Pré-análise Classificação do material,

Tratamento dos resultados: categorização, inferência e descrição

Interpretação

Descrição

Ordenamento conceitual: codificação aberta, codificação axial e codificação seletiva

Teorização

Descrição

Categorização: codificação aberta e reagrupamento dos códigos em categorias

Interpretação

Perspectiva do pesquisador

Conhecer o material, seu contexto de produção e fundamentação teórica

Equilibrar objetividade, para interpretar de modo imparcial, e sensibilidade, para relacionar os dados na construção de uma

Conhecer o material e seu contexto de produção para construir o equilíbrio entre a objetividade e a

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