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3 COMPOSTOS AROMÁTICOS DAS UVAS E DOS VINHOS

3.6 E XPLORAÇÃO T ECNOLÓGICA DOS C OMPOSTOS A ROMÁTICOS

3.6.4 Uso de enzimas comerciais

Sendo os mostos particularmente ricos em compostos varietais sob a forma de glicosídeos pode haver interesse em efectuar a sua hidrólise de modo a valorizar a componente varietal do aroma dos vinhos. Pelo que foi referido no ponto 3.2.5.5, a hidrólise enzimática é o método mais adequado à libertação desses glicosídeos uma vez que é susceptível de originar produtos que melhor traduzem a variedade de origem. Essa hidrólise ocorre, pelo que se sabe, por acção de quatro enzimas: α-ramnosidase, α-arabinosidase, β-apiosidase e β-glucosidase. Numa primeira etapa actuam as três primeiras enzimas e na segunda etapa actua a β-glucosidase. Esta última etapa é a que coloca maiores problemas do ponto de vista tecnológico.

O equipamento enzimático da uva está dotado de actividade β-glucosidásica, α-arabinosidásica e α-ramnosidásica (Bayonove et al., 1984; Aryan et al., 1987; Biron et al., 1988; Günata et al., 1993). Destas três actividades, a β-glucosidásica é a mais abundante, estando localizada sobretudo nas partes sólidas da uva, película e polpa (Biron et al., 1988). Mas, a β-glucosidase da uva mostra-se instável e com actividade reduzida ao pH ácido do mosto e do vinho, é inibida pela glucose e tem elevada especificidade no que respeita à aglicona; apresenta fraca afinidade por monoglucosídeos de álcoois terciários como o linalol e o α-terpineol (Aryan et al., 1987; Günata et al., 1990c; Lecas et

al., 1991). Recentemente foi isolada uma endoglicosidase em uvas da casta Muscat d’Alexandrie

capaz de hidrolisar os dissacáridos numa só etapa (Günata et al., 1998), mas apresenta os mesmos condicionalismos tecnológicos da β-glucosidase.

As leveduras, com excepção das pertencentes aos géneros Candida e Debaromyces, não são boas produtoras de glicosidases (Crouzet et al., 1998). Com efeito, as leveduras enológicas Saccharomyces

cerevisiae produzem pouca actividade β-glucosidásica, ainda menos actividade α-arabinosidásica e

praticamente nenhuma actividade α-ramnosidásica aquando da fermentação do mosto; não foi detectada actividade β-apiosidásica (Günata et al., 1993; Delcroix et al., 1994). Por outro lado, as actividades sendo máximas no final da fase exponencial de crescimento, decrescem rapidamente de

seguida; além disso, para temperaturas da ordem dos 18 °C a 20 °C (temperatura de fermentação) a actividade β-glucosidásica é reduzida para 15 % a 20 % do seu máximo (Delcroix et al., 1994). Tal como a da uva, a β-glucosidase da levedura apresenta fraca estabilidade ao pH do vinho e do mosto, sendo no entanto pouco sensível ao etanol (até 10 %) e à glucose (até 100 g/L) (Dubourdieu et al., 1988; Delcroix et al., 1994).

Pelos motivos apresentados, as actividades enzimáticas da uva e das leveduras enológicas não parecem ser capazes de exercer efeitos consideráveis na hidrólise dos precursores glicosilados presentes no mosto e no vinho.

Com o objectivo de encontrar fontes de enzimas mais bem adaptadas a essa hidrólise, vários autores estudaram as propriedades bioquímicas de enzimas de origem vegetal (Günata et al., 1990c), produzidas por leveduras (Vasserot et al., 1991; Rosi et al., 1994; Yanai e Sato, 1999) e por fungos filamentosos (Günata et al., 1990b; Dupin et al., 1992; Orejas et al., 1999). Também foram estudadas as enzimas contidas em preparados comerciais de variadas especificações (Cordonnier et

al., 1989; Dupin et al., 1992; Günata et al., 1993). Os estudos mostraram que os preparados

enzimáticos obtidos a partir do fungo Aspergillus niger apresentam grande interesse enológico já que contêm glicosidases estáveis ao pH ácido do mosto, contrariamente às enzimas da uva e de levedura (Günata et al., 1993). Shoseyov et al. (1988) conseguiram mesmo isolar uma β-glucosidase de Aspergillus niger com a capacidade de catalisar a hidrólise da aglicona dos ramnosilglucosídeos numa só etapa.

Apesar destas propriedades e actividades das enzimas variarem com a origem do preparado

comercial, verifica-se que concentrações elevadas de glucose inibem a actividade das β-glucosidases. Outra característica comum é a sua fraca actividade sobre a hidrólise dos

monoglucosídeos de álcoois terciários como o linalol e o α-terpineol. Refira-se também que a estrutura da aglicona não parece influenciar as actividades α-arabinosidase e α-ramnosidase (Günata et al., 1993). Foi isolada, no entanto, uma β-glucosidase de Aspergillus resistente à inibição pela glucose e estável ao pH do mosto (Günata et al., 1995 referido por Crouzet et al., 1998).

Vários autores demonstraram a importância tecnológica da aplicação destes preparados enzimáticos comerciais ricos em actividades glicosidásicas (Günata et al., 1990d e 1993; Bayonove

et al., 1992; Dugelay 1993; Masqué et al., 1995; Rogerson et al., 1995). Apesar da taxa de hidrólise

dos precursores glicosilados variar de casta para casta, os vinhos obtidos com aplicação de enzimas exógenas apresentaram sempre maior concentração de aromas varietais, principalmente terpenóis,

norisoprenóides e fenóis voláteis. A análise sensorial também considerou os vinhos enzimados mais aromáticos, com notas florais e a frutos, e frequentemente mais típicos.

Pelo que foi referido, há vantagens de adicionar preparados enzimáticos somente quando se pretende elaborar um vinho seco. As enzimas podem ser adicionadas antes, durante ou depois da fermentação alcoólica. No entanto, a β-glucosidase só é capaz de catalisar a hidrólise dos monoglucosídeos quando já não houver glucose no meio.

Esta operação implica a necessidade de remoção da enzima residual que pode ser efectuada por meio de uma colagem. No entanto, este último procedimento poderá ser evitado imobilizando as enzimas em diversos suportes como bentonite e sílica (Galdini et al., 1994), quitina e quitosano (Gallifuoco et al., 1998; Spagna et al., 1998a e 1998b), resinas de troca iónica (Gueguen et al., 1996) ou bolas de alginato de sódio (Vasserot et al., 1993). Além da vantagem enunciada, as enzimas mostram normalmente maior estabilidade quando imobilizadas. Foram também utilizados com sucesso reactores de leito fixo e reactores de leito fluidizado contendo uma β-glucosidase imobilizada em resina Duolite A-568 (Gueguen et al., 1997).

É importante referir que a utilização de preparados enzimáticos comerciais contendo actividades cinamoil-esterases paralelas pode originar teores anormais de 4-vinilfenol e de 4-vinilguaiacol nos vinhos (Dugelay et al., 1993a e 1993b). Conforme referido nos pontos 3.2.5.6 e 3.4.4.5 e ilustrado na Figura 3.18, primeiro a cinamoil-esterase hidrolisa os ésteres dos ácidos hidroxicinámicos permitindo depois que a levedura os descarboxile em vinilfenóis durante a fermentação alcoólica.

Também é de salientar que a gluconolactona presente em uvas com podridão inibe fortemente as β-glucosidases (Lecas et al., 1991; Günata et al., 1993).

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