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Sumário

Capítulo 2. Uma receita luso-brasileira: industrialização em Portugal

Conforme visto no capítulo anterior, um dos locais transitados pela família Leal Santos e essencial para a constituição da fábrica, foi Portugal. A relação da fábrica Leal, Santos & C. com o país luso não se restringe ao fato de esta ser a terra natal de Francisco Pancada e de outros sócios. A empresa iniciou na capital da coroa portuguesa em 1889: Lisboa. Nesse caso, a fábrica possui uma característica marcante que merece ser analisada de forma mais aprofundada: ser uma empresa luso-brasileira no final do século XIX.

Nesse sentido, irei aprofundar questões que indiquem como essa relação aconteceu e, ainda, quais os fatores que levaram os sócios optarem por abrir, em um curto intervalo de tempo, duas fábricas em dois continentes. A inclusão desta abordagem está justificada no argumento de que restringir a análise contextual da Leal, Santos & C. ao território brasileiro e à família, seria desconsiderar um aspecto relevante da história da fábrica. No decorrer do trabalho, serão demonstrados momentos cuja relação luso-brasileira será importante, ora vista pela imprensa brasileira do período, de maneira positiva, ora negativamente. Trata-se, portanto, de considerar todos os elementos da trajetória da Leal Santos. Por outro lado, como apontado no capítulo anterior, a circulação dos agentes nos seus campos e nos seus espaços é circunstancial para a formação do habitus de cada agente, influenciando nas suas escolhas, ideias e decisões. Sendo assim, também se faz relevante compreender a conjuntura de origem de Francisco Pancada.

Somado a isso, esse subcapítulo também tem por intuito entender o papel ocupado pela Leal Santos no cenário industrial português. Convém lembrar que tanto as problemáticas iniciais da tese, quanto a sua estrutura e objetivos, consideravam compreender e analisar qual o papel ocupado pela fábrica no cenário industrial brasileiro e português e, ainda, como ocorreu a relação entre a matriz lusitana e a filial brasileira. Motivada por tais indagações esse trecho da tese também é resultado da pesquisa realizada durante o Doutorado Sanduíche40 em Portugal que buscava responder as seguintes questões: qual a importância da Leal, Santos & C. para a industrialização portuguesa? Onde ela funcionava e qual era sua estrutura? Ela 40 Doutorado Sanduíche realizado entre novembro de 2018 e maio de 2019 na Universidade Autónoma de Lisboa, sob supervisão do Prof. Doutor José M. Amado Mendes. Bolsa concedida pela CAPES, processo nº 88881.189962/2018-01.

também fabricava biscoitos? Qual era a relação mantida entre filial e matriz e como foi desfeita tal relação? Como e por que a fábrica de Portugal encerrou suas atividades? Mesmo que nem todas as questões tenham sido conclusivas, através da pesquisa em fontes primárias consegui delinear algumas possíveis respostas e hipóteses, de dados inéditos sobre a Leal Santos & C.

Para isso, parto de uma análise geral do cenário industrial português, especialmente em Lisboa. Através de uma leitura historiográfica sobre a industrialização portuguesa do século XIX é possível identificar uma série de interpretações sobre esse contexto, diferentes visões sobre as causas do progresso lento e tardio da industrialização, mas que em conjunto contribuem para compreensão da complexidade que o país vivia no tocante à industrialização. Nesse caso, me apoio nos resultados apresentados por nomes clássicos do tema em Portugal, mas também trabalhos mais recentes sobre o assunto. Todavia, o objetivo deste trabalho não é fazer uma discussão historiográfica sobre a temática, tão pouco aprofundar quais razões são mais ou menos pertinentes para a formação do cenário industrial português do século XIX, mas sim compreender como esse panorama afetou a fundação da Leal, Santos & C.

As conclusões e análises apresentadas são resultados de uma pesquisa bibliográfica e também de investigações em fontes primárias: Inquéritos Industriais de Portugal (1881 e 1890), censos, catálogo de exposição, estatísticas e dois jornais que circulavam em Lisboa: O Século e o Diário de Notícias. As informações coletadas auxiliaram o delineamento da Lisboa industrial do século XIX, a apontar os principais fatores que motivaram a instalação de uma matriz lusitana e, ainda, como essa característica pode ter influenciado na história da Leal, Santos & C. - mesmo depois do desligamento da matriz.

Apesar de ter atingido o seu auge em meados do XIX, no século XVIII já era possível encontrar algumas indústrias que eram incentivadas, conforme apresentam Folgado e Custódio (1999), pelo protecionismo da coroa portuguesa e pelo impulso dado no período pombalino através do fomento nacional. As perdas sofridas com o terremoto em 1755 e o peso da Grã-Bretanha no cenário industrial europeu e mundial motivou Marquês de Pombal a elaborar estratégias estatais, principalmente com a redução de taxas de importação, para incentivar as indústrias (SILVA, 2015). Segundo Silva (2015), esse foi um dos motivos que permitiu que Portugal não ficasse demasiadamente atrasado no desenvolvimento industrial europeu. Outro fator decisivo para estimular a indústria lusitana nesse período foram as políticas de exportação para o Brasil, pois “a indústria portuguesa encontrou no Brasil a

oportunidade de escoar a produção, aumentar as exportações e estimular a indústria” (SILVA, 2015, p. 38).

Entretanto, é no século XIX que o crescimento industrial é mais significativo em Portugal, mesmo que esse crescimento seja lento e tardio (REIS, 1987), sendo esse atraso calcado em questões do âmbito interno e externo (REIS, 1987 e MENDES, 1980). Se, por um lado, as políticas de exportação para o Brasil transformaram a colônia em um forte consumidor dos produtos portugueses, por outro, José Amado Mendes aponta que a abertura dos portos brasileiros para as nações amigas em 1808 e a independência do Brasil em 1822 atingiram negativamente as indústrias e a economia portuguesa de forma geral (MENDES, 1980). Nesse mesmo ano, membros do comércio, capitalistas e industriais almejaram incentivar o setor industrial: “a dita sociedade procurou, por vários meios ao seu alcance, chamar a atenção para a realidade industrial, o que não estaria na primeira linha de prioridades dos vintistas” (MENDES, 1993, p. 377). Apesar do conceito de indústria compartilhado por esse grupo não ser o mesmo do final do XIX (MENDES, 1993), essa movimentação foi importante para atrair a atenção ao setor.

Entre 1813 e 1822, o número de fábricas duplicara em Portugal, continuando a crescer nas décadas seguintes. A introdução no país da máquina a vapor para utilização industrial, em 1835, terá dado um impulso adicional para o desenvolvimento de alguns setores, apesar de a sua utilização não se ter difundido para a maioria das fábricas (SILVA, 2015, p. 40).

O período destacado por Silva abrange o que Amado Mendes (1993) chama de tentativa de industrialização (1822-1851), realizada principalmente com a implantação do liberalismo em Portugal (1821-1824). É nessa fase que há uma série de melhorias que acabam afetando a indústria:

Em primeiro lugar, começou por ser utilizada a máquina a vapor (1820- 1821), não só nos transportes fluviais e marítimos como na própria indústria. Tratou-se de um marco importante - visto aquele invento ser um dos fatores primordiais da primeira “vaga” da industrialização -, ainda que não deve ser sobrevalorizado, por causa do significativo papel que outras fontes energéticas - em particular a hidráulica e a animal - continuariam a desempenhar ainda por muito tempo (MENDES, 1993, p. 356).

Por mais que haja uma divergência no que tange ao início do uso da máquina a vapor em Portugal, esse momento é permeado por transformações tecnológicas que influenciaram diretamente a industrialização do país. O setor primário da economia portuguesa também obteve crescimento nesse período e foi beneficiada pela introdução das tecnologias e aperfeiçoamento das técnicas de cultivo (VAQUINHAS; NETO, 1993). Todavia, o aumento do número de indústrias e as melhorias tecnológicas, não podem ser analisadas isoladamente,

desconsiderando os embates econômicos e ideológicos que permeavam a nascente fase industrial. Uma das características mais marcantes nessa disputa para construção de um progresso relacionado às indústrias é a que Amado Mendes (1996), utilizando a expressão de João Lúcio de Azevedo, chama de “monarquia agrária”. Portugal tem como característica marcante a agricultura, e é ela que vai sustentar o setor econômico do país em grande parte de sua história (REIS, 1987).

José Amado Mendes (1996), ao mapear os discursos pró e contra a industrialização na historiografia portuguesa, identificou uma clara associação entre o discurso nacionalista do século XIX e a defesa dos interesses da agricultura. Há certa recorrência no enaltecimento não apenas das vantagens econômicas da tradição agrária de Portugal, como também da questão moral e virtudes da vida campestre - sendo essa vista como mais digna do que a relacionada com as indústrias (MENDES, 1996).

Mesmo que essa visão perca a força com o passar do tempo pois, segundo Herculano41, a industrialização era inevitável (MENDES, 1996), as marcas do discurso agrário vão perdurar o avanço das indústrias. Entretanto, apesar da produção industrial conseguir atingir um crescimento maior do que a agricultura, ela não conseguiu conduzir o desenvolvimento econômico do país (REIS, 1987).

Por conseguinte, a ideia de que a agricultura era o setor “dinâmico” da economia não tem qualquer fundamento no que respeita ao período após 1870. Não seria, porém, justo afirmar-se que a atividade econômica em geral tenha sido “conduzida” de qualquer modo pela indústria. Pelo contrário, há que acentuar que, embora a atividade fabril se tenha desenvolvido a um ritmo razoável durante várias décadas, este desenvolvimento continuava a ser demasiado reduzido, quer para assegurar uma melhoria significativa da taxa de crescimento da economia como um todo, atendendo ao progresso lento dos outros setores, quer para modificar a estrutura da economia duma forma significativa. A indústria desempenhou um papel positivo, mas não suficientemente positivo (REIS, 1987, p. 213).

A característica agrícola é também apresentada por Reis (1987) como um dos principais fatores para o atraso industrial lusitano, pois ela indica uma falta de tradição industrial (REIS, 1987) que limitou os avanços da indústria portuguesa. É entre 1870 e 1913 que Jaime Reis (1987) identifica a “penetração do capitalismo” (REIS, 1987, p. 13), período no qual houve, simultaneamente, o aumento do número de estabelecimentos industriais e um maior impacto delas no desenvolvimento econômico do país. Mas esse crescimento foi permeado por outros indicativos que não só possibilitaram a expansão industrial como 41 Alexandre Herculano (1810-1877) foi um político liberal, historiador e jornalista português.

também marcaram uma mudança no estilo de vida dos portugueses e do país como um todo. Nesse estágio houve um aumento da rede de transportes e sua modernização, alargamento do mercado consumidor e crescimento do número de bancos (REIS, 1987). Comparado a outros países do continente, essas modernidades tardaram a chegar a Portugal (MENDES, 1993), “devido aos bloqueios provocados pela instabilidade política, econômica e social da primeira metade do século XIX e à permanência de um conjunto de estruturas arcaizantes, características das sociedades de Antigo Regime” (SALGUEIRO, 2008, p. 14).

O investimento na expansão e melhoria da rede de transportes terrestres e fluviais foi essencial para o desenvolvimento do setor industrial português. Conforme apresenta Deolinda Folgado e Jorge Custódio (1999), através dos caminhos de ferro e das embarcações, os produtos alcançavam com mais facilidade outros consumidores, bem como os proprietários de estabelecimentos industriais e comerciais tinham mais acesso as mercadorias através da importação. Para Ângela Salgueiro “o caminho-de-ferro aparecia [...] como o grande símbolo do desenvolvimento e do progresso. Não obstante, a sua introdução em Portugal foi bastante demorada [...]” (SALGUEIRO, 2008, p. 8), que se concretizou em na década de 1850.

Nesse momento havia uma maior organização fabril, uma produção que começou a ser mecanizada através do uso da máquina a vapor e outras tecnologias, bem como uma concentração mais numerosa de estabelecimentos fabris dentro de espaços urbanos (REIS, 1987). Com uma atenção mais voltada para o desenvolvimento industrial e tecnológico, outros investimentos passaram a fazer parte da pauta do governo objetivando a capacitação de mão-de-obra e o incentivo industrial. Dentro desse contexto é possível citar a instalação do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria em 1852, dentro do âmbito da Regeneração42. Segundo Mendes “a regeneração traz uma nova fase à economia nacional, tornando a dinâmica capitalista mais atuante” (MENDES, 1999, p. 359). Nas primeiras três décadas do período da Regeneração foram realizados três Inquéritos Industriais, mas “são extraordinariamente incompletos, o que dificulta o estudo do evoluir da industrialização” (MENDES, 1999, p. 360).

42 Período político principiado em 1851 com a queda de Costa Cabral, e iniciando a Monarquia Constitucional. Os principais nomes desse período são o Marechal Saldanha e Fontes Pereira de Melo, elencado como o personagem de maior relevância e poder no período. Durou aproximadamente duas décadas, estendendo até o início do século XX. A característica desse governo é de uma instalação das políticas liberais, e a preocupação em retirar o atraso do país frente ao restante da Europa, principalmente em termos industriais, tecnológicos e de comunicação.

O que salienta José Amado Mendes ao analisar o desenvolvimento industrial nesse período é que, apesar das melhorias no setor de comunicação e transporte, e da criação do Ministério, as indústrias só surgem de forma indireta, a partir da criação de escolas industriais (MENDES, 1999).

[...] E, todavia, nas incumbências da Repartição de Manufaturas, do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, constatavam iniciativas diversas, mediadoras de um programa concebido para o fomento industrial (1853). Consideremos algumas “1ª Preparação de leis, decretos e regulamentos relativos a artes e ofícios; 2º Conservatória de artes e ofícios, 3º Escolas industriais; 4º Sociedades promotoras da indústria nacional; 5º Polícia [isto é, política] industrial; 6º Privilégios por novos inventos; 7º Exposições públicas de produtos de novas indústrias; 8 Estatística industrial” (MENDES, 1999, p. 361).

Essas foram algumas das medidas governamentais do período que, pode-se dizer, “prepararam o terreno” para a industrialização portuguesa, tal como apresenta Carvalho (2013):

A Regeneração é, sem dúvida, um período-chave para a história do capitalismo industrial e do proletariado nacional, pois é nessa fase que se verifica a germinação da indústria moderna, havendo o recurso ao trabalho mecanizado em substituição do tradicional trabalho manual (CARVALHO, 2013, p. 17).

Esse período foi importante para a industrialização portuguesa, que atingiu um ritmo mais acelerado e significativo nas últimas décadas do século XIX (MENDES, 1999). Período também identificado por Reis (1987) como de penetração do capitalismo, foi palco das mudanças mais palpáveis e visíveis no âmbito industrial e tecnológico em Portugal. E, assim como nas décadas anteriores, também foram realizados Inquéritos Industriais com o objetivo de conhecer o real cenário industrial e manufatureiro do país, bem como o perfil de cada estabelecimento. Conforme aponta Manuel Rodrigues (2013), a preocupação em mapear, de forma mais aprofundada, os estabelecimentos industriais pode ser entendida como um reflexo do crescimento industrial do período e uma tentativa de organização. Um deles foi o inquérito de 1881, mas este é apontado por Folgado e Custódio (1999) como problemático e impreciso.

Os problemas do levantamento de 1881 e as disputas entre a defesa de um país que valorizasse a natureza agrícola, ou o desenvolvimento e progresso através da indústria, são ainda abordados nesse período. Com os mesmos objetivos de conhecer a expansão e perfil industrial, em 1889 o governo português anunciou a elaboração de um novo inquérito, a ser

concluído em 1890. O jornal O Século43 estampou em algumas de suas páginas notícias e textos sobre a questão industrial em Portugal e, sobretudo, da sua posição quanto a necessidade de um novo inquérito. Quando o Diário do Governo divulga a proposta do novo inquérito, ainda em 1889, O Século publicou:

No intuito de defender o trabalho nacional e de proteger as indústrias portuguesas, de modo que possam concorrer os seus produtos com os similares estrangeiros, vai-se mandar proceder a um inquérito relativo às condições e necessidades de todas as indústrias do país e a situação moral e material dos seus operários (O Século, 26/04/1889, p. 1).

Entretanto, o editorial de O Século, não se mostrou convencido e satisfeito com o investimento de tempo e dinheiro para a confecção de um novo inquérito e rebateu as palavras do governo:

Mas, ó senhores, para quem são essas cantigas?! Qual proteção às indústrias e qual defesa do trabalho industrial! Os senhores sabem lá, ou querem porventura saber o que isso é? Pois não se fez já um inquérito? E o que resultou dele? Nada de prático e útil. Somente muito tempo, muito papel e sobretudo muito dinheiro gasto. É também o ensejo para alguns truões políticos se arvoram em defensores pintados do comércio, da indústria, do trabalho e do operariado português. Por igual que já todos estão calados, não porque se realizasse o que eles apregoavam, mas porque já têm um bom arranjo para hoje e farto pão para a velhice. [...] Se há, digam-no e façam-no, mas por qualquer outro modo que não seja este de estar a burlar e incomodar industriais e operários com esses inquéritos inúteis, porque são improfícuos. (O Século, 26/04/1889, p. 1).

A questão da aplicabilidade e praticidade do inquérito foi questionada pelo jornal, provavelmente levando em consideração o que Deolinda Folgado e Jorge Custódio (1999) apontaram como duvidoso e problemático inquérito de 1881. Todavia, os questionamentos dos editores não eram compartilhados por toda a imprensa do período. No dia seguinte da referida nota O Século divulga uma resposta ao jornal O Correio:

A indústria portuguesa

O Correio doeu-se com as justas considerações que fizemos a propósito do projetado e, segundo consta, já resolvido inquérito industrial, e a propósito larga novas larachas sobre os desejos do governo de fomentar o desenvolvimento da indústria. E a propósito do inquérito industrial, o jornal do sr. José Luciano começa por dizer que as nações exclusivamente agrícolas são sempre nações pobres, como se alguém se tivesse referido a isso ou coisa semelhante. E depois, em largo estendal, vem por ali abaixo dissertando sobre generalidades, para acabar por dizer que a indústria portuguesa deve ao progressismo tudo e mais ainda! E tanta cantata e tão

43 O jornal O Século foi fundado em 1880 que circulou até 1979 e teve um papel importante na defesa do projeto republicano português. Pesquisei o periódico em acervo microfilmado na Torre do Tombo, em Lisboa (Portugal). Para saber mais: https://www.aatt.org/site/index.php?op=Nucleo&id=1643. Acessado em 06 de maio de 2020.

largo artigo é apenas para quê? Para justificar a necessidade e a vantagem do 2º inquérito industrial? Mas o que o Correio se esqueceu de dizer, é que por certo não queria dizer é quais foram os resultados do 1º inquérito e porque razão se procede a este? Isto é que nós queremos saber (O Século, 27/04/1889, p. 1).

Nesse trecho O Século aponta o argumento do O Correio em defesa do inquérito tomando a necessidade de incentivar a indústria, pois “as nações exclusivamente agrícolas são sempre nações pobres”. O embate entre agricultura e indústria frente à necessidade do progresso fica claro nesse momento. Entretanto, esse discurso não foi algo exclusivo do cenário português. A industrialização brasileira, conforme será desenvolvido posteriormente, teve situação semelhante ao ter o discurso a favor da industrialização relacionado ao progresso, vendo a agricultura como algo ultrapassado e não condizente com a virada do século. Apesar das desconfianças instaladas por parte do O Século com relação ao novo inquérito industrial, e as desavenças do investimento industrial, o novo inquérito foi aprovado e o jornal acompanhou e divulgou o processo de planejamento do projeto que visava mapear e conhecer o cenário industrial português:

O inquérito abrangerá as grandes e pequenas indústrias fabris, manufatureiras e extrativas do continente e ilhas adjacentes, será extensivo a todos os estabelecimentos fabris, quer civis, quer militares, do estado e aos estabelecimentos industriais explorados pelas municipalidades ou por outras corporações públicas. O conselho superior de comércio e indústria terá a direção e superintendência de todo o serviço de inquérito, auxiliado com o número de vogais que o governo determinar. [...] O inquérito dividir-se-há em duas partes: Inquérito de gabinete, que se realizará por meio de um questionário e que será o primeiro a verificar-se; e o Inquérito direto, que se realizará por meio de depoimentos escritos dos chefes dos diversos estabelecimentos e de visita aos mesmos estabelecimentos e centros de produção. As visitas aos estabelecimentos terão lugar com prévia autorização dos respectivos proprietários, gerentes ou diretores. (O Século, 20/05/1890, p. 1).

Com o planejamento da recolha de informações sobre as indústrias em Portugal, ficou definido o prazo de final de julho para a conclusão das duas partes do trabalho, para, posteriormente, sua divulgação. Publicada em 1891, o Inquérito Industrial de 1890 é uma fonte importante de informações sobre o contexto industrial português, pois através dele é possível “remontar” uma Lisboa, além de outros distritos, industrial e o perfil de cada estabelecimento ali descrito. Parece ter superado as versões antecessoras e é, atualmente, uma das fontes mais referenciadas e pesquisadas nos trabalhos científicos sobre as indústrias em Portugal.

Tendo apresentado as fases de incentivo à indústria em Portugal, mesmo que de