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6. FEMNISMO E UNE: CAMINHOS FÉRTEIS DE LUTA POR DEMOCRACIA, JUSTIÇA E IGUALDADE

6.1 UNE: HISTÓRIA DE LUTA POR LIBERDADE, DEMOCRACIA E JUSTIÇA

Historicamente a UNE sempre esteve comprometida com importantes bandeiras e lutas sociais. Sua atuação é marcante em vários momentos históricos, não apenas reivindicando questões específicas dos estudantes, mas na luta por democracia, liberdade, justiça, soberania.

A história da UNE possui ricos momentos de atuação política dos e das estudantes, na sua maioria jovens30. A UNE foi fundada em 1937, anos próximos da abertura da primeira universidade federal no Brasil. Nos anos seguintes a entidade realizou encontros e congressos anuais que organizavam a luta estudantil. No período da Segunda Guerra Mundial, a entidade debatia os motivos políticos da guerra, suas crueldades. Os estudantes passaram a ter como debate e luta nacional o combate ao nazismo e ao fascismo no Brasil.

No contexto brasileiro, na metade do século XX, O ME passa a discutir o Brasil e suas riquezas nacionais. No período, o protagonismo estudantil com a campanha da UNE “O petróleo é nosso!”, demonstrava uma visão progressista e a atenção não apenas para as demandas dos estudantes, mas de toda sociedade brasileira. Com o nascimento da Petrobrás, em 1953, a campanha foi significativa para garantir que a estatal fosse vendida para grupos internacionais. A Campanha da Legalidade, em 1961, acaba por fazer a sede da UNE ser transferida para RS. O objetivo era pressionar e garantir a posse de João Goulart, assim como, a implementação das reformas de base que ele propunha para o Brasil.

A UNE também foi espaço ativo de arte e cultura. O lançamento do Centro Popular de Cultura (CPC), em 1962, não apenas consolidou a entidade no território nacional, assim como apresentou a possibilidade de organização das e dos estudantes que organizavam-se através da arte, da música, do teatro, etc.

Na década de 60 a 80 a entidade é central no combate à ditadura militar31. No período entre 1964 a 1985, a UNE entra na clandestinidade e sua sede no Flamengo, Rio de Janeiro, em 1° de abril de 1964, é metralhada, invadida e incendiada pelo regime militar. Durante todo esse período segue a resistência e organização a partir

30 Disponível em: <http://www.une.org.br/memoria/>. Acesso em: 19 jun. 2017.

das entidades estudantis em todo o território nacional. Mesmo na clandestinidade, a UNE atua nas ações contra a ditadura e, por conta disso, estudantes são perseguidos, torturados e mortos. A luta pela liberdade humana, foi a mais importante bandeira dos estudantes para a construção de um Brasil e de um mundo melhor. Muitas mulheres e homens, corajosas e corajosos, perderam suas vidas, através das violências mais atrozes, por buscarem a construção de direitos humanos e por dignidade.

O protagonismo, no período, não foi apenas dos estudantes, mas também das estudantes. Na luta contra a ditadura, as estudantes foram ativas na ação política pela democracia no Brasil e nos debates feminista da época. Naquela época, assim como no período de retomada dos EMEs, o feminismo era acusado de enfraquecer a luta da classe trabalhadora. Nas entrevistas, as diretoras da UNE reforçam a luta interliga entre classe, gênero, raça. Afirmam as lutas como complementares e não como divisão de participação política. Segundo registros em sites32 e documentos que falam da atuação das estudantes no período da ditadura militar, desde aquela época a organização das estudantes e sua relação com o feminismo, não era considerada central para pensar um novo mundo. É possível identificar diferentes compreensões também sobre o feminismo e a participação e ação política:

Para a maioria das organizações de oposição ao governo a luta das mulheres não era identificada como parte essencial da libertação do povo, o essencial era a luta de classes – o mais viria como decorrência – assim as feministas foram muitas vezes acusadas de trazerem questões pequeno-burguesas para o debate político perdendo o foco da luta mais geral contra o regime militar. Por outro lado, durante esse período houve um forte debate, que acompanhou o movimento feminista, sobre se as mulheres deveriam atuar na luta geral contra a ditadura ou na luta especifica pelos direitos das mulheres; ou mesmo nas duas juntas.

Em 1968, com as grandes mobilizações políticas, artísticas e culturais pelo fim da ditadura, a UNE engrossa a Marcha dos Cem, no Rio de Janeiro, histórico da história do Brasil. Em 1968 o mundo assistiu mobilizações estudantis em muitas partes do mundo, e no Brasil não foi diferente. Em 1979, a UNE realiza o CONUNE em

Salvador, e a entidade sai da clandestinidade. Além da luta democrática, a entidade também conecta a ela a defesa da educação pública, gratuita e de qualidade, no Brasil. Os estudantes, no período de abertura democrática, pediam a libertação dos presos e presas da ditadura militar. Naquele período, protagonizaram a construção das Diretas Já, importante mobilização popular para a abertura democrática no Brasil. As eleições indiretas levam Tancredo Neves, que morre antes de tomar posse. Em eu lugar o governo de José Sarney. Durante seu governo é construída uma assembleia constituinte, que contou com participação de grande parte da população, de movimentos sociais, sindicatos, incluindo o ME.

No início da década de 90, elege-se Fernando Collor de Melo, nas primeiras eleições diretas do Brasil. O fracasso das políticas econômicas e os casos de corrupção levam grande parte da população, e entre elas, jovens estudantes, a pedir o impeachment de Collor. As e os estudantes foram fundamentais nesse momento político, constituindo o movimento dos Caras pintadas. Em 1992 Collor é afastado da presidência do Brasil.

A partir desse período e durante toda a década de 90, o Brasil passa a implementar políticas neoliberais na economia, refletindo em todas as áreas sociais essa visão de economia e maior ausência do Estado. O ME é ativo na resistência ao neoliberalismo. Do governo Itamar Franco, passando pelos dois governos de Fernando Henrique Cardoso, 1992 a 2002, são dez anos da implementação de políticas de privatização de estatais brasileiras, concessões, e menos investimentos do Estado em áreas fundamentais como educação e saúde. O mercado com seus planos privados e com escolas e universidades privadas passam a fornecer com mais qualidade esses serviços, alcançados por parte da população. A miséria, pobreza e desigualdade social aumentam nesse período. A entrada de empresas privadas de educação é estimulada. Em paralelo as instituições públicas de educação são desvalorizadas e com recursos estagnados.

A partir de 2002, com a eleição de Luís Inácio Lula da Silva, modificam-se as políticas econômica e de atendimento da população. Com o debate da Reforma Universitária em 2005, o ME foi propositivo e para pensar a educação superior no Brasil. Os debates sobre educação, o aumento significativo de investimentos, a ampliação da rede pública, é retomada a importância da universidade pública, de sua

democratização. As estudantes são parte de todo esse período de mudanças sociais, políticas, e na militância no ME e no feminismo, integrando-os, apresentam contribuições para pensar uma nova universidade e sociedade.

Nesse resgate, identifica-se uma trajetória de uma entidade estudantil conectada com as pautas gerais brasileiras, e propositiva na sua ação política. O ME acaba sendo espaço onde muitos e muitas jovens iniciam sua militância política. A história do movimento estudantil reflete essa realidade.

No século XXI, modificou a vida da juventude, no Brasil e no mundo. Assim como mudaram a sociedade, a educação e a universidade, o ME também modificou- se. O ME ampliou seus debates e assim contou com mais representação política em seus espaços. A construção de um novo mundo passa pelo combate às violências. Combater violências é compreender e valorizar o diferente, é entender-se como inacabado. O feminismo que retomou sua presença política, a partir dos EMEs e da construção dos coletivos, é exemplo dessa realidade. Atualmente, por mais que os avanços ocorram mais devagar do que o desejado, as pautas e organização política, os debates e formações, ganharam novas vozes e novas e novos protagonistas.

Por mais que há muitos outros fatos políticos protagonizados pelo ME na história do Brasil, é possível identificar que a UNE sempre esteve comprometida com os debates nacionais, com a luta por justiça, liberdade, democracia, soberania popular. Essa visão contribui na formação de sujeitas e sujeitos políticos, que através do ME passam a conhecer outras visões de mundo, modificando novas possibilidades e escutando novas versões e teorias. Muitas e muitos participantes comprem nesses espaços a importância da organização política. As estudantes feministas demonstram, nas entrevistas e nas Cartas dos EMEs, um olhar para um conjunto de transformações para mudar o mundo, para mudar a vida de mulheres e homens. O mundo que se pretende, não é apenas feminista, mas também ecologicamente sustentável, de promoção da dignidade e respeito profundo ao ser humano, sem distinção. As estudantes apresentam um olhar novo para a política, economia, para as relações de trabalho, universidade, para a realidade da miséria e pobreza.

A UNE, como outros movimentos sociais e populares, apresenta muitas contradições em seu cotidiano, mas elas ocorrem porque também se apresentam como espaços coletivo convivência e atuação política. É importante pensar que

vivenciamos o mundo que queremos transformar. Nesse caminho, não é tarefa simples a desconstruções de verdades introjetadas. Em muitos casos, inclui mudanças em privilégios, o que dificulta processos. É preciso uma visão de mudança não apenas de uma sociedade patriarcal, mas capitalista, racista, colonial, heteronormativa. Ainda vivemos em um mundo extremamente desigual e violento, assim como em seus espaços de poder, bastante masculinos. A UNE é espaço para pensar essa realidade, e praticar novas possibilidades. O caráter histórico de lutas da UNE contribuiu para a formação dos espaços de auto-organização das estudantes. É importante que as lutas encontrem-se nos espaços de formação e atuação política, como a UNE, para que sejam construções coletivas, democráticas, e que não percam a riqueza de sua pluralidade.

6.2 ENCONTRO DE MULHERES ESTUDANTES DA UNE E FEMINISMO: