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Faltava apenas uma semana para a viagem de Rosângela. E embora parecesse que eles estavam casados, nem ela e nem Lúcio ainda tinham tocado no assunto de relacionamento sério. Mas era hora de enfrentar os fatos, afinal de contas, não se pode podar um relacionamento desses como se ele não tivesse acontecido. Marcaram então um encontro à beira do Lago do Taboão, no local onde era só deles.

Lá se encontraram na tarde daquele dia e o clima, certamente, era de velório.

Já sabiam sobre o que falariam e já sabiam que o final não seria tão feliz como se gostaria que fosse. Lúcio havia chorado, era nítido. Rosângela, como sempre, segurava as pontas.

Se olharam de longe e ao se encontrarem deram um abraço que durou minutos seguido de um demorado beijo, daqueles que os casais costumam dar nos seus parceiros nas despedidas de aeroportos. Deram uma volta no lago de mãos dadas como se nada estivesse acontecendo, conversaram sobre banalidades. Sentaram-se à beira do lago, próxima de uma casinha que costumava ser um restaurante chinês anos atrás, à beira do lago, e ali naquelas escadinhas escondidas choraram juntos um choro cheio de vazio.

O dia que estava ensolarado levou um golpe da vida e entristecera de uma só vez. Notava-se a ausência da cor, a ausência da

vida, a ausência até do som que os pássaros costumam emitir naquela região. O dia ficou tão triste de repente que até as pequenas ondas do lago deram descanso naquele momento.

O dia ficou cinza e sem graça. Rosângela foi direta ao dizer para Lúcio que ela o amava, mas que depois de tanto tempo e dinheiro investido no processo de imigração, ela não poderia deixar tudo isso de lado por uma relação que ela nem sabia ao certo se era uma relação promissora ou não devido à falta de iniciativa dele. Ela não poderia arriscar tudo sozinha, ela simplesmente não poderia.

Lúcio disse que ela tinha razão. Ele concordou imediatamente como se quisesse de fato afastá-la dele.

A atitude de Lúcio foi como uma apunhalada em Rosângela. Ela se sentiu diminuída depois de tantos encontros e depois de tudo o que acontecera, num momento de paixão avassaladora, ela achava que Lúcio pediria ou, ao menos, demonstraria um certo desejo para que ela ficasse.

Ainda que ele fosse jovem o bastante para ter uma atitude madura, era isso que ela esperava dele depois de achar que o conhecia tão bem em tão pouco tempo. Ingenuidade dela talvez. Mas era isso que ela queria, assim como milhares de mulheres que desejam ser amadas enlouquecidamente por um homem como ele.

Rosângela não disse mais nada, apenas terminou aquele momento ali com Lúcio, na esperança de que ele fosse dizer algo que a fizesse ficar, desistir da viagem.

Se os homens soubessem que uma mulher é capaz de qualquer coisa por um romance, eles seriam mais maleáveis, flexíveis e até mais românticos. Ali, Lúcio perdeu a oportunidade de mudar a história, não só de sua vida, mas também a de Rosângela.

Naquele momento, embora ela pudesse ver a tristeza no olhar dele, ele não pediu para ela ficar e nem disse que iria depois. Dando a entender que aquele fora de fato um romance passageiro e que tudo estava acabando ali.

A conversa não ganhou nenhum sentido diferente e naquele dia me parecia que nenhum dos dois queriam sequer se tocar. Se despediram e cada um seguiu seu caminho.

Rosângela foi para casa. No caminho pensou em como queria ser feliz. Em como essa relação tinha tudo para dar certo com Lúcio. Mas não entendia o porquê que a vida era tão estranha com ela. “Por quê?” Se questionava ela.

Rosângela chegou em casa e tinha a impressão de que um caminhão passara por cima de sua cabeça. Tomou um café, água, aspirina para dor de cabeça, colocou música, deitou, revirou-se, mudou de posição, estava incomodada, perturbada, vazia. Não conseguia relaxar nem pensar em outra coisa que não fosse em Lúcio. Perdida em

seus pensamentos Rosângela adormeceu e então sonhou. Em seu sonho estava em um campo, ahhh sim! Aquele mesmo campo verde, extenso, limpo, inspirador.

Como sempre sentia a presença de Deus, a natureza a tocava e ela por sua vez também tocava a natureza. Rosângela e a natureza eram apenas um. Abriu os braços para o sol e sentia que do sol caíam gotículas de chuva que refrescavam sua alma. Sentia a alma nua, sorria e com os braços abertos sentia o abraço da vida. Estava em contato direto com a natureza, com Deus, com a Vida. Estava de bem com o Universo e sentia-se poderosa.

No sonho pensou em Lúcio e olhando para o céu via-o sorrindo. Sentia uma forte atração por ele. Não somente física como emocional. Estendeu as suas mãos para o céu numa tentativa de alcança-lo e frustrada pois, o rosto de Lúcio desaparecia no azul do céu, ajoelhou-se e pediu que Deus a abraçasse. Sentiu a vida lhe abraçar e então no sonho ela também adormecia...

Rosângela acordou já se passavam das sete. Estava escuro, olhou no relógio de ponteiros e viu marcar sete e dez. Subiu até o andar de cima para ver se sua mãe já estava acordada. A casa estava vazia. Rosângela olhou novamente o relógio sete e doze. Chamou pela mãe, sem sucesso. A casa estava vazia o céu estava escuro. Rosângela sentiu um certo calafrio na espinha. Como pode sete e quinze da manhã e o sol ainda não apareceu. E onde está todo mundo? Onde estariam as

pessoas? Olhou pela janela, a rua estava vazia. Se sentiu sozinha como em uma daquelas cenas de filme de terror em que a pessoa está completamente sozinha no mundo. Pegou uma roupa e resolveu tomar uma ducha. O telefone toca, era Lúcio, ela atendeu com um "Graças a Deus o que está acontecendo? Onde está todo mundo?" E Lúcio sem entender muito bem riu e disse "Oi Rosângela, sim, está tudo bem comigo obrigado e você?" Juntos caíram na gargalhada.

Rosângela pediu desculpas pela grosseria e então explicou-lhe que acabara de acordar e que o mundo estava esquisito. O Céu estava escuro e que na sua casa não tinha ninguém. E demonstrou um certo receio por já ser tão tarde e o sol ainda não ter saído. Foi assim que Lúcio lhe explicou que ainda eram sete e vinte da noite e que ela havia dormido apenas algumas horas durante o dia e que ela não deveria se preocupar pois ele estava descendo do ônibus, que por sinal estava parando na frente da casa de Rosângela e que ele estava lá para confortá-la e cuidar dela.

Rosângela sentiu de fato um certo conforto, talvez o conforto que todas as mulheres buscam nos braços de um homem.

Sorriu e percebeu então o papel de boba que ela acabara de fazer. Abriu a porta e lá estava ele com aquela maravilhosa blusa de lã multicolorida que sua prima havia tricotado, trazendo no rosto um sorriso iluminador. Rosângela que estava toda descabelada ficou meio sem jeito, mas a timidez passou quando ele soltou um "Você está linda."

Rosângela sorriu e o convidou para entrar. Se sentaram no sofá e juntos começaram uma longa discussão que durou a noite toda. No dia seguinte Lúcio não tinha aula e, portanto, não estava com pressa.

Lúcio deixou bem claro que estava ali por que queria falar sobre o futuro deles. Rosângela sentiu um certo calafrio. Conversaram durante horas, mas Lúcio não falava nada importante, enrolava o assunto até que Rosângela deu a entender que estava ficando tarde e que eles deveriam se deitar.

Sentindo-se encurralado e sem muito tempo, Lúcio disse à Rosângela que ele sabia que ambos não tinham uma relação séria e nem sabia como seria dali para frente, mas que juntos descobririam, aos poucos, onde essa história acabaria. Ele não prometeu e nem pediu nada à Rosângela e ela por sua vez também não. Ficou claro nesse momento que ambos continuariam se falando, sempre que possível pelo Skype até decidirem o que fazer da vida, mas não chegaram nem perto de tocar no assunto “relação séria” o que não incomodou nem a Rosângela e nem a Lúcio, pois o que eles queriam mesmo era manter contato.

No fundo Lúcio tinha a esperança de que Rosângela fosse detestar a vida no Canadá e que logo ela estaria de volta e Rosângela por sua vez tinha a esperança de que Lúcio se mudaria para o Canadá depois de finalizar os estudos, ninguém dizia nada, mas ambos se amavam e queriam estar juntos. Abraçados adormeceram.

A semana se passou assim numa mistura de alegria e tristeza, hora momentos de euforia e música, hora momentos de depressão e velório. Ao mesmo tempo em que Rosângela estava muito feliz com a nova vida que lhe aguardava seu coração chorava por deixar para trás sua recém descoberta sentimental. Ela não queria deixar Lúcio para trás.... De fato, Lúcio era tudo o que ela mais queria naquele momento. Continuaram se encontrando no restante da semana e o clima era sempre o mesmo, mas quando dormiam juntos, se amavam como se fosse a última vez.

Chegado o dia da partida de Rosângela, todos estavam muito tristes. A família de Rosângela era muito apegada a ela e seus amigos também. Rosângela, uma pessoa muito querida por todos, antes de ir para o aeroporto com sua amiga Telma que a levaria, passou rapidamente para se despedir de Lúcio. Deu-lhe um beijo e pediu calma, pois ela tinha certeza que o Universo faria o impossível para que ambos ficassem juntos se essa fosse a vontade de Deus.

Então abraçaram-se e na imensidão daquele longo minuto se despediram pela última vez. Assim que o carro virou a esquina Lúcio chorou. Chorou como uma criança que acaba de perder o brinquedo preferido. Rosângela seguiu forte o caminho todo. Serena e sábia, sabia que ambos seriam felizes juntos ou separados.

Dito pelo não dito, de qualquer forma Lúcio não pediu que ela ficasse nem prometeu que iria. Seriam então apenas amigos até que a vida resolva mudar os caminhos de seus destinos.

VIDA NOVA, PAÍS NOVO E AMORES

No documento O Condenado. Roberto de Farias (páginas 60-68)