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UNCITRAL – Guia legislativo sobre o regime da insolvência

No documento A insolvência nos grupos de sociedades (páginas 57-59)

IV. Insolvência das sociedades em relação de grupo

4.4. Diplomas internacionais e ordenamentos estrangeiros

4.4.4. UNCITRAL – Guia legislativo sobre o regime da insolvência

A Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional lançou, em 2010,um guia legislativo sobre o regime da insolvência144, que contém (exemplos) de medidas que podem ser adotadas pelos estados, nesta matéria da insolvência. Na parte terceira desse guia, vem precisamente, o tratamento que deve ser dado aos grupos de empresas em situação de insolvência. Considerando o tema deste estudo, destacamos apenas as recomendações previstas nessa terceira parte do guia.

Começamos pela permissão de solicitação conjunta de abertura de processo de insolvência de duas ou mais sociedades de um mesmo grupo. Conforme as recomendações 199 a 201, as disposições relativas à solicitação conjunta de abertura do procedimento de insolvência com respeito a dois ou mais empresas de um grupo, ao permitir que as empresas integrantes de um grupo que reúnam as condições para abrir processos de insolvência, o façam conjuntamente, facilita o exame coordenado dos processos de insolvência dessas empresas do grupo. Além de que, habilita o tribunal a obter mais informações acerca do grupo de empresas, o que facilita a determinação, se deve proceder ou não com a abertura de um processo de insolvência a respeito de cada uma dessas empresas do grupo. Promove, ainda, a eficiência e a redução de custos de abertura desses processos. Isto, contudo, não implica o afastamento dos requisitos da insolvência, pois cada empresa individualmente considerada deve reunir as condições exigidas para abertura do processo.

Segundo este guia, quando o regime da insolvência preveja a solicitação conjunta, conforme o indicado na recomendação 199, deve também, especificar quem poderá apresentar esse pedido: dois ou mais empresas de um grupo ou um só credor, desde que seja credor de cada uma das empresas do grupo que inclui na solicitação.

Também vem previsto, nas recomendações da UNCITRAL, a coordenação processual de processos de insolvência abertos a respeito de dois ou mais empresas de um grupo. Segundo as recomendações 202 a 210, o regime da insolvência deve especificar que, os processos de insolvência a respeito de dois ou mais empresas que pertencem a um grupo, podem ser coordenados para fins processuais. A coordenação processual pode consistir, por exemplo, na nomeação de um único ou mesmo administrador da insolvência, na coordenação das audiências ou intercâmbio de

informação. O regime da insolvência deve ainda especificar o momento para apresentar o pedido de coordenação processual e as pessoas legitimadas a faze-lo. O regime também dever indicar que, poderá ser modificado ou revogado esse pedido de coordenação processual, desde que não afecte nenhuma medida ou decisão já adotada a propósito desse pedido

Já à consolidação substantiva, aparece como exceção ao princípio básico da personalidade jurídica própria de cada sociedade, justificada em circunstâncias limitadas. Segundo o disposto, no guia da UNCITRAL (recomendações 219 a 231), o tribunal poderá ordenar a consolidação patrimonial a respeito de duas ou mais empresas de um mesmo grupo, unicamente, nas circunstâncias a seguir indicadas145:

a) Se o tribunal tiver a convicção de que os ativos e passivos das empresas do grupo afetados estão de tal formas interligados, que não cabe delimitar a propriedade dos bens e das obrigações sem incorrer em gastos e demoras injustificadas.

b) Quando o tribunal estiver convencido de que as empresas de um grupo praticam atividades fraudulentas ou negócios sem legitimidade comercial, e a consolidação patrimonial é essencial para endireitar as ditas atividades ou negócios. O regime da insolvência deve, também, especificar quem poderá apresentar o pedido de consolidação patrimonial e o momento para apresentá-lo. Tratando-se de grupos de empresas, a legitimidade para apresentar o pedido146, deverá caber a qualquer empresa do grupo ou credor da empresa, assim como ao representante da insolvência da empresa.

Neste âmbito, o guia faz uma distinção entre a consolidação patrimonial e a coordenação processual e adota o critério de que os tribunais não podem atuar oficiosamente no que diz respeito à consolidação patrimonial, porque a gravidade da medida assim o exige. Por razões de equidade, as partes afetadas devem ser ouvidas e devem poder impugnar a medida.

Quanto ao momento para requerer a consolidação147, consta do guia que será aconselhável que o regime da insolvência adote um critério flexível, permitindo que o

145 Previstas nos parágrafos 106 e seguintes do Guía Legislativa de la CNUDMI sobre el Régimen

de la Insolvencia, Tercera parte: “Tratamiento de los grupos de empresas en situaciones de insolvencia (2010)‖.

146 Previsto nos parágrafos 115 e 116, do Guía Legislativa de la CNUDMI sobre el Régimen de la

Insolvencia, Tercera parte: “Tratamiento de los grupos de empresas en situaciones de insolvencia (2010)”.

pedido seja feito ao apresentar-se a ação de abertura do processo de insolvência ou em qualquer momento posterior, de um processo já aberto.

O regime da insolvência deve precisar os efeitos de uma decisão de consolidação, nomeadamente, que o ativo e passivo de toda a empresa consolidada passam a ser tratados como se formassem parte de uma única massa insolvente e que os créditos contra as empresas do grupo afetadas pela decisão sejam tratados como se fossem créditos contra a única massa patrimonial148.

É mencionado, que a coordenação dos diversos processos será facilitada, se for nomeado um único ou mesmo administrador da insolvência para administrar as diversas empresas do grupo objeto de um processo de insolvência. A designação de um único representante facilitará a coordenação da administração das diversas massas da insolvência, reduzindo os gastos, as demoras e facilitando a obtenção de informação acerca do grupo149.

É ainda recomendado que os regimes de insolvência especifiquem o tratamento que deve ser dado às garantias reais, aos direitos e prioridades de um credor coberto por uma garantia real, bem como às reuniões de credores. Ao fim e ao cabo, o procedimento que deve ser adotado após uma ordem de consolidação patrimonial. Em muitos países, como por exemplo em Portugal, o regime da insolvência não regula estas questões.

Como podemos ver, também neste guia legislativo as matérias relativas a insolvência nos grupos de sociedades foi objecto de um tratamento autónomo e específico. De entre as medidas que podem ser adoptadas, encontramos, precisamente, a coordenação dos processos de insolvência e a possibilidade de uma consolidação patrimonial, em circunstâncias limitadas. Apresenta-se, assim, um importante ponto de partida para uma mudança da visão clássica do processo de insolvência.

No documento A insolvência nos grupos de sociedades (páginas 57-59)