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urgência de sobrevivência e estratégias para existir nas cidades.

É no exercício permanente de sobrevivência que o homem se insere no meio ambiente e sua inserção envolve a produção do espaço, numa ação cotidiana, em contextos históricos específicos. Os problemas ambientais decorrentes do estabelecimento do homem no espaço são resultados do modo de inserção e exploração do homem para garantir sua existência.

O espaço deve, então, ser compreendido como uma produção social e a questão ambiental não apenas como referente à relação homem-natureza, mas resultante dos impactos da inserção humana no ambiente, dos efeitos das relações entre os homens no ambiente. Desse modo, não compreendemos o espaço como algo abstrato, mas como natureza modificada, sendo o ambiente construído sob linhas e direções de transformação que são determinadas pelos homens e seus modos de apropriação dos recursos da natureza.

Quando nos referimos às transformações que os homens infringiram à natureza e aos processos de desenvolvimento decorrentes dessa transformação, temos em mente o desenvolvimento capitalista como gerador de desigualdades na produção do espaço, produzindo e designando lugares diferenciados para sujeitos humanos com diferentes poderes econômicos.

A questão ambiental, no esteio de nossas reflexões, situa-se no modo complexo com que a inserção do homem no ambiente, a produção e o acesso ao espaço e os recursos nele disponíveis, reproduzem desigualdades e produzem elementos indesejáveis ao próprio desenvolvimento, como as mercadorias que uma vez utilizadas, perdem suas finalidades.

Nos processos de urbanização, a natureza foi sendo posta em lugares determinados e planejados para sua emergência, quando não retirada da paisagem. Neste sentido, o homem passou a intervir, mesmo que mecanicamente, na produção da própria natureza. O homem apropriou-se da natureza, modificou-a num padrão simbólico e lhe determinou lugares e extensões (Rodrigues, 1998).

As áreas urbano-industriais que produzem bens e mercadorias representam a mais intensa modificação no ambiente natural com efeitos diretos na atmosfera e nos ecossistemas terrestres. Nos ambientes urbanos, os fluxos de energia e massas estão concentrados e, em seu dinamismo, geram calor e dejetos.

As alterações ecológicas provocadas pelo dinamismo dos ambientes industriais, muitas vezes ultrapassam o próprio ambiente urbano. Visualmente, a paisagem do ambiente é fortemente alterada pelos processos de urbanização, ocupação de terras e industrialização, entre eles, o relevo, a vegetação, a fauna, a hidrologia e o clima (Drew, 1989: 177).

Embora a urbanização e a industrialização tenham criado oportunidades, na mesma medida, produziram e produzem impactos negativos ao meio ambiente, modificando padrões de equilíbrio. A apropriação dos recursos naturais para fins industriais e de consumo urbano e os efeitos no aumento da população humana produzem a escassez de água e a poluição do ar, o aumento no volume de rejeitos e a gestão inadequada do lixo urbano.

As populações de menor poder econômico tendem a ocupar áreas desvalorizadas do ponto de vista imobiliário, ambientalmente frágeis, como os fundos de vales, encostas, áreas de inundação, infringem a lei ambiental e ocupam áreas protegidas, mas quase sempre deslocam-se para as periferias dos centros urbano.

A relação que muito facilmente se estabelece entre pobreza e degradação atinge imensos grupos populacionais ainda sem voz nos centros urbanos, muitas vezes culpabilizando- os pelos desequilíbrios nos ecossistemas e instaurando uma culpa e responsabilidade individual pela violação de códigos e leis de proteção ambiental.

Para Mueller (1997, p. 82) a segregação “criou um tipo especial de degradação

ambiental de difícil erradicação – aquela que resulta da provisão inadequada de assistência e de serviços públicos básicos às populações pobres em expansão nas aglomerações urbanas”. A

soberania absoluta do mercado vem determinando a produção do espaço como uma instância de dominação econômica (Pereira, 2001, p. 40), onde a própria linha de investimentos públicos afasta-se das áreas onde populações de baixo poder aquisitivo têm que suportar a ausência de serviços urbanos básicos e a habitação ilegal situada em ambientes de risco.

O processo de produção do espaço urbano descrito segue a lógica do sistema capitalista, configurando no plano espacial a emergência da cidade capitalista, a cidade legal e a

cidade ilegal, compondo o retrato de uma cidade da desigualdade. A segregação espacial e as

formas de apropriação do solo urbano resultam no estabelecimento de populações excluídas em terras irregulares.

A própria culpabilização pela ocupação ilegal das terras e a degradação ambiental que se acentua pelo estabelecimento de populações excluídas, tendem a situar estes grupos humanos no lugar da criminalidade, da inferioridade social, da estigmatização, da significação negativa de quem vive na subalternidade do sistema econômico. Então, assistimos à vivência da desigualdade como indicador de diferentes graus de cidadania.

A íntima ligação entre o sujeito e o espaço e as significações que esta relação configura em sua consciência, vai colorir a experiência da subalternidade na exclusão, como

também resultantes das determinações sócio-econômicas. A experiência da desigualdade vivida aos pares e em comunidade, institui ilhas de reclusão social, aprisionando sujeitos e grupos ocupados em elaborar estratégias de sobrevivência no espaço urbano; fazendo destes espaços o continente da degradação ambiental que atinge existências humanas e as degrada.

A degradação daí decorrente é humana, pois o sujeito humano se constitui na sua relação com o contexto sócio-histórico que o abriga e o suporta. A própria concepção de meio ambiente e degradação deve ultrapassar uma perspectiva espacial, atingindo a relação simbólica que funda a consciência e permite, pelas matrizes físicas e estruturais, o fundamento da existência humana.

Neira Alva (1997) nos permite pensar que a degradação ambiental vista nas grandes cidades representa a “transcrição de uma crise social, econômica e política que afeta a

civilização capitalista”, diz ainda que tal crise apresenta-se com maior gravidade nas cidades que

estão na periferia da economia globalizada. Nestas condições, o que ele chama de “tecido urbano” entraria em degradação.

Os processos de exploração de recursos e degradação do ecossistema urbano afetam a esfera sócio-ambiental e, com maiores impactos, “sobre os setores sócio-economicamente

menos favorecidos e, notoriamente, sobre os mais excluídos” (Jacobi, 1997). Com isto, podemos

pensar que tal impacto está definido pelos modos com que certos grupos populacionais acessam os recursos disponíveis e de que forma buscam inserir-se no contexto da vida urbana.

A estruturação do espaço e os planos de gestão ou mesmo a gestão pelo poder público do espaço urbano resultam em contradições. Para Casttels (1983, p. 256), “a organização

gestão, que é a expressão específica do aparelho de Estado ao nível de uma unidade urbana – o que faz levar em consideração vários outros dados que ultrapassam a organização espacial”.

Neste sentido, ações de planificação e repressão vão se regulando para constituir o espaço urbano num espaço de diferenciação social com usos determinados e grupos sociais que o habitam. A produção concreta do espaço urbano resulta de uma confluência de instrumentos sócio-econômicos e jurídico-políticos de regulação social: estratégias de amparo social (sazonais ou de caráter permanente), controle de endemias em grupos específicos (no nível da saúde pública), para citar alguns e ainda, toda a ordem de estratégias discursivas de legitimação da desigualdade social, presentes no discurso cotidiano ou até mesmo no interior do discurso acadêmico.

Deve-se destacar que, dentro do espaço urbano delineiam-se fronteiras, em outros termos, “espaços intrafronteiriços” que, no dizer de Ferreira e Magela (1998) “limitam e excluem,

dentro do mesmo espaço civil, indivíduos e grupos”. Tais fronteiras urbanas podem configurar

limitações para a expressão de necessidades individuais e coletivas de certos sujeitos e grupos, impedindo que a esfera do público revele a diversidade de necessidades e desejos e a conquista de direitos.

A não conquista de direitos e a experiência de sofrimento configurariam formas de ataques à dignidade humana e degradação do que é público, entenda-se no próprio espaço urbano. Criam-se, portanto, espaços diferenciados para a circulação, permanência e existência de grupos humanos; onde deverão, como única alternativa, utilizá-lo para produzir suas formas de sobrevivência.

O espaço das cidades como o lugar que conteria em si os recursos necessários para atender às necessidades de suas populações torna-se escasso. Produção de novos recursos,

mercadorias e riquezas, organização territorial e instrumentos para atender às demandas do homem urbano e do ambiente urbano deparam-se com limites cada vez mais rígidos de suas reproduções.

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