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2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E TEÓRICAS SOBRE O PROCESSO

2.5 UMA VISÃO DA EVOLUÇÃO DO PROCESSO COLETIVO BRASILEIRO

Em 2008, mencionando a oportunidade em 2004, da criação do Código Modelo de Processos Coletivos, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, lembra a ideia que foi reunir num estatuto que não deixasse a menor dúvida, já não existente na doutrina, de que há um sistema

186

GOMES JR., Luiz Manoel. Curso de Direito Processual Civil Coletivo. 2ª ed. São Paulo: SRS, 2008, p. 66.

187 TOZZI, Thiago Oliveira. Ação coletiva passiva: conceito, características e classificação. Revista de

de processos coletivos decorrente da fusão ou da integração da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor188.

Interessante destacar que o autor buscava incutir a ideia, hoje já não tão em voga, pela aparente paralisia que acomete os projetos de Código de Processo Coletivo, em detrimento do acelerado andar do projeto de nova lei da Ação Civil Pública, de fortalecimento do processo coletivo189. Também Ada Pellegrini Grinover assinalava que passados 20 anos de aplicação da Lei da Ação Civil Pública não se pode desconhecer seus méritos, nem suas falhas e insuficiências, pondo em evidência a necessidade e a capacidade do país de elaborar um verdadeiro Código de Processos Coletivos190.

Tratando do Código Modelo para processos coletivos da Ibero-América, Ada Pellegrini Grinover, ao relatar as novas tendências, afirma que os processos coletivos nos países de civil law, em geral, não alcançaram o estágio de amadurecimento e evolução das class actions norte-americanas, mas seguem no sentido de criarem verdadeiros sistemas de processos coletivos, embora não adotem as mesmas técnicas, cunhando institutos próprios, mais consentâneos com os princípios de seus sistemas processuais. Todavia guardam relação com a proteção dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, salvo alguns países (como Áustria, Bélgica, Dinamarca, Japão, Suíça), que não dispõem de verdadeiros processos coletivos, utilizando, neste caso, técnicas do processo civil individual, com inovações, para a tutela dos direitos transindividuais191.

Deve-se alertar que a terminologia direitos difusos e direitos individuais homogêneos é estranha para os sistemas de common law. Nenhum dos termos existe na common law para descrever ações coletivas. Entretanto, ambos os termos tem análogas e contemporâneas aplicações nos sistemas de common law. As duas primeiras categorias de ações de classe americanas, analiticamente, são muito similares ao conceito de ações coletivas difusas nos países de civil law. As alterações com a emenda de 1966 criaram uma nova ação de classe, na

188 MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Efetivação dos direitos fundamentais mediante ação civil pública

para implementar políticas públicas. In: PIOVESAN, Flávia; GARCIA, Maria (Org.). Doutrinas Essenciais -

Direitos Humanos: instrumentos e garantias de proteção. Vol. 5, São Paulo: 2011, p. 66-67. Publicado

originalmente na Revista de Processo – RePro, 163/312, set. 2008.

189 Ibid., p. 68. 190

GRINOVER, Ada Pellegrini. Rumo a um código brasileiro de processos coletivos. In: MAZZEI, Rodrigo; NOLASCO, Rita Dias (Coord.). Processo Civil Coletivo. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 723.

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GRINOVER, Ada Pellegrini. Relatório geral – civil law. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; MULLENIX, Linda. Os Processos Coletivos nos países de Civil Law e Common Law: uma análise de direito comparado. Novas tendências em matéria de legitimação e coisa julgada nas ações coletivas. São Paulo: RT, 2008, p. 233, 235.

Rule 23 (b) (3), a qual permite a recuperação coletiva de danos individuais. Tal ação de classe tem historicamente sido reconhecida como tendo sido criada para proteger um grande número de consumidores, chamadas ações de classe de pequenas causas. Na jurisprudência americana estes são chamados processos de valores negativos. O conceito por trás dos processos de valores negativos é aquele no qual cada lesão individual financeira é tão pequena que trás dificuldades, se não, impossibilidade, para a pessoa litigar contra o réu, usualmente uma grande corporação. Logo, a agregação de um grande número de pequenos danos empodera o grupo tanto a conseguir auxílio, quanto a defender-se do réu com mais segurança. Entretanto, cortes americanas, em inúmeras instâncias, tem entendido que a Rule 23 (b) (3) não é apropriada em casos de danos pessoais, quando as diferenças entre os indivíduos predominam sobre questões comuns de fato ou de direito192.

A respeito das diferenças entre o que denomina de famílias jurídicas, Mauro Cappelletti diz que se existiu algum fosso separando-as, este vem sendo superado, em grande medida pela crescente necessidade de criatividade da função judiciária, que se aplica a ambas as famílias, embora seja de relevo que a forma de provimento dos cargos de juiz permita maior destaque àquele escolhido, em comparação com o juiz de carreira. Mas o autor aponta como distinções, além da própria concepção do direito, a estrutura organizacional dos tribunais superiores, assinalando que nos países de civil law há grande quantidade de juízes, divididos em câmaras, cada uma julgando independentemente da outra, enquanto nos países de common law, verifica-se uma corte unitária, o que reforça a autoridade das decisões do tribunal, inclusive porque rejeitam discutir qualquer tipo de causa, escolhendo aquelas de maior relevância geral e que pareçam de maior gravidade à corte, diminuindo a quantidade de processos e recursos, permitindo mais qualidade, esmero e coerência dos pronunciamentos. Todavia, conclui que “[...] para além das muitas diferenças ainda hoje existentes, potentes e múltiplas tendências convergentes está(ão) ganhando ímpeto [...]”193.

Ada Pellegrini Grivover assinala também certa tendência, embora não generalizada, haja vista o sistema francês e italiano, à ampliação da previsão da ação coletiva passiva, nos países de civil law. De outra ponta, quanto à coisa julgada, com eficácia erga omnes do

192 MULLENIX, Linda. General report – common law. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo;

MULLENIX, Linda. Os Processos Coletivos nos países de Civil Law e Common Law: uma análise de direito comparado. Novas tendências em matéria de legitimação e coisa julgada nas ações coletivas. São Paulo: RT, 2008, p. 267, 269-270.

193 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Tradução Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre:

julgado, nos direitos difusos e coletivos, não se pode falar de uma verdadeira tendência no sentido de adoção do temperamento secundum eventum litis. Já quanto aos direitos individuais homogêneos, tanto se adota a técnica da coisa julgada secundum eventum litis (somente para beneficiar os integrantes do grupo), como os critérios do opt in e do opt out (segundo os quais os titulares dos direitos podem ser instados, após ampla divulgação da demanda, a optar por compor o processo coletivo, ou retirar-se dele), ou ambos194.

O critério opt out sofre sérias críticas em muitos países por permitir que pessoas não participantes da demanda sejam atingidas pela coisa julgada desfavorável, o que feriria os princípios gerais e as garantias como a do contraditório. Por outro lado, quanto ao critério opt in a crítica é que ele esvazia o processo coletivo, o que frustraria os seus objetivos, que são, dentre outros, evitar a multiplicação de demandas, a contradição de julgados e a fragmentação da prestação jurisdicional195.

Se como afirma Eduardo Scarparo, o momento doutrinário do processo coletivo brasileiro já superou a etapa de assentamento dos primeiros conceitos, contraditoriamente, o processo coletivo, nos bancos universitários, em escritórios e em gabinetes de grande parte de operadores jurídicos no país, continua sendo enunciado com ares de novidade, de vanguarda, de evolução da processualística, como uma solução quase mágica – e, por isso, também com seus segredos e mistérios – aos problemas estruturais da organização da justiça brasileira196.

Parece que realmente o direito processual coletivo está a reclamar, como diz Humberto Dalla Bernardina de Pinho, melhor regulamentação e mais atenção do legislador, sobretudo por sua grande importância social197.

Porém, mais que regulamentá-lo, é necessário mais difundi-lo, começando por uma nova cultura do ensino jurídico nas universidades, para que os direitos coletivos sejam conhecidos e protegidos. Não se trata de concebê-lo como solução quase mágica para o fim de

194 GRINOVER, Ada Pellegrini. Relatório geral – civil law. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE,

Kazuo; MULLENIX, Linda. Os Processos Coletivos nos países de Civil Law e Common Law: uma análise de direito comparado. Novas tendências em matéria de legitimação e coisa julgada nas ações coletivas. São Paulo: RT, 2008, p. 240-243.

195 WATANABE, Kazuo. Relatório síntese. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo;

MULLENIX, Linda. Os Processos Coletivos nos países de Civil Law e Common Law: uma análise de direito comparado. Novas tendências em matéria de legitimação e coisa julgada nas ações coletivas. São Paulo: RT, 2008, p. 304.

196 SCARPARO, Eduardo. Controle da representatividade adequada em processos coletivos no Brasil. Revista

de Processo – RePro, São Paulo, ano 37, n. 208, jun. 2012, p. 125.

197 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de ações

civis públicas: primeiras impressões e questões controvertidas. In: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de; RODRIGUES, Marcelo Abelha (Coord.). O novo Processo Civil Coletivo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009, p. 166.

resolver os problemas da justiça brasileira, mas de torná-lo operacional, funcional, difundido e efetivamente utilizado com todos os seus recursos, para que atinja suas finalidades, seus escopos.

Segundo Luiz Manoel Gomes Junior e Rogério Favreto a posição da doutrina ao apresentar os projetos de Código de Processo Coletivo mostram a insuficiência da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor frente à necessidade de aperfeiçoamento e modernização dos mecanismos de tutela de direitos coletivos198.

A proposta de Código Brasileiro de Processos Coletivos se deu na forma de anteprojeto de Código, que depois foi retomado como projeto de lei, que infelizmente, por uma conjunção de fatores e interesses contrários ao aperfeiçoamento do sistema brasileiro de processos coletivos e pela visão equivocada de muitos parlamentares, que não souberam avaliar o real alcance da proposta legislativa, foi rejeitado na Comissão de Constituição e Justiça. Houve recurso do Relator, de sorte que a luta pelo aperfeiçoamento do sistema brasileiro de processos coletivos prossegue no Congresso Nacional199.

Por outro lado, como especifica Ada Pellegrini Grinover, no início de 2009, o Ministério da Justiça retomou o anteprojeto, decidindo-se trabalhar num projeto de lei e não de Código, chegando-se a uma solução de consenso, que em grande parte reproduz as regras do anteprojeto de Código, em outros pontos o aperfeiçoa, mas em muitos não é tão avançada como este. Como vantagem, há a criação de um sistema único de ações coletivas (excluído o Mandado de Segurança, que recebeu recentemente disciplina própria) e melhora do tratamento de alguns institutos até então concebidos com os critérios do processo individual. Por outro lado, não se disciplina a ação coletiva passiva, nem se prevê a legitimação ativa de pessoa física, ou a gratificação financeira aos entes que tenham conduzido a demanda de modo a alcançar benefícios sociais200, além de retirar-se a natureza jurídica de transação do

198 GOMES JUNIOR, Luiz Manoel; FAVRETO, Rogério. Anotações sobre o projeto da nova lei da Ação Civil

Pública: análise histórica e as suas principais inovações. In: MOREIRA, Alberto Camiña; ALVAREZ, Anselmo Prieto; BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Panorama atual das tutelas individual e coletiva: estudos em homenagem ao professor Sérgio Shimura. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 533.

199 WATANABE, Kazuo. Prefácio. In: GOZZOLI, Maria Clara et al. (Coord.). Em defesa de um novo sistema

de Processos Coletivos: estudos em homenagem a Ada Pellegrini Grinover. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 18.

200 Segundo Elpídio Donizetti e Marcelo Malheiros Cerqueira correto o projeto, neste aspecto, porque a

adequada atuação é um dever processual e não algo a ser recompensado financeiramente, não parecendo razoável impor ao réu mais um ônus financeiro. DONIZETTI, Elpídio; CERQUEIRA, Marcelo Malheiros.

acordo resultante do Termo de Ajustamento de Conduta, firmado administrativamente com os órgãos públicos legitimados, o que gera insegurança jurídica201.

Referida lei teria o condão de substituir diversos dispositivos repetitivos202 e revogar vários dispositivos de diversas leis203, passando a ser a norma disciplinadora de todo o Sistema Único Coletivo, atuando como regra geral, integradora e sistemática204.

Não obtém, todavia, o sopro que parece fazer avançar mais rapidamente o projeto de novo Código de Processo Civil205.