• Nenhum resultado encontrado

8 USO DOS MEDIA E ENVOLVIMENTO COM AS ALTERAÇÕES CLI MÁTICAS

No documento [Download Integral] (páginas 195-200)

Alexandra Lázaro, Rosa Cabecinhas e Anabela Carvalho

Resumo

Será que existe congruência entre o nível de conhecimento sobre as alterações climáticas, as percepções de risco, o nível de preocupação e as intenções comportamentais para mitigar as alterações climáticas? E será que o consumo de informação mediatizada influencia significativamente o conhecimento e o envolvimento afectivo com a questão das alterações climáticas? Os resultados de um questionário com uma amostra portu - guesa mostram um nível de conhecimento moderado, e preocupação e per- cepção de risco elevadas, que influenciam parcialmente o comporta mento face às alterações climáticas. Os media são a fonte principal de informação sobre as alterações climáticas e as práticas de uso das fontes de informa - ção têm um impacto significativo em algumas dimensões do envolvimento pessoal com a questão – preocupação e, em menor grau, conhecimento das causas, acções de mitigação e intenções comportamen tais. Contudo, o grau de utilização das fontes de informação parece ter pouco impacto nas percepções de risco e na valência afectiva das imagens associadas às alterações climáticas.

1. Introdução

O estudo reportado neste capítulo51foca-se nos factores que afectam o

conhecimento sobre as alterações climáticas, particularmente o consumo de informação proveniente dos media, e nos factores afectivos e comportamen - tais que afectam o envolvimento com a questão. Diversos estudos sugerem

51Este capítulo é uma tradução modificada do seguinte texto: Cabecinhas, R., Lázaro, A. &

Carvalho, A. (2008) ‘Media uses and social representations of climate change’ in A. Carva- lho (ed.) Communicating Climate Change: Discourses, Mediations and Perceptions, pp. 170-89, Braga: Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho. E-book disponível em: http://www.lasics.uminho.pt/ojs/index.php/climate_change

que a cobertura mediática das alterações climáticas parece influenciar o nível de preocupação com a questão; contudo, o consumo de informação sobre alterações climáticas não conduz necessariamente nem a um bom nível de conhecimento sobre a área em questão nem a um conjunto previsível de atitudes e comportamentos (e.g., Krosnick, Holbrook & Visser, 2000; Mazur & Lee, 1993). Factores cognitivos (como o conhecimento sobre as alterações climáticas), afectivos e comportamentais são aqui perspectivados com base na teoria das representações sociais, pois esta procura compreender o conhecimento comum baseado na linguagem e nas interacções quotidianas e como o conhecimento científico é integrado no pensamento e acções diárias (e.g., Bauer & Gaskell, 1999; Jovchelovitch, 1996; Moscovici, 1961, 1984; ver também o capítulo 7). As representações sociais sobre um determinado assunto integram cognições, afectos e emoções, e comportamentos, cons- truídos na interacção quotidiana com base na comunicação interpessoal e na informação proveniente dos media (Moscovici, 1981). Tal como o conceito de atitudes, as representações sociais incluem cognições, afectos e emoções e comportamentos, mas focam-se na construção social e partilha de signifi ca - dos enquanto que as atitudes são vistas habitualmente como estados indivi - duais, que podem ser influenciados pelo ambiente social (e.g., Jovchelovitch, 1996).

2. Enquadramento teórico

2.1 Conhecimento sobre as alterações climáticas

A investigação sobre o conhecimento sobre as alterações climáticas (e.g., Bord, Fisher & O’Connor, 1998; Brechin, 2003; Dunlap, 1998; Stamm, Clark & Eblacas, 2000) e sobre o impacto dos conteúdos dos media neste conhecimento (Bell, 1994; Corbett & Durfee, 2004) teve início nos anos 90. Os estudos sobre a relação entre o conhecimento sobre as alterações climáticas e factores afectivos (e.g., preocupação, percepção dos riscos associados) e comportamentais (comportamentos e intenções comporta - men tais) são mais recentes (e.g., Leiserowitz, 2005; Lorenzoni et al., 2006; Nave, Schmidt & Pato, 2002). Os métodos mais comuns para avaliar este conhecimento têm consistido em perguntas abertas sobre quais são as causas e efeitos das alterações climáticas (e.g., Dunlap, 1988) ou em ava - liações da contribuição de possíveis causas, incluindo causas esta be - lecidas e incorrectas (e.g., Bord, O’Connor & Fisher, 2000; Stamm, Clark & Eblacas, 2000). Neste estudo baseámo-nos no último método.

O nível de conhecimento leigo sobre as causas das alterações climáticas é baixo, tal como demonstrado por estudos multinacionais (e.g., Brechin, 2003; Dunlap, 1998). No entanto, o nível de conhecimento encontrado é contingente ao tipo de metodologia usada para aferir esse conhecimento. Quando os respondentes seleccionam as causas com base numa lista (e.g., diminuição das florestas, centrais termoeléctricas a carvão e petróleo, escape dos carros), que é uma tarefa de memória de reconhecimento, os resultados encontrados são mais elevados, mas, mesmo assim, há escolhas incorrectas (e.g., aerossóis). No estudo Gallup de 1992 – ‘Health of the Planet’ – a amostra portuguesa mostrou um padrão inconsistente de resposta, fazendo escolhas correctas e incorrectas das causas principais do aquecimento global: a perda de florestas (89%), centrais termoeléctricas a carvão e petróleo (83%), escape dos carros (77%) e frigoríficos e aparelhos de ar condicionado (45%) como causas correctas; centrais nucleares (85%) e aerossóis (67%) como causas incorrectas (Dunlap, 1998). Bord, O’Connor & Fisher (2000) também verificaram que os respondentes, por um lado, subestimam o papel dos automóveis, electrodomésticos, aquecimento cen- tral e ar condicionado nas alterações climáticas e, por outro lado, identificam causas incorrectas tais como aerossóis, insecticidas, centrais nucleares e diminuição do ozono atmosférico.

Em suma, as pessoas parecem ter uma representação genérica e alargada das questões ambientais, não distinguindo com rigor os factores específicos de problemas ambientais diferentes. As confusões mais comuns nestes estudos são a poluição do ar ser vista como uma causa das alterações climáticas e a confusão entre a diminuição do ozono atmosférico e as alterações climáticas (Bord, Fisher & O’Connor, 1998; Brechin, 2003; Dunlap, 1998; Stamm, Clark & Eblacas, 2000).

Relativamente ao efeito de variáveis sócio-demográficas, o nível de escolaridade, o sexo e a idade não parecem estar relacionados com o conhe cimento das causas das alterações climáticas de forma sistemática (e.g., Dunlap, 1988; Stamm, Clark & Eblacas, 2000), mas parece haver uma relação positiva entre ocupação profissional e a compreensão das alterações climáticas, com profissionais qualificados, pessoal de gestão e técnico mostrando uma melhor compreensão que trabalhadores manuais, reformados e desempregados (Stamm, Clark & Eblacas, 2000).

2.2 Preocupação com as alterações climáticas

O nível baixo de conhecimento não implica um nível baixo de preocu pação com as questões ambientais e, particularmente, com as alterações climáticas.

Vários estudos concluíram que as pessoas se mostravam preocupadas com as alterações climáticas mas menos do que com outros problemas ambientais, tais como a poluição do ar e da água (e.g. Brechin, 2003). Sondagens recentes indicam que o público atribui um nível de gravidade muito mais elevado às alterações climáticas do que anterior mente. Por exemplo, numa sondagem GlobeScan/BBC (2009), 63% dos inquiridos de 23 países considerou as alterações climáticas um problema ‘muito sério’, uma subida de 19% desde 1998 nas sondagens realizadas pela GlobeScan. Num Eurobarómetro de 2008 (European Parliament & European Commission, 2008), as alterações climáticas surgiram em segundo lugar como um dos mais sérios problemas mundiais (o primeiro classificado, de entre a lista fornecida aos respondentes, foi a pobreza, falta de comida e água potável).

A investigação publicada mostra que as pessoas estão mais preocu padas com problemas ambientais fisicamente distantes que com problemas locais e que consideram os problemas ambientais distantes mais sérios que os pro- blemas locais. Este fenómeno tem sido designado como hiperopia ambiental (e.g. Lima & Castro, 2005). García-Mira, Real & Romay (2005) incluíram uma dimensão espacial e uma dimensão temporal no conceito de hiperopia ambiental. Verificaram que, com base em avaliações individuais do nível de preocupação com problemas ambientais, os participantes mostravam-se mais preocupados com problemas distantes que com problemas locais e que esta dimensão tinha maior importância na avaliação da preocupação com problemas futuros do que com problemas actuais. Os respondentes também se mostraram mais preocupados com problemas com pouca presença na sua vida quotidiana (e.g, poluição da atmosfera e do oceano, diminuição da camada de ozono, alterações climáticas) do que com problemas com potencial para os afectar directamente (e.g., manipulação genética de alimen tos, aumento do número de carros localmente, incineração local de lixos). Contudo, as alterações climáticas, cujos efeitos se tornarão mais sérios no futuro e que é um problema global, não figurava no topo das preocupações dos respondentes. Na mesma linha, estudos indicam que a gravidade per- cebida das alterações climáticas decresce na seguinte ordem: enquanto pro- blema mundial, enquanto problema nacional, enquanto problema local (Cartea & Blanco, 2008).

Factores externos como as condições meteorológicas, a cobertura mediática e riqueza do país têm sido sugeridos como contribuindo para a preocupação pública com as alterações climáticas. Os participantes nos estudos mostram maior preocupação sob más condições meteorológicas (Ungar, 1992) e maior cobertura mediática (Krosnick, Holbrook & Visser, 2000). A preocupação com problemas ambientais ao nível transnacional não está sistematicamente relacionada com a riqueza do país e partici -

pantes de países mais pobres podem mostrar níveis mais elevados de preocupação com questões ambientais (Brechin, 2003 com dados do estudo Gallup de 1992). Relativamente a factores individuais, Bord, O’Connor & Fisher (2000) verificaram que o nível de preocupação com as alterações climáticas dependia das percepções de risco associadas à poluição ambiental em geral e não dependia do nível de escolaridade.

2.3 Percepções de risco

As percepções de risco leigas são habitualmente diferentes das dos peritos. As percepções de risco dos peritos tendem a assemelhar-se às frequências estatísticas observadas para um evento (e.g. Slovic, Fishhoff & Lichtenstein, 2000). Os julgamentos leigos baseiam-se não só na informação científica e tecnológica mas também em visões do mundo, nos significados afectivos associados ao risco específico e na confiança na gestão do risco (Slovic, 2000).

As percepções de risco associadas às alterações climáticas e outros pro- blemas ambientais têm sido avaliadas principalmente recorrendo a: a) avaliações da ameaça para a saúde e bem-estar do indivíduo e de impactos na sociedade de problemas como crime violento, acidentes de automóvel, SIDA, cancro, doenças cardiovasculares, substâncias químicas perigosas, poluição do ar, aquecimento global e poluição da água (Bord, Fisher & O’Connor, 1998; Bord, O’Connor & Fisher, 2000); b) avaliações da gravidade de problemas diversos (e.g., Dunlap, 1998), a abordagem utilizada no nosso estudo; c) probabilidade das consequências futuras do aquecimento global (Bord, Fisher & O’Connor, 1998); d) imagens afectivas associadas a per- cepções de risco (Leiserowitz, 2005), abordadas no capítulo 7.

Em geral, as pessoas atribuem um risco moderado-alto às alterações climáticas, mas não as vêem como uma ameaça pessoal (e.g. Bord, Fisher & O’Connor, 1998; Bord, O’Connor & Fisher, 2000; Lorenzoni, Nicholson- Cole & Whitmarsh, 2007). Com base em avaliações do risco pessoal e social em diferentes áreas, Bord, O’Connor & Fisher (2000) verificaram que as pessoas não consideram os problemas ambientais um risco muito provável – apenas cerca de 25% dos respondentes avaliaram o aquecimento global e substâncias químicas perigosas como um risco provável e menos de 40% avaliou as poluições do ar e da água como um risco provável (Bord, O’Connor & Fisher, 2000). A probabilidade destas ameaças aumentou consideravel - mente quando os respondentes as avaliaram enquanto riscos para a sociedade – menos de 70% considerou as poluições do ar e da água e subs- tâncias químicas perigosas como riscos prováveis, mas apenas 50% avaliou

o aquecimento global como um risco social provável. No estudo Gallup de 1992 os respondentes portugueses avaliaram os problemas ambientais apresentados como muito sérios, e as percentagens de respostas diminuem na ordem seguinte: perda de florestas húmidas, poluição da água, perda de ozono, poluição do ar e aquecimento global, problemas no solo e perda de espécies (Dunlap, 1998).

O risco é percebido como maior no futuro e em lugares distantes, e não como algo que pode afectar o indivíduo no presente e na zona em que vive (Cartea & Blanco, 2008; Leiserowitz, 2005). Contudo, num dos nossos estudos em Portugal verificámos que os respondentes associavam as alterações climáticas a riscos globais (degelo dos glaciares, furacões e tsunamis), mas também a riscos ambientais locais, nomeadamente secas e incêndios (ver capítulo 7). As imagens afectivas associadas às alterações climáticas são con- gruentes com esta percepção de risco – os estudos demonstram que quando as pessoas pensam nas alterações climáticas pensam principalmente no degelo dos glaciares, no aumento da temperatura, em destruição e doenças e consideram estas imagens afectivamente negativas (Cabecinhas, Lázaro & Carvalho, 2006; Lorenzoni et al., 2006).

As percepções de risco não parecem variar sistemática e significativa - mente em função de variáveis sócio-demográficas como a idade, nível de escolaridade, sexo ou residência dos participantes (e.g., Dunlap, 1998).

2.4 Comportamento e intenções comportamentais na mitigação das alterações climáticas

Apesar do nível de preocupação e do risco associado às alterações climáticas, os respondentes, em geral, reportam apenas vontade ou intenção para realizar algum esforço na mitigação das emissões de gases com efeito de estufa (por exemplo, intenção de adquirir electrodomésticos e automóveis energeticamente mais eficientes), mas não apoiam políticas que interfiram em demasia com a conveniência da sua vida quotidiana (por exemplo, usar menos o automóvel, partilhar o automóvel com outros, diminuir a utilização de ar condicionado e aquecimento central - Bord, Fisher & O’Connor, 1998; Bord, O’Connor & Fisher, 2000; Nave, Schmidt & Pato, 2002).

Outros estudos e sondagens também mostram que as pessoas dizem estar dispostas a pagar para reduzir os impactos das alterações climáticas (por exemplo, preços mais altos para a electricidade e combustíveis), mas estas respostas podem ser devidas parcialmente a considerações de desejabilidade social (cf., Bord, Fisher & O’Connor, 1998). Por exemplo, Krosnick, Holbrook & Visser (2000) verificaram que, após a campanha de apoio ao protocolo de Quioto conduzida pela administração Clinton e o

No documento [Download Integral] (páginas 195-200)