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2.3 PREVENÇÃO DA ENTEROCOLITE NECROSANTE

2.3.2 USO DE PROBIÓTICOS NA PREVENÇÃO DA ENTEROCOLITE NECROSANTE

A maioria dos autores que advogam o uso de probióticos em RN de risco para prevenção da ECN baseia-se na observação das diferenças no padrão de colonização intestinal dos RN prematuros em relação à criança a termo. A permanência desses prematuros em ambiente da UTI neonatal, que possui muitos organismos entéricos com multirresistência bacteriana, associada ao uso de antibiótico parenteral de largo espectro, reforçam a inadequação da colonização intestinal nesse grupo de crianças. Outro fator contribuinte é que, muitos prematuros, especialmente os de muito baixo peso, frequentemente, não recebem nenhum tipo de alimentação logo após o nascimento e quando são alimentados, na maioria das vezes, não conseguem receber o leite da própria mãe (GEWOLB et al, 1999; MILLAR;

WILKS; COSTELOE, 2003; LEE; POLIN, 2003; KLIEGMAN; WILLOUGHBY, 2005).

Bell et al (1978) demonstraram que pacientes em UTI neonatal estão sob maior risco de translocação bacteriana, devido aos altos níveis de bactérias aeróbicas gram negativas na sua microflora. O aumento da colonização com E.coli e K. pneumoniae está associado ao aumento da incidência de ECN, sugerindo o papel da translocação bacteriana e da microflora

intestinal na ocorrência da doença (BELL et al, 1978).

Existe retardo na colonização do intestino, com limitado número e espécie de bactérias, em recém-nascidos em UTI (LAWRENCE; BATES; GAUL, 1982). Hoy et al

(1990) observaram uma mudança quantitativa e qualitativa na flora fecal, antes do início da

ECN, com o declínio na variedade de espécies, tendendo ao predomínio de enterobactérias. Bifidobactérias e lactobacilos são encontrados nas fezes de menos de 5% dos RN de extremo baixo peso dentro do primeiro mês de vida, sugerindo que a baixa colonização com bifidobactéria e lactobacilos pode constituir um fator predisponente para infecção bacteriana

(GEWOLB et al, 1999 ).

Baseado no conhecimento da participação da microflora endógena nas diversas funções do sistema digestório, considera-se que alterações na composição dessa microbiota, observada nos prematuros, podem ser responsáveis por eventos patológicos relacionados a esse sistema, como a ECN. Oferecer probióticos a esses RN pode tratar-se de uma oportunidade de restaurar essa microbiota. Um dos questionamentos é se a oferta exógena de probióticos é capaz de colonizar, mesmo que temporariamente, o intestino do prematuro

Ensaio clínico randomizado, avaliando a colonização de recém nascidos com o uso de Bifidobcterium breve, mostrou que cerca de 70% dos RN suplementados com a bifidobactéria e 12 % dos não suplementados estavam colonizados até duas semanas de idade (KITAJIMA

et al, 1997). Millar et al (1993) e Millar, Wilks e Costeloe (2003) identificaram que o

Lactobacilo GG foi capaz de colonizar o intestino dos prematuros; Li et al (2004) demonstraram a presença mais precoce do bifidobacterium no intestino de prematuros após oferta de Bifidobacterium breve. Agarwal et al (2003) apesar de terem encontrado baixa taxa de colonização em RN prematuros, após uso de probióticos, identificaram que essa suplementação favoreceu a colonização do intestino por germes gram positivos. Em estudo mais recente, Mohan et al (2006) testaram a utilização de Bifidobacterium lactis e observaram o aumento da taxa de colonização por bifidobactérias e redução de enterobactérias no grupo que utilizou o probiótico (MILLAR et al, 1993; MILLAR; WILKS; COSTELEO, 2003;

AGARWAL et al, 2003; LI et al, 2004; MOHAN et al, 2006).

Existem relatos que probióticos compostos por lactobacilos apresentam baixo grau de colonização em RN prematuros extremos, mas que poderia induzir uma colonização com bactérias gram positivas com efeito benéfico para o intestino imaturo (AGARWAL et al,

2003). Rinne et al (2006), avaliando uma intervenção com Lactobacillus GG, nos primeiros

meses de vida, observaram boa tolerância e pouca interferência com a composição ou quantidade da flora natural a longo prazo.

A modulação da microbiota intestinal do recém-nascido, através do consumo de probióticos pela mãe, tem sido defendida por alguns autores. Schultz et al (2004) relataram colonização temporária com lactobacilos GG como possível resultado de colonização materna antes do nascimento. Em estudo recente, Gueimonde et al (2006) sugerem que a administração pré-natal de espécies de probióticos pode ter um forte impacto no desenvolvimento da microbiota no período neonatal. Uma das justificativas para esse fato, é que os Lactobacilos GG podem fornecer condições metabólicas favoráveis para as bifidobactérias. Acredita-se que novas técnicas de biologia molecular possam avaliar melhor a influência da flora vaginal materna, após uso de probióticos, na microflora endógena do RN

(SCHULTZ et al, 2004; TANNOCK, 2004; GUEIMOND et al, 2006).

Estudos em modelos animais mostraram uma redução na ocorrência de ECN com a utilização de probióticos. Barlow et al (1974) observaram que o uso de lactobacilos preveniu a ocorrência de ECN em ratos com injúria hipóxica. Resultado semelhante foi observado por Caplan et al (1999), utilizando a suplementação de bifidobactérias. Butel et al (1998) demonstraram que a suplementação da dieta de codornas com bifidobactérias prevenia a

ocorrência de lesão cecal induzida por colônias de Clostridium, retiradas das fezes de prematuros com ECN.

A utilização de probióticos na prevenção de ECN em RN foi inicialmente testada em estudo de Hoyos (1999), que, ao avaliarem 1237 recém-nascidos colonizados com Lactobacillus acidophilus e Bifidobacteria infantum, observaram redução na incidência de ECN e na mortalidade relacionada à ECN quando comparado com controle histórico. Em outro estudo, Dani et al. (2002) avaliaram o efeito da administração de Lactobacillus GG (LGG) na redução da incidência de infecção urinária, sepse nosocomial e ECN em RN prematuros com peso de nascimento inferior a 1500g, e não observaram diferença em nenhum desses desfechos, no grupo que utilizou o probiótico. O tipo de probiótico utilizado, o tamanho da amostra e a idade tardia para o início da suplementação podem ter interferido

nesse resultado. (DANI et al, 2002; BELL, 2005).

Existem poucos estudosprospectivos, randomizados, com o objetivo de testar a hipótese

de redução da ECN em prematuros, utilizando bifidobactérias na composição dos probióticos

(LIN et al, 2005; BIN-NUM et al, 2005; ROUGÉ et al, 2009; SAMANTA et al, 2009); e,

em apenas dois deles, a ECN foi o desfecho primário. Em estudo de intervenção randomizado, Lin et al (2005) administraram L.acidophilus e B. infantis na dieta composta de leite humano em 180 RNMBP após 7 dias de vida, e observaram redução na incidência de ECN no grupo que utilizou o probiótico em relação ao grupo controle. Resultado semelhante foi obtido por Bin-Num et al (2005) que, ao utilizar Bifidobacterium infantis, Streptococcus thermophilus e Bifidobacterium bifidus em ensaio clínico com 145 RNMBP, sendo 72 do grupo probiótico e 73 do grupo controle, observaram uma redução da ECN confirmada no grupo de intervenção em relação ao controle de 1,4%, versus 14%, respectivamente.

Algumas metanálises já demonstraram o efeito protetor dos probióticos na prevenção da ECN, embora se observem diferenças entre os tipos de microorganismos utilizados, dose e tempo de utilização (DESHPANDE; RAO; PATOLE, 2007; BARCLAY et al, 2007;

ALFALEH; ANABREES; BASSLER, 2010). A modulação da resposta inflamatória de um

intestino funcionalmente imaturo tem sido o mecanismo mais descrito para explicar a atuação dos probióticos na prevenção da ECN (MARTIN; WALKER, 2008). Entretanto, observa-se, em ensaios clínicos mais recentes que, além da redução na ocorrência de ECN, os RNMBP que utilizam os probióticos apresentam melhor tolerância à dieta, com menor tempo para atingir a dieta plena (MANZONI et al, 2006; ROUGÉ et al, 2009; SAMANTA et al, 2009). O efeito de quatro diferentes espécies de probióticos, em quadros de disfunção intestinal neuromotora pós-infecção, foi estudado em modelos animais, e apenas uma das espécies

modificou o padrão de contratilidade de forma significante. Esse estudo, além de trazer evidência de que os probióticos podem interferir no mecanismo neuromuscular intestinal, chama a atenção para o fato de que a ação de uma determinada espécie de probiótico, provavelmente, não pode ser extrapolada para as demais (VERDU et al, 2004).

Por isso, acredita-se haver um nível de resposta variável, entre as diferentes bactérias probióticas, não só relacionado ao controle na produção de citocinas inflamatórias e indutoras de apoptose pelos macrófagos e células dendríticas mas também interferindo na função motora intestinal (VERDU et al, 2004; PICARD et al, 2005). Considerando que uma colonização intestinal apropriada interfere na maturação funcional e imunológica do intestino; atuar na flora intestinal de recém-nascidos prematuros, visando a favorecer um micro- ambiente não patogênico, pode ser uma saída para combater um dos pontos fundamentais na patogênese da enterocolite necrosante (BELL et al, 1978; MAGNE et al, 2005;

KLIEGMAN; WILLOUGHBY, 2005; CLAUD; WALKER, 2008; NEU; DOUGLAS- ESCOBAR, 2008).

Observa-se, portanto, que, nos últimos anos, houve um importante avanço no conhecimento da patogenia da ECN, na qual fatores predisponentes de injúria da mucosa intestinal interagem de forma complexa, levando a respostas individuais distintas. Entretanto, dados epidemiológicos dessa doença demonstram que sua taxa de ocorrência e de morbiletalidade pouco se tem modificado. Estratégias que possam ser de fácil aplicação nos cuidados perinatais e que atuem em fases consideradas precoces têm sido buscadas nas diversas pesquisas, visando à prevenção desse importante agravo.

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