• Nenhum resultado encontrado

Uma reconciliação empírica: os meios do desenvolvimento em Amartya Sen

No documento 2019AndreMottin (páginas 73-87)

2. Os direitos sociais e o desenvolvimento: uma reconciliação teórica, empírica e jurídica

2.2. Uma reconciliação empírica: os meios do desenvolvimento em Amartya Sen

Demonstrou-se até o momento que o desenvolvimento é um processo de expansão das capacitações humanas, pressupondo a eliminação de fontes de privação de liberdades como a fome, a subnutrição, a morbidez, a carência de serviços de educação e de saúde, a alienação política. Nesta abordagem, a partir de uma teoria abrangente como a de Sen, os direitos sociais deixam de ser considerados empecilhos ao progresso econômico para assumirem um papel de protagonismo na ideia de desenvolvimento.

Neste momento, deverá ser destacado o “papel instrumental” 287 das liberdades

para o desenvolvimento. Trata-se de explicitar que a expansão das liberdades substantivas, além de ser o fim primordial do desenvolvimento, também pode ser o principal meio para se alcançar esse objetivo, na medida em que a promoção de uma liberdade reflete na realização de outras liberdades, em um processo circular e evolutivo tendente ao aumento das capacitações humanas e à consolidação de sua condição de agente. É a ocasião de avaliar, sob uma perspectiva sobretudo empírica, se os direitos sociais e as correspondentes políticas públicas – levando à ampliação das liberdades – podem constituir meios ou instrumentos conducentes ao desenvolvimento.

Conforme destaca Sen, “o papel instrumental da liberdade concerne ao modo como diferentes tipos de direitos, oportunidades ou intitulamentos contribuem para a expansão da liberdade humana em geral e, assim, para a promoção do desenvolvimento”288. Na sua argumentação, as liberdades substantivas relacionam-

se entre si, de modo que a ampliação de uma liberdade tem como efeito também a promoção de outras, em um processo inter-relacional. A associação entre as liberdades implica que “um tipo de liberdade pode contribuir imensamente para promover liberdades de outros tipos”289.

Essa concepção parte da visão de que as privações econômicas, sociais, culturais e políticas estão interconectadas. Como exemplificam Amartya Sen e Bernardo Kliksberg, quando um indivíduo nasce em uma família afetada pela pobreza,

287 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 52. 288 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 54. 289 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 54.

tem limitadas suas possibilidades de ter uma boa saúde e um adequado rendimento educacional290. De conseguinte, existe uma forte tendência a que a escolaridade seja

baixa, o acesso ao mercado de trabalho seja difícil e a remuneração seja reduzida, perpetuando-se um quadro de vulnerabilidade socioeconômica estimulado pela carência originária de capacitações. As privações sociais conduzem a privações econômicas, políticas e culturais, que, por seu turno, reforçam as primeiras. Em síntese, “cria-se um círculo de ferro determinado pela falta de oportunidades” 291.

Para ilustrar esse papel instrumental, Sen apresenta um rol exemplificativo de cinco liberdades que contribuem para a ampliação da capacitação geral das pessoas. De forma sintética, incluiriam as “oportunidades sociais” (oportunidades disponibilizadas nas áreas de educação, saúde, segurança, entre outras, influenciando a liberdade de o indivíduo viver melhor), a “segurança protetora” (garantia de uma rede de segurança contra a miséria, a fome, a morte, o desemprego, envolvendo benefícios e suplementos como a distribuição de alimentos em crises de fome coletiva), as “liberdades políticas” (oportunidades de determinar seus governantes, de fiscalizar autoridades e de exercer a liberdade de expressão política), as “facilidades econômicas” (oportunidades para utilizar recursos econômicos com propósitos de consumo, produção ou troca) e as “garantias de transparência” (liberdades de lidar uns com outros de forma transparente, clara e confiável)292.

É destacado por Sen o caráter inter-relacional e complementar dessas liberdades. As liberdades instrumentais citadas aumentam diretamente as capacitações das pessoas, ao mesmo tempo em que se suplementam e se reforçam mutuamente293. Nesse sentido, por exemplo, as liberdades políticas ajudam a

promover a segurança econômica; as oportunidades sociais, de sua vez, facilitam a participação econômica; as facilidades econômicas, por seu turno, podem ajudar a gerar a abundância individual, além de recursos públicos para os serviços sociais294.

Em síntese, “liberdades de diferentes tipos podem fortalecer umas às outras”295.

O autor se vale de investigações empíricas para sustentar essa hipótese.

290 SEN, Amartya; KLIKSBERG, Bernardo. As pessoas em primeiro lugar: a ética do desenvolvimento e os problemas do mundo globalizado. Tradução Bernardo Ajzemberg e Carlos Eduardo Lins da Silva. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, pp. 148-151.

291 SEN, Amartya; KLIKSBERG, Bernardo. As pessoas em primeiro lugar. pp. 148-151 292 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. pp. 55-57.

293 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 57. 294 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 25-26. 295 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 26.

Reportando-se ao caso paradigmático do progresso econômico no Japão, demonstra que a criação de oportunidades sociais, especialmente na área da educação básica, foi instrumento da intensificação do crescimento econômico do país296. Segundo Sen,

em meados do século XIX, quando a industrialização ainda não havia ocorrido no Japão, o país já apresentava taxas de alfabetização mais elevadas do que as da Europa. Desse modo, na experiência japonesa, a expansão de liberdades relacionadas ao direito social à educação teve relevância histórica na ampliação de outras liberdades, sendo condição essencial para o êxito econômico.

Processo semelhante teria ocorrido em países do Leste e do Sudeste Asiático, como Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura297. A implementação de políticas

públicas com ênfase na educação elementar e na assistência à saúde permitiram uma maior participação econômica dos indivíduos, servindo para facilitar o crescimento econômico com alto nível de emprego, e criando também circunstâncias favoráveis para a redução das taxas de mortalidade e para o aumento da expectativa de vida298.

Sustenta-se, com base nisso, a existência de um encadeamento lógico entre liberdades, em um processo de avanço recíproco, atestando que a promoção de oportunidades sociais, ao lado de outras liberdades instrumentais, pode representar o principal caminho para o desenvolvimento individual e coletivo.

Esses fatores também explicariam algumas diferenças no desempenho econômico da Índia e da China. Segundo Amartya Sen, a China teria resultados muito mais notáveis em termos de produção de rendas e riquezas, na medida em que teria maior preparo social para fazer uso da economia de mercado299. Assinala que, quando

a China adotou a orientação para o mercado em 1979, já contava com altas taxas de alfabetização e uma boa estrutura educacional, o que foi determinante para o aproveitamento das oportunidades econômicas de um sistema de mercado. Também sob o ponto de vista dos serviços de saúde, o país encontrava-se melhor preparado devido ao compromisso social do regime estatal vigente. Já a situação da Índia era de atraso social, negligência em relação à educação e descaso substancial com serviços de saúde, o que “deixou o país despreparado para uma expansão econômica amplamente compartilhada”300.

296 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 58. 297 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 58 298 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 62 299 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 59. 300 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 60.

De um modo geral, o autor reforça a ideia de que, em muitos países desenvolvidos, a criação de oportunidades sociais, por meio de serviços públicos adequados, teve uma importância crucial para a prosperidade econômica e para a ampliação de outras liberdades substantivas. Afirma, destarte, que o passado dos atuais países considerados ricos é permeado por notáveis histórias de ações públicas nas áreas de educação, saúde, reforma agrária, etc.301. De modo que “o amplo

compartilhamento dessas oportunidades sociais possibilitou que o grosso da população participasse diretamente do processo de expansão econômica”302.

Com essas análises empíricas, Amartya Sen reforça a necessidade de iniciativas de políticas públicas para a criação de oportunidades sociais como instrumento de expansão econômica e de ampliação de outras liberdades substantivas. Delineia-se, pois, uma relação circular, em que a melhoria de condições de vida da população pode levar ao incremento da renda, e este, por sua vez, permitir a extensão de serviços sociais adequados, com o fortalecimento recíproco das liberdades substantivas referenciadas.

A ampliação das liberdades humanas “é tanto o principal fim como o principal meio de desenvolvimento”, possuindo, portanto, tanto um “papel constitutivo” como um “um papel instrumental”303. Ao mesmo tempo em que o desenvolvimento deve

buscar, como fim último, liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, segurança protetora, entre outras liberdades substantivas, estas, por si, representam os mais importantes instrumentos para a ampliação de liberdades e, portanto, os principais meios para o desenvolvimento.

A proposição do autor abala a crença dominante de que é necessário primeiro o crescimento econômico, a fim de tornar um país rico, para somente após viabilizar o desenvolvimento humano pelos serviços de educação, saúde e outros304. Inverte-se

o raciocínio habitual: ainda que um país possua baixos níveis de renda, a qualidade de vida pode ser melhorada pelo custeio público de serviços sociais adequados, como saúde e educação, e este processo pode vir a ser catalizador do aumento da produtividade e do crescimento econômico305.

Com efeito, o mestre indiano, com consistentes fundamentos teóricos e

301 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 170. 302 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 170. 303 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 52. 304 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 58. 305 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 66.

empíricos, refuta a concepção – tão comumente difundida – de que “o desenvolvimento humano é realmente um tipo de luxo que só países mais ricos tem condições de bancar”306. Ora, a ampliação de direitos e de serviços sociais não

apenas pode ser promovida em países com baixa produção de rendas e riquezas, como, em verdade, pode constituir justamente o elemento desencadeador da sua projeção econômica.

Nesse sentido, a baixa capacidade de crescimento de algumas economias pode decorrer, precisamente, da inadequada promoção dos direitos sociais e das políticas públicas relacionadas. A carência de oportunidades sociais, a negligência de serviços públicos de educação, de saúde e de assistência social, entre outras insuficiências prestacionais, podem constituir obstáculos muito mais contundentes à produtividade e ao progresso do que outras variáveis econômicas.

De conseguinte, os direitos sociais e as políticas públicas relacionadas, que, em uma perspectiva liberalizante, seriam vistos como óbices à eficiência econômica, podem, ao revés, representar os remédios necessários para viabilizar o progresso econômico. Como destaca Mônica Teresa Costa Souza, o investimento social é fundamental para tornar os indivíduos agentes capazes de contribuir com a expansão nacional e com a expansão das oportunidades, por meio de políticas que promovam o acesso à educação básica, eficiente sistema de saúde pública, planejamento familiar, políticas de igualdade de gênero e de combate à pobreza307.

A propósito da política educacional, desde há muito se reconhece o seu papel instrumental para a prosperidade econômica. Nesse sentido, por exemplo, na ciência econômica, foi desenvolvida a chamada “Teoria do Capital Humano”, com origem nos estudos publicados nas décadas de 1950 e 1960 por Mincer, Schultz e Becker, os quais demonstraram que os ganhos de produtividade e de crescimento econômico não estariam ligados apenas a fatores físicos de produção (como terra, capital e trabalho), mas seriam influenciados diretamente por uma outra variável: o capital humano308. Na perspectiva dessa teoria, a qualificação da população, por meio do

investimento em educação, elevaria a produtividade econômica, ampliaria os salários

306 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. p. 170. 307 SOUZA, Mônica Teresa Costa. Direito e desenvolvimento. p. 95.

308 VIANA, Giomar; LIMA, Jandir Ferrera de. Capital humano e crescimento econômico. Interações -

Campo Grande, vol.11, n.2, 2010, pp.137-148. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1518- 70122010000200003. Acesso em 14 jul. 2018.

e os lucros, resultando no progresso econômico309.

Consoante destacado por Giomar Viana e Jandir Ferrera de Lima, diversos trabalhos empíricos mais recentes confirmam a forte relação entre crescimento econômico e o nível de capital humano310. Esses estudos demonstram que o maior

nível de educação e de conhecimento da população reflete em aumento da produtividade do capital humano e também do capital físico, diminuindo custos de produção, possibilitando retornos crescentes no processo produtivo e estimulando o crescimento da economia. Em essência, as influências positivas da educação se revelariam tanto no acréscimo dos rendimentos individuais quanto na elevação das rendas nacionais.

É verdade que a teoria do capital humano possui uma visão restrita do fenômeno da capacitação humana. Essa concepção “mercantiliza” o conhecimento, valorizando a educação apenas como instrumento para a obtenção de resultados econômicos, e não como um fim em si mesma, a ser buscada de forma independente da eficiência econômica. Na síntese crítica de Almeida e Pereira, a proposição reduz a complexidade e o valor humanos a uma questão de “capital”, tratando a educação como um mero instrumento de qualificação de mão-de-obra para a produção, com reflexos em uma compreensão tecnicista do ensino311.

Nada obstante, deve-se reconhecer que essa linha teórica, apesar de suas limitações, contribui para os modelos sobre o crescimento econômico, indo além das perspectivas neoclássicas que prestigiavam apenas os fatores de produção capital e trabalho312. As pesquisas realizadas nesta área permitiram reconhecer e tornar mais

clara a relevância da educação como meio conducente ao aumento da produtividade e ao crescimento econômico individual e nacional. E, como consequência, devem ser encampadas para reforçar a ideia da instrumentalidade dos direitos sociais e da sua promoção recíproca, inclusive em prol do progresso econômico.

De outro lado, para além da análise das políticas educacionais, como elementos indissociáveis de um processo de desenvolvimento, é necessário reforçar

309 BECKER, G. S. Human capital a theoretical and empirical analysis, with special reference to

education. Third Edition, University of Chicago, NBER, New York, 1993. Disponível em: http:///www.nber.org/books/beck94-1. Acesso em: 14 jul. 2018.

310 VIANA, Giomar; LIMA, Jandir Ferrera de. Capital humano e crescimento econômico. pp.137-148. 311 ALMEIDA, E. P. de; PEREIRA, R. S. Críticas à teoria do capital humano: uma contribuição à análise de políticas públicas em educação. Revista de Educação, v. 9, n. 15, 2000. Disponível em: http://www.ufmt.br/revista/arquivo/rev15/AlmeidaPereira.html. Acesso em: 11 de jul. 2018.

que outros direitos sociais compartilham desse mesmo papel instrumental, tendo o condão de ampliar capacitações humanas e de contribuir para o progresso geral de um país. Neste particular, diversos estudos empíricos demonstram que políticas públicas relacionadas à saúde, ao saneamento básico, à assistência social, à redução da desigualdade social, entre outras, também são catalizadoras de processo amplo de desenvolvimento.

Como se demonstrará a seguir, o papel instrumental desses outros direitos sociais para o desenvolvimento pode ter reflexos inclusive na melhoria da dinâmica econômica, resultando em maior crescimento econômico de um país. Conforme já assinalado, revela-se inadequado avaliar esses direitos apenas em termos de contributos para o progresso econômico quantitativo, não devendo ser este o enfoque principal da análise. Porém, embora secundária, essa perspectiva não pode ser descartada. Afinal, reconhecer o impacto positivo de direitos sociais para o crescimento econômico pode representar um argumento contundente para uma adequada defesa interdisciplinar frente a concepções econômicas ortodoxas.

Nesse sentido, a propósito do direito social à saúde, o informe da Comissão “Macroeconomia e saúde”, da Organização Mundial da Saúde313, aponta que

investimentos nessa área podem acelerar o avanço econômico em diversos aspectos, considerando que pessoas saudáveis se tornam mais produtivas, assim como bebês e crianças saudáveis podem ter um maior desenvolvimento físico e intelectual, com reflexos em sua produtividade futura. De seu turno, a pobreza, a fome e a carência de serviços de saúde, sobretudo preventivos, abalam a capacidade produtiva de adultos e diminuem a potencialidade de crianças para sua vida futura. Ademais, segundo o documento, a melhoria dos serviços de saúde poderia reduzir taxas de fertilidade, ampliar investimentos em capital humano, aumentar a economia doméstica, assim como propiciar maior investimento estrangeiro e maior estabilidade social e macroeconómica, gerando inúmeros benefícios econômicos diretos e indiretos.

Amartya Sen e Bernardo Kliksberg reafirmam a validade desses estudos sustentando que investimentos na área da saúde são elementos essenciais tanto para o crescimento econômico quanto para um desenvolvimento amplo: “todos os países bem-sucedidos realizaram previamente grandes investimentos em melhorias de

313 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Macroeconomia e Saúde. Genebra: OMS, 2002. Disponível em: www.who.int/macrohealth/infocentre/advocacy/en/investir_na_saude_port.pdf. Acesso em: 14 jul. 2018.

saúde. Os avanços na saúde foram, no seu caso, pré-requisito para o desenvolvimento, e não apenas uma consequência deste”314. A “qualidade” de uma

população, elemento imprescindível ao desempenho do país no cenário econômico internacional, é diretamente determinada pela política de saúde de um país315.

A questão sanitária está relacionada a essa abordagem. Estudo elaborado pelo Instituto Trata Brasil, em parceria com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo316, demonstra que maiores investimentos em serviços de água e esgoto

no Brasil poderiam diminuir os afastamentos da escola e do trabalho, reduzir as internações hospitalares e gastos com saúde associados, aumentar a produtividade dos trabalhadores, promover valorização imobiliária, além de favorecer o turismo nas áreas carentes de água tratada, coleta e tratamento de esgoto. Segundo o estudo, os benefícios econômicos associados a essas melhorias ultrapassariam em muito os custos de investimentos para a universalização do saneamento básico. Uma conclusão tal que também é compartilhada pelo Relatório da Organização Mundial da Saúde, apontando que, para cada dólar investido em água e saneamento no mundo, seriam economizados 4,3 dólares em custos de saúde317.

Essas pesquisas demonstram empiricamente o que é intuitivo à cognição comum das pessoas: não é possível pensar em indivíduos produtivos quando vivem em ambientes insalubres, carecem de alimentação adequada, estão suscetíveis a doenças sem o devido tratamento. Tais carecimentos básicos representam obstáculos às capacitações humanas, inviabilizando que o indivíduo viva uma vida que possa almejar e que contribua produtivamente para a economia e para a sociedade. E, o mais grave, quando tais carecimentos alcançam gestantes, bebês e crianças, impactam não apenas o presente, mas também o futuro, comprometendo as potencialidades dos indivíduos para sua vida adulta.

Transposto o raciocínio à análise da produtividade de um país, é indutiva a conclusão de que a sua performance econômica como um todo é afetada. Ora, não é possível pensar em uma produtividade global adequada quando 52 (cinquenta e dois)

314 SEN, Amartya; KLIKSBERG, Bernardo. As pessoas em primeiro lugar. p. 141. 315 SEN, Amartya; KLIKSBERG, Bernardo. As pessoas em primeiro lugar. p. 140.

316 INSTITUTO TRATA BRASIL. Benefícios Econômicos e Sociais da Expansão do Saneamento

Brasileiro. São Paulo, 2017. Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/datafiles/estudos/beneficios- ecosocio/relatorio-completo.pdf. Acesso 15 jul. 2018.

317 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Investing in water and sanitation: increasing access,

reducing inequalities. Geneva, 2014. Disponível em: www.who.int/water_sanitation_health/publications/glaas_report_2014/en/. Acesso em: 15 jul. 2018.

milhões de pessoas, cerca de um quarto de sua população total brasileira, ainda vive abaixo da linha da pobreza, e quando cerca de 60% (sessenta por cento) desse segmento populacional não tem acesso simultâneo ao abastecimento de água, ao esgotamento sanitário coletor e à coleta de lixo318.

Não é de surpreender, nesse sentido, o resultado de diversos estudos demonstrando que políticas públicas de transferência de renda a famílias carentes também teriam impactos favoráveis à economia. A propósito do programa Bolsa Família319, por exemplo, o estudo de Neri, Vaz e Souza trazido em publicação do IPEA,

indica que uma transferência de R$ 1,00 pelo programa geraria R$ 1,78 em termos de aumento do PIB (um multiplicador de 1,78)320. O resultado seria explicado pelo

direcionamento das transferências a famílias mais pobres, com alta propensão para o consumo, estimulando a produção de setores de atividades e incrementando a remuneração do trabalho, em um “fluxo circular da renda”. Ademais, outros estudos, ainda que não apontem resultados tão substanciais em termos de incremento de Produto Interno Bruto - PIB321, convergem para reconhecer a melhoria de indicadores

de repetência escolar, de desigualdade educacional, de mortalidade infantil, de consumo das famílias e de desconcentração de renda322.

A toda evidência, dados os limites do estudo, não se mostra possível uma análise aprofundada acerca da adequação, ou não, dos critérios de programas de

318 SÍNTESE DE INDICADORES SOCIAIS. Uma análise das condições de vida da população

brasileira. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101459.pdf. Acesso em 15 dez. 2017.

319 Trata-se de benefício instituído pela Lei n. 10.836/04 e regulamentado pelo Decreto n. 5.209/04, com redação atual pelo Decreto n. 9.396/18, prevendo transferências de benefícios que vão de R$ 41,00 a R$ 205,00, conforme número de dependentes, para famílias que se encontram em situação de

No documento 2019AndreMottin (páginas 73-87)