No Brasil, segundo Santos (SANTOS, 1994, p. 17-27), a urbanização
foi acelerada a partir dos anos 1950, e logo se caracterizou pela metropolização e
expansão sobre as áreas rurais. As perspectivas são de contínua aceleração do
fenômeno nos próximos vinte anos: as cidades locais e os centros regionais
aumentarão em número; as cidades intermediárias e médias crescerão em volume
e continuarão a atrair as classes médias; as metrópoles regionais tenderão a
crescer mais do que as metrópoles localizadas na Região Sudeste e estas
continuarão a atrair os pobres em busca de algum tipo de emprego.
São Paulo é o melhor exemplo nacional do ritmo da urbanização
brasileira, análogo ao da Cidade do México (SOUZA, 1994, p. 38), com crescimento
igualmente espetacular.
Na década de 1950 falava-se na Grande São Paulo (GSP) e a
cidade, segundo Petrone (1958, p.155), recebia denominações que atestavam o
surgimento de uma nova realidade urbana: “[...] ‘Metrópole internacional’, a ‘cidade
‘capital industrial do Brasil’, a ‘capital de capital’, a ‘cidade dinâmica’.”
Concomitantemente a verticalização residencial, a industrialização, a implantação
de rodovias e a abertura de modernas avenidas de fundo de vale, ao
desenvolvimento dos meios de comunicação e do expressivo setor bancário,
espalhavam-se os bairros populares a sudeste e a leste, cada vez mais distantes,
frutos da valorização do solo urbano central e da difusão do transporte coletivo por
ônibus. Souza assim resume o período: “[...] fase de enorme caos urbano45 –
símbolo de um crescimento incontrolado” (SOUZA,1994, p. 50). Evidência disso era
a grave crise habitacional e a precariedade na oferta de serviços públicos de toda
espécie para as periferias que se espraiavam.
No processo de consolidação da Metrópole, entre 1960 e 1980, é
importante, do ponto de vista institucional, a criação em 197346, da Região
Metropolitana de São Paulo (RMSP). O crescimento populacional continuou
acelerado (Tabela 2.1) até 1980, resultando, nessa data, em um total populacional
que correspondia à cerca de 10,36% da população do país, enquanto o Grande Rio
de Janeiro, com 5.093.232 habitantes, a segunda maior região metropolitana do
Brasil, correspondia a 6,33%, em 1980.
Tabela 2.1 Evolução da População Residente - Estado de São Paulo, Região Metropolitana de São Paulo e Município de São Paulo. 1872 – 2000
Ano ESP(*) RMSP MSP 1872 837.385 - 31.385 1890 1.384.753 - 64.934 1900 2.282.279 - 239.820 1910 3.238.092 - 375.439 1920 4.592.188 - 579.033 1930 5.882.554 - 887.810 45
Compreende-se “caos urbano” como sinônimo de intensas transformações e não como um processo sem uma lógica dominante.
46
No mesmo ano foram criadas as seguintes nove regiões metropolitanas no País: Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Fortaleza, Belém e Maceió.
1940 7.180.316 - 1.326.261 1950 9.134.423 - 2.198.096 1960 12.809.231 4.791.245 3.781.446 1970 17.771.948 8.139.730 5.924.615 1980 25.040.712 12.588.725 8.493.226 1991 31.546.473 15.416.416 9.646.185 1996 34.407.358 17.266.781 9.839.436 2000 36.909.200 17.833.212 10.405.867
(*) Estado, Capitania ou Província, a depender da data.
Fontes: IBGE, Censos Demográficos; SEADE, Anuários Estatísticos; EMPLASA, Sumários de Dados (vários anos de publicação)
O incentivo do governo central às atividades econômicas em outras
áreas do território nacional e sua intervenção no urbano – constituindo a partir dos
anos 1970 uma estrutura de planejamento, de legislação urbana e de oferta de
serviços –, fizeram com que a RMSP diminuísse o ritmo de crescimento que,
mesmo assim, deixou de ser expressivo. Apesar da desconcentração das atividades
produtivas a partir da década de 1980, a mancha urbana na RMSP continua a se
espraiar em áreas cada vez mais distantes dos bairros intermediários, inclusive em
áreas de mananciais, em processo marcado pela lógica dos loteadores
clandestinos47.
O poder público, historicamente implantador de serviços que
deveriam interessar tanto às empresas como à população em geral, parece ter se
tornado totalmente refém das grandes corporações, situação que Santos (SANTOS,
1990.a, p. 94) caracterizou como a de uma “Metrópole corporativa e fragmentada”,
marcada por uma extrema desigualdade social.
Neste início de século a RMSP é um dos quatro maiores
aglomerados urbanos do mundo com 17,8 milhões de habitantes, atrás somente de
Tóquio (26,4 milhões de habitantes), do México e Bombaim (ambas com 18,1
47
milhões)48. E, ao contrário do que ocorreu com o Município de São Paulo, na
década de 1990, a população dos outros municípios da região continua a crescer de
modo significativo como também se observa na Tabela 2.1.
A população é desigualmente distribuída. Há municípios que
possuem mais de 500 mil habitantes como Osasco, Santo André, São Bernardo do
Campo e Guarulhos e, outros que possuem menos de 20 mil pessoas, como São
Lourenço da Serra, Pirapora do Bom Jesus e Salesópolis. (Tabela 2.2) Segundo a
Emplasa (2000), a mancha urbana contínua da região (Figura 2.1) possui cerca de
2.500 km2 (em 1930 possuía 355 km2 e em 1980, 1.370 km2), o que equivale à
cerca de 150 mil hectares e corresponde a 10% da população do país, concentrada
em cerca de 1% do território. A mancha aumentou 436 km2 em apenas 15 anos, o
equivalente ao surgimento de duas cidades de Recife. Grosso modo, estende-se
compactamente, no sentido oeste-leste, do município de Jandira a oeste, ao
município de Mogi das Cruzes a leste; e no sentido norte-sul, estende-se do distrito
de Parelheiros, ao sul do Município de São Paulo ao distrito de Tucuruvi, ao norte.
Para sudoeste atinge Itapecerica da Serra, para nordeste chega a Arujá, para
noroeste Santana de Parnaíba e para sudeste engloba todos os municípios do
ABC.49 As maiores densidades demográficas da região estão no eixo norte-sul e no
braço que se estende para sudeste, com aproximadamente 155 hab./ha, quando a
média da região fica em torno de 80 hab./ha. A área mais compactamente
urbanizada está num quadrilátero de 30 km no sentido norte-sul e 50 km no sentido
leste-oeste ao longo da calha do rio Tietê.
48
Dados de referência obtidos no documento World urbanization prospects: the 1999 revision. ONU: 2001, Tabela 5, p. 8. Disponível em:
< http://www.un.org/esa/population/pubsarchive/urbanization/urbanization.pdf >. Acesso em: 2 dez. 2001.
Tabela 2.2 População Residente – Região Metropolitana de São Paulo, Sub- Regiões e Municípios - 2000
Município Área (Km2) População
Sub-Região Nordeste Arujá 96 59.080 Guarulhos 334 1.071.299 Santa Isabel 361 43.473 Total 791 1.173.852 Sub-Região Norte Caieiras 104 70.849 Cajamar 135 50.244 Francisco. Morato 45 133.248 Franco da Rocha 143 107.997 Mairiporã 307 59.708 Total 734 422.046 Sub-Região Sudoeste Embu 68 206.781 Embu-Guaçú 171 56.709 Itapecerica da Serra 136 129.156 Juquitiba 550 26.479
São Lourenço da Serra 192 12.185
Taboão da Serra 20 197.460 Total 1.137 628.770 Sub-Região Leste Biritiba-Mirim 414 24.567 F. de Vasconcelos 25 141.939 Guararema 262 21.880 Itaquaquecetuba 83 272.416
Mogi das Cruzes 731 329.680
Poá 17 95.724 Salesópolis 418 14.330 Suzano 185 228.439 Total 2.135 1.128.975 Sub-Região Sudeste Diadema 32 356.389 Mauá 67 363.112 Ribeirão Pires 107 104.336 RioGrande da Serra 31 36.352 Santo André 181 648.443
São Bernardo do Cpo. 411 700.405
São Caetano do Sul 12 140.144
Total 841 2.349.181 Sub-Região Oeste Barueri 61 208.028 Carapicuiba 36 343.668 Cotia 325 148.082 Itapevi 79 162.421 Jandira 22 91.721 Osasco 68 650.993
Pirapora do Bom Jesus 99 12.338
Santana de Parnaíba 176 74.722
Vargem Grande Pta. 38 32.548
Total 904 1.724.521
São Paulo 1.509 10.405.867
Total Geral 7.947 17.833.212
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000
49
Relembrando, a Região do ABC corresponde aos municípios da Sub-Região Sudeste da Tabela 2.2.
O Produto Interno Bruto de US$ 147 bilhões da RMSP corresponde
à cerca de 25% do total brasileiro e a renda per capita, de US$ 8.758, é quase o
dobro da média nacional. A função principal da região não é mais a industrial,
apesar do parque abrigar mais de 40 mil estabelecimentos, e sim a de serviços:
gestão, controle e consumo, sobressaindo as atividades de planejamento,
marketing, seguros, comércio, publicidade, consultoria, finanças e entretenimento (as chamadas atividades imateriais), as quais são intimamente dependentes dos
sistemas de comunicação, transporte e circulação.
Diariamente são realizadas 30,5 milhões de viagens: 12 milhões em
transporte coletivo, 10,4 milhões a pé e 8,1 milhões em transporte individual. A frota
de veículos individuais chega a 6,8 milhões de unidades, o que corresponde a 21%
do total nacional.
Apesar dos dados econômicos mostrarem pujança, há na região
uma concentração de 4,3 milhões de trabalhadores que recebem até cinco salários
mínimos; quase um milhão sem carteira de trabalho assinada, a maioria dos quais
são ambulantes e prestadores de serviços domésticos, compondo o que Santos
(1979) denominou “circuito inferior” da economia urbana. O desemprego atinge 1,4
milhão de trabalhadores, correspondendo à cerca de 16% da população ativa da
Figura 2.1 Expansão da Mancha Urbana da Grande São Paulo.
A região possui 4,4 milhões de domicílios, mais de 80% deles com
um ou dois dormitórios; a maioria apresenta densidade de 1,5 a dois moradores por
dormitório; 70% deles são próprios e 45% são habitações precárias. Há três milhões
de pessoas vivendo em cortiços, 65 mil sem-teto e mais de um milhão residem em
mais de 2.000 favelas. E mais de um milhão vivem em áreas de risco: ao longo de
córregos, em charcos, encostas íngremes, sob torres de alta tensão e muito
próximas a linhas de trem.
O sistema de abastecimento de água atende cerca de 98% da
população, mas a perda no sistema é da ordem de 40%. Aproximadamente 82,5%
dos domicílios têm esgoto ligado à rede pública, mas apenas 17% são tratados e,
em 85% das favelas inexiste coleta de esgoto. A desigualdade na distribuição dos
serviços reflete-se na taxa de mortalidade infantil, cuja média de 23 óbitos por mil
nascidos vivos; enquanto em Santo André e São Caetano do Sul a taxa é de 16 e
13 por mil nascidos vivos respectivamente, em Francisco Morato e Biritiba Mirim é
de 19 e 20 por mil nascidos vivos. As causas principais ainda são as típicas dos
chamados países do Terceiro Mundo, ou seja, causas perinatais (59%), doenças
respiratórias (11%), doenças infecciosas e parasitárias (6%)50.
A produção de lixo é em torno de 17 mil toneladas por dia, 99,2%
são coletados e dispostos, sobretudo, em aterros sanitários e lixões impróprios.
Vinte e cinco lixões estão em áreas de proteção de mananciais. Dez mil pessoas
sobrevivem da coleta de lixo nas ruas da Metrópole e recolhem em torno de cem
quilos por dia. Quase 5.600 toneladas por dia de poluentes são lançadas no ar da
50
Conjunto de dados referentes a década de 1990-2000, consultados em várias fontes: Fundação SEADE, IBGE, Emplasa, Sabesp, DAEE.
Região, com cada habitante a respirar por dia cerca de 350 gramas de elementos
nocivos à saúde. As indústrias causam 10% da poluição e os veículos causam 90%.
O rio Tietê recebe mais de 1 milhão de toneladas de efluentes
poluidores por dia; 2/3 da poluição é de origem doméstica e 1/3 é proveniente das
indústrias, das quais 1.217 respondem por mais de 90% da carga poluidora
industrial.
Os dados apontam para um processo de urbanização na GSP, além
de socioeconômico e espacialmente excludente, marcadamente predatório do meio
físico-natural, como ressalta Marcondes:
Os reflexos das formas de urbanização vigentes, com referência à conservação dos recursos naturais, são eloqüentes na Metrópole paulista. Até o início da década de 1990 a superfície urbanizada chegou a pouco mais de 20% do território metropolitano, com 1.765 km2; contudo, os impactos ambientais resultantes são brutais, de acordo com o que pudemos constatar [...]. [...] Os indicadores de incremento da área urbanizada, bem como os dos índices de desmatamento e o último recenseamento demográfico [1991] reafirmam as tendências da desconcentração urbana e da pressão da urbanização sobre os recursos ambientais remanescentes. (MARCONDES,1999, p. 219).
A conjugação de aspectos negativos tende a agravar a situação
metropolitana no atual período, o qual Santos (SANTOS, 1994a, p.17-52) denomina
técnico-científico-informacional. Exige do Estado um posicionamento em face das
demandas por infra-estruturas impostas pelo global (para atrair investimentos
estrangeiros), tão intensas quanto as demandas impostas pelo local e que geram
grave polaridade nas Metrópoles: de um lado, modernos setores de
telecomunicações, de informática e financeiros, serviços especializados e força de
trabalho flexível e qualificada; e de outro lado, conflitos étnicos e raciais,
crescimento de conflitos políticos, manipulação ideológica por meio da mídia, menor
poder de controlar o capital sem raízes.
Em São Paulo, considerada uma cidade mundial, as políticas
públicas do Estado neoliberal têm recrudescido o quadro. Véras assim o
caracteriza:
São Paulo concentra as polaridades das cidades mundiais, apresentando processos contraditórios que abrangem desde as conhecidas tendências à desconcentração metropolitana, à diminuição do número de indústrias e terceirização (em especial com expansão do setor serviços, telecomunicações e informática) até as crescentes exclusão e miséria sociais, o aumento do desemprego, a informatização e terceirização e a configuração espacial desses processos: periferias desequipadas, crise de moradia popular (favelas, cortiços, casas precárias, homeless), condomínios fechados para estratos de renda alta e média e seu contraponto comercial: os shoppings centers. Na desigualdade do espaço estão zonas de deterioração em contraste com áreas de ‘renovação’ urbana e a distribuição diferenciada de ocorrências de chacinas, risco à violência, discriminação, além de cenários de devastação ecológica. (VÉRAS,1999, p. 197. Grifo nosso)
Como o atual período exige maior qualificação da população ativa –
o que é inacessível a todos – pode-se prever um aumento no quadro de
desemprego, subemprego e emprego mal remunerado e uma intensificação do uso
e ocupação inadequados do solo, com conseqüente agravamento dos problemas
socioambientais urbanos, dentre eles as inundações.
Essa descrição da atual Metrópole expõe três aspectos: (i) a forma,
a função e a estrutura do processo de urbanização da GSP; (ii) o tipo de meio
ambiente urbano existente e; (iii) os relevantes danos à vida urbana de episódios de