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MAPA 02: Aspectos geográficas da Ilha de Cotijuba

2. PERCURSO METODOLÓGICO

2.3 O uso dos diários pessoais como fonte para a produção biográfica

Como já falamos anteriormente, por meio da família de Nogueira de Faria tivemos acesso a 4 diários pessoais, 5 de nosso intelectual e 1 manuscrito de seu filho mais velho onde constam dedicatória e conselhos registrados em cada uma das páginas do caderno. Tais ditames foram escritos pelo pai ao filho mais velho que naquele momento saía de casa para estudar em outro Estado. Também acessamos 4 cadernetas de notas.

Os títulos de cada diário ou caderneta foram atribuídos pelo próprio diarista, mas quando ele não o fez (em apenas dois casos77) designamos um título a partir da primeira linha do escrito. Abaixo segue quadro onde constam os títulos dos textos pessoais e os respectivos períodos que eles compreendem. O objetivo é oferecer uma visão geral desse tipo de produção de Nogueira de Faria. Em seguida abordaremos alguns aspectos metodológicos utilizados em pesquisas com textos confessionais, como são os diários, que forneceram aportes a nossa investigação.

QUADRO 4: DIÁRIOS E CADERNETAS CEDIDOS PELA FAMILIA FARIA

Titulo Período Autor Tipo

Folhas Avulsas 1913-1915 Nogueira de Faria Notas

Factos Capitais da minha vida 1925-1928 Nogueira de Faria Diário Lances Principais 1928-1932 Nogueira de Faria Diário Sou gerador de poderosas correntes de harmonia 1933-1937 Nogueira de Faria Diário Fora do lar sob as bênçãos de Deus 1933-1936 Alberto Faria Diário

Presente da Emy 1951 Nogueira de Faria Notas

Novos sonhos de um velho 1953-1955 Nogueira de Faria Diário

Dai-me fé 1954 Nogueira de Faria Notas

Para adeante! 1954 Nogueira de Faria Notas

Fonte: BARBOSA, 2017

Para Cunha (2013) os diários pessoais são formas de inscrição autoral que se configuram em documentos testemunhais e/ou confessionais78 por meio dos quais os

historiadores podem rastrear maneiras de viver e de pensar historicamente datadas e

77 “Folhas Avulsas” (1915) e “Dai-me fé” (1954);

78 No entendimento de Cunha (2013, pp.252-253) a partir de 1980 “os diários pessoais passam a ser vistos como

documentos valiosos para a compreensão de vidas cotidianas, repletas de amor, amizade, ressentimento, mas também marcadas pelos freios morais de determinada época”

“compreender as práticas culturais de uma época, ressaltar elementos para o entendimento de vidas comuns e/ou entrecruzar fatos e tempos e analisar os diferentes sentidos que [a] marcaram” (CUNHA, 2013, p.252).

Eles também podem ser considerados como “uma série de vestígios datados” produzidos para conservar a memória, sobreviver, desabafar, conhecer-se, deliberar, resistir, pensar e escrever (LEJEUNE, 2014). Para Calligaris (1998, p.43) os diários também podem ser escritos por necessidades de confissão, de justificação ou de invenção de um novo sentido.

Lejeune (2014, p. 306) destaca que normalmente “o diarista não tem a vaidade de se acreditar tornar escritor, mas encontra em seus escritos a doçura de existir nas palavras e a esperança de deixar um vestígio”. Para Cunha (2013a, p.130) são esses vestígios que expõem “representações da memória familiar e grupal de seu tempo, tornam possível a instauração de teias de sensibilidades pelo conhecimento de detalhes de acontecimentos sociais, culturais e políticos de uma época”.

Por isso, Almeida (2014, p.301) considera essas fontes fundamentais, isto é, por conterem “informações importantes de determinado personagem, assim como confissões pessoais que podem ajudar a compor o imaginário íntimo desse biografado”79. Cunha (2013,

p.253) corrobora esse entendimento ao afirmar que os diários, “são atravessados pelas tensões e dilemas do mundo em que se inserem”80, podendo “ser um dos recursos mais importantes para

a expressão, o cultivo e a auscultação do íntimo, onde se pode guardar e velar aquilo que constitui uma das facetas para a construção de teias de sensibilidades pela descrição da própria intimidade” (Cunha, 2013a, p.130).

Acerca da importância dessa fonte, Arfuch (2010) considera o diário pessoal um ato biográfico por ser um tipo de escrita aberto tanto à improvisação quanto aos inúmeros registros de linguagem, por isso, essa fonte está mais próxima da profundidade do eu81. Quanto a isso,

Moreira (1996, p.182) afirma que ainda que “documento unilateral e ambíguo, os diários pessoais vêm sendo cada vez mais empregados, enquanto fonte, pela história, em especial pelas revelações que podem conter”.

Desse modo, Cunha (2013, p.251) declara que o diário pessoal “pode salvar do esquecimento ao fixar no tempo vestígios de passados e, assim, escrever se constitui em uma

79 De acordo com esse autor, essas informações vão das mais simples até os sentimentos, paixões ou atitudes do

biografado em um determinado instante de sua vida.

80 Sendo que o texto escrito é “como um remédio eficaz contra o esquecimento, capaz de transcender a fugacidade

da vida” (CUNHA, 2013, p.251).

81Para essa autora o diário pessoal também pode ser considerado “o precursor da intimidade midiática, o que

aprofundou a brecha para o assalto da câmara, o que contribuiu em maior medida para uma inversão argumentativa: antes, o íntimo podia ser dito, não mostrado; agora se mostra mais do que se diz” (ARFUCH, 2010, p.144).

forma de produção de memória e, por conseguinte, em instrumento de construção do passado”. Por isso, atualmente,

[...] a utilização de diários pessoais como fonte documental no trabalho de (re)construção histórica assume cada vez mais um duplo papel: o de permitir ao pesquisador analisar o momento em que foi escrito, ou pelo menos depreender algumas de suas características, e o de informá-lo sobre a trajetória de vida do diarista. A obra é ela e seu próprio tempo. Ou melhor, o tempo de seu autor, enquanto representante de uma determinada sociedade, classe e época, e principalmente enquanto agente de enquadramento da memória (MOREIRA, 1996, p.183).

A despeito disso, o uso dos diários sempre foi uma questão controversa pois

[...] De um lado, o fato de o diário ser um documento cuja origem não se vincula previamente à divulgação, o transforma em uma fonte histórica dotada de grande força (...). De outro lado, por ser basicamente um diálogo do eu consigo mesmo, o diário sempre foi visto como uma fonte antes de mais nada suspeita, pela possível ambuiguidade dos registros nele contidos. Assim, o grande empecilho à utilização dos diários pessoais como fonte para a pesquisa histórica foi sempre a preocupação com a veracidade de suas informações (MOREIRA, 1996, p.182)

Assim, somos chamados a realçar a dimensão da fonte histórica dos diários pessoais de forma a “dotar de significado esses documentos que foram durante muito tempo, desconsiderados por historiadores envolvidos como modalidades de História “racionais”, ditas cientificas, não-emotivas, inauguradas pela modernidade” (CUNHA, 2013, p.252). Reconhecendo que o que muitos identificam como seu ponto frágil, a dualidade, seja justamente sua fortaleza ao se “aproveitar as informações esparsas por ele fornecidas, ou ainda ler nas entrelinhas os silêncios impostos ao texto por seu autor, para complementar as fontes tradicionais (oficiais ou não), e assim de algum modo responder às suas indagações sobre o passado” (MOREIRA, 1996, p.183). A despeito disso, Almeida (2014, p.301) adverte que nos diários pessoais,

Ao mesmo tempo em que o biografado expõe seus pensamentos mais íntimos, ele pode escamotear ou disfarçar certas passagens por temor que seus sentimentos possam se tornar públicos, daí a prudência do pesquisador em desconfiar do que se encontra apontado nesses diários pessoais. O confronto com outras fontes torna-se não só prudente, como necessário por parte do biógrafo.

Em relação às questões metodológicas, Silva & Pereira (2016, p.300) afirmam que “a base do diário é a datação. Essa marca é fundamental para caracterizar o gênero, tanto que a sua ausência pode implicar a ocorrência de outro gênero da esfera autobiográfica como as memórias”. Cunha (2005, p.1) concorda com assertiva e complementa:

[...] uma das características do diário é o fato dele acompanhar o andamento do calendário e, muito embora nem todos os dias estejam registrados, as datas da escrita são importantes na sua composição já que seu poder de convencimento depende mais de sua organização interna que de sua referência ao mundo exterior

Cunha (2013, p.259) aponta que no trabalho com os diários pessoais o historiador “deve primeiramente mapear os temas tratados e, depois, analisá-los como atos de memória, redutos de expressão de sensibilidades que, mesmo em seus traços descontínuos, foram modos de fazer e compreender a vida do dia a dia”.

No entendimento de Moreira (1996, p.180) para fazer isso satisfatoriamente o pesquisador deve perceber que “em muitos casos seus autores apresentam uma maneira meio livre de realizar seus registros, com o que os textos tornam-se por vezes bastante irregulares”. Por isso,

Cabe, portanto, ao historiador problematizar o registro dessa memória individual, na qual o diário é ancorado, como alicerce para o estudo de experiências coletivas. Na escrita do diário confluem o individual e o familiar e a memória que se cria pode ser analisada como uma memória que comporta o pertencimento a um grupo e, como tal, pode ser tratada como uma forma de memória coletiva (CUNHA, 2013, p.259).

Ainda de acordo com essa autora “o historiador deve submeter os diários a uma operação historiográfica viabilizada por ações como: construir hipóteses que problematizem a fonte; cruzar dados desssa fonte com o de outras fontes provenientes de outros locais de produção; considerar o passado ali descrito uma representação do vivido” (CUNHA, 2013, p.260).

Para Moreira (1996) o historiador não deve sobrecarregar o texto com símbolos gráficos. Ela, por exemplo, optou por não apontar a supressão de palavras repetidas ou ainda a inclusão de preposições, artigos, conjunções ou advérbios inseridos para facilitar a leitura dos registros. Nos demais casos, a autora sugere o seguinte uso, que adotamos em nossa tese:

[...]: indica as lacunas deixadas pelo próprio autor, muito provavelmente com vistas a futuros acréscimos.

[?]: é empregada para assinalar a existência de palavra incompreensível, ou omissão do autor.

[sic] indica passagens reproduzidas literalmente, que se mostram incompletas, imprecisas, de significado dúbio, incorreto ou pouco usual (MOREIRA, 1996, p.179)

A historiadora também sugere a utilização de um “índice biográfico”, onde conste o nome completo dos personagens citados, dados sobre o local de nascimento e morte, formação profissional e principais atividades exercidas por eles, com o objetivo de identificar os personagens citados pelo diarista “fornecendo ao leitor dados sobre sua atuação e estabelecendo

vínculos familiares e pessoais” (MOREIRA, 1996, p.180), na medida do possível, também buscamos fazer isso nesta tese.

Por ocasião da leitura e digitação dos diários pessoais de Nogueira de Faria, atendendo à recomendação de pesquisadores mais experientes, foram usadas marcas para identificar no texto digital aspectos que o manuscrito trazia como rasuras, exclusões, correções e inserções posteriores. No caso das exclusões, optamos pela ferramente de “texto tachado”, disponível no editor de texto “Word”, já no último caso, por exemplo, foram usadas as “{ }” para indicar palavras e expressões que foram adicionadas ao texto depois dele ter sido concluído, ou numa complementação a partir de uma segunda leitura feita pelo próprio autor.

Essas foram as recomendações e técnicas que adotamos ao manusear os diários de Nogueira de Faria. Nessa direção, buscamos respeitar ao máximo as opções de nosso intelectual, adotando inclusive os títulos que ele mesmo atribuiu aos seus escritos.

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