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3.3 A Organização Tópica e a construção do sentido do texto

3.3.1 Uma questão de coerência

Vimos no início da nossa exposição, em Pinheiro (2005), que a maneira como o conteúdo vem organizado pode dificultar consideravelmente, além do reconhecimento do gênero, a legibilidade do texto, prejudicando, sobremaneira, a interação entre enunciador e

destinatário. Vimos ainda que essa maneira de formular do produtor, além de interferir na interação, pode, dependendo do tipo de formatação que o produtor pretende dar ao texto, sinalizar (ou não) para a compreensão do texto por parte do interlocutor. Partindo desse pressuposto, falaremos a seguir da responsabilidade do produtor, em relação à coerência, quanto à organização do conteúdo tópico de um texto.

Para que melhor compreendamos a organização tópica dos relatórios, no que diz respeito à questão da coerência do texto, é preciso que retrocedamos no tempo aos estudos de Charolles (1978), já que estes foram muito importantes para a compreensão da produção e recepção dos textos, no que diz respeito ao sentido, e são consideráveis até hoje, pois, antes desse autor, o conceito de coerência era um tanto vago e se tornou um pouco mais perceptível a partir da postulação das suas quatro meta-regras. Esse conhecimento prévio possibilitou que visualizássemos melhor os problemas referentes à continuidade e à progressão, como requisitos de coerência, quando da análise da organização tópica dos relatórios de estágio dos professores de Língua Portuguesa em formação inicial.

Também por essa razão, buscamos nos estudos de Koch (2005) aprofundamento para entender esses fenômenos, pois a autora faz a mesma leitura desses dois requisitos de coerência, havendo, portanto, nos estudos desses dois autores, uma posição comum quanto à importância da continuidade e da progressão no resgate da coerência textual. Em função disso, antes de partirmos para a organização tópica, faremos um preâmbulo da questão do sentido do texto, a partir desses dois autores.

Charolles (1978), em seu artigo Introduction aux problèmes de la coherence des textes, explicita o sistema de regras de coerência, com o qual se opera na produção e recepção de textos. A coerência, para ele, é o elemento que permite estabelecer as diversas relações existentes no texto. Daí que a ordem de aparição dos elementos do texto deve ser levada em consideração, haja vista que “a linearidade textual confere ao discurso uma relação de ordem, onde a coerência do seguido é função do precedente” (p. 39).

Por isso ele propõe meta-regras de coerência em que procura articular elementos da constituição semântica do texto, condicionando esse funcionamento à situação de

interlocução. Vale dizer: para ele, o texto não é nem deixa de ser coerente em si mesmo, mas

é coerente ou não para alguém em determinada situação.

Por conta dessas observações, fica evidente que, para o autor, a coerência seria a qualidade que têm os textos reconhecidos pelos falantes como bem formados, dentro de um mundo possível. Essa boa formação poderia ser vista em função da possibilidade de recuperação do sentido, pelo interlocutor. Para isso, segundo Antunes (2005), são necessários:

o conhecimento de mundo – o grau em que esse conhecimento é partilhado por produtores e receptores do tecido verbal, que se reflete na estrutura informacional do texto - os fatores pragmáticos e interacionais – como o contexto situacional, os interlocutores em si, suas crenças e intenções comunicativas.

Para costurar essa coerência, Charolles (1978) lança mão de quatro requisitos: a articulação, a não-contradição, a continuidade e a progressão. Nesse momento, trataremos das duas últimas que são as que interessam para esse trabalho.

Segundo o requisito de continuidade, para que um texto seja coerente, é preciso que ele comporte em seu desenvolvimento linear elementos de retomada, de idas e vindas no texto, estabelecendo, a partir dessa continuidade, a unidade temática desse texto. Dessa forma, é possível verificar o caráter sequenciado do texto, seu desenvolvimento homogêneo e contínuo e, por conseguinte, a ausência de ruptura nesse texto.

O outro requisito é o de progressão. Segundo o autor, para que o texto seja coerente, é preciso que em seu desenvolvimento haja elementos semânticos constantemente renovados. Isto significa não repetir circularmente o mesmo conteúdo, posto que, tem de haver acréscimo de informação ao já dito. Esse acréscimo ou informação nova deve ter relação de contiguidade, de associação com outros referentes previamente introduzidos.

Esses dois requisitos estabelecem orientações temática e semântica, postulando a pertinência do conteúdo abordado (manutenção do assunto). Para isso, o produtor do texto deve construí-lo de modo que, nas retomadas, os referentes devam estar intimamente ligados aos conteúdos semânticos do enunciado, devendo, dessa forma, serem reconstruídos pelo interlocutor no ato comunicativo. Nessa linha, Charolles (1978) postula a unidade temática –

manutenção do assunto sobre o qual se fala – à medida que ela é sinalizada por referentes,

a partir dos quais deixa inferível que o tema continua presente em todos os segmentos do texto (continuidade). Porém, para que isso aconteça, é preciso que o texto se desenvolva, trazendo novidades semânticas (progressão).

Nesse sentido, o autor considera a manutenção e a progressão temáticas como condições de coerência, e Koch (2005, p.8) também compactua com o supracitado autor quando afirma que o texto pode ser entendido como

Uma unidade lingüística completa [...] que é tomada pelos usuários da língua [...] em uma situação de interação específica como uma unidade de sentido [...] preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independente de sua extensão. Visto dessa maneira, o texto apresenta os seguintes aspectos: o pragmático, que diz respeito a sua eficiente atuação informacional e comunicativa; o semântico-conceitual, do qual depende sua coerência [...]

Para essa autora, a coerência não é apenas um critério de textualidade entre os demais, mas constitui o resultado da confluência de todos os demais fatores, aliados a mecanismos e processos de ordem cognitiva, como o conhecimento enciclopédico, o conhecimento partilhado etc. Nesse sentido, a coerência resulta de uma construção dos

usuários do texto, produtor e interlocutor, numa dada situação comunicativa, para a qual

contribuem, de maneira relevante, os fatores de contextualização, consistência e relevância,

focalização e conhecimento compartilhado(KOCH, 2006 b).

Apesar de o texto ser definido em função das suas condições de produção, o que vai levar a se adotar o texto numa visão dialógica e interativa é o fazer sentido no funcionamento discursivo para estabelecer comunicação que transforma uma simples sequência de elementos linguísticos em texto. Daí a definição de coerência como a

possibilidade que a sequência linguística tem de fazer sentido. Advém também daí o fato

de a coerência ser o critério básico de textualidade (KOCH; TRAVAGLIA, 2006).

Esses autores colocam ainda que a produção textual requer estratégias e meios adequados para o cumprimento de seu fim social. Assim, estas estratégias que fazem com que o texto alcance sua intenção sociocomunicativa estão retratadas de diversas formas nos requisitos de coerência. Estes requisitos, segundo, ainda, Koch e Travaglia (2006), são unidades de sentido, de um contínuo comunicativo contextual que se caracteriza por um conjunto de relações responsáveis pela tessitura do texto.

Nesse sentido, ao construir textos, o produtor deve levar em conta sua intenção comunicativa, seus objetivos, seu destinatário de acordo com as regras socioculturais. Além disso, é a coerência que vai estabelecer relações sintático - gramaticais, semânticas e pragmáticas, permitindo construí-la e percebê-la como uma unidade significativa global. (KOCK; TRAVAGLIA, 2006, p. 59).

Koch (2005) também chama atenção para os critérios de relevância e focalização, em que o primeiro defende que um conjunto de enunciados que compõe um texto deve ser

relevante para um mesmo tópico discursivo. Isto é, “que os enunciados sejam interpretáveis

como predicando algo sobre um mesmo tema” (KOCH, 2006 b, p. 44). Dessa forma, a relevância se dá linearmente entre um conjunto de enunciados e um tópico discursivo. Já o segundo, o critério de focalização, refere-se à concentração de informações no assunto em

foco.

A partir dessa exposição inicial, podemos entender melhor a organização tópica, no processo interativo, posto que ficará mais fácil perceber porque a organização do texto é primordial para a compreensão deste, principalmente no que diz respeito à distribuição da

informação no texto como garantia da unidade temática, e, portanto, a manutenção do assunto com suficiência de dados e equilíbrio entre a informação dada e a informação nova pela combinação de dois movimentos, um de retroação (continuidade), por meio do qual se retoma a informação anteriormente introduzida, e o de progressão, responsável pela informação nova, onde o primeiro movimento serve de ancoragem para o segundo (KOCH, 2006 b).

De posse desse conhecimento preliminar, partiremos para a organização tópica.