• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I. REVISÃO DA LITERATURA

4. Avaliação Multidimensional e Utilização de Serviços

4.2. Utilização de serviços comunitários

A pertinência da alocação dos recursos comunitários nos países industrializados justifica-se não só a questão da morbilidade, mas também pela maior necessidade de apoio social e de medidas compensatórias no caso de limitações funcionais (Parker, Ahasic & Thorslund, 2005). Neste sentido, a necessidade de cuidados, que se reflete na procura e utilização de serviços, não pode ser definida com base somente na idade cronológica, mas também tendo em conta o estado geral do idoso, do seu bem-estar, apoio social e nível socioeconómico no contexto/comunidade onde reside (Byles, 2000).

A multiplicidade de diagnósticos na área da saúde que cruza aspetos físicos, mentais e sociais, aponta a avaliação multidimensional como uma abordagem apropriada para a criação de uma imagem mais próxima das necessidades da população idosa. Neste sentido, surge um modelo concetual que assenta em três características: (1) avaliação da capacidade funcional, em cada uma das áreas definidas, classificando o indivíduo em escalas cujas pontuações permitem definir funcionamentos equivalentes; (2) utilização e necessidade de serviços, caracterizando o uso atual e a necessidade sentida, e; (3) avaliação de alternativas de serviços a implementar em resposta às incapacidades detetadas (Rodrigues, 2007). Este modelo é o Older Americans Resources and Services –

Multidimensional Functional Assessment Questionnaire (OARS).

O OARS Multidimensional Functional Assessment Questonnaire é um instrumento de recolha de dados usado a nível mundial, originário dos trabalhos desenvolvidos, desde 1972, pelo Center for the Study of Aging and Human Development, da Duke University. Desenvolvido para avaliar alternativas à institucionalização de idosos dependentes, o sistema de recolha de informação permite a avaliação de programas e a tomada de decisões sobre afetação de recursos e serviços, uma vez que auxilia na identificação de problemas e orienta intervenções (Fillenbaum & Smyer, 1981).

A primeira versão em língua portuguesa foi elaborada por Rodrigues (1999). O OARS- PT é composto por perguntas fechadas, o que permite respostas validamente comparáveis entre si, maior facilidade de resposta e facilidades na análise, codificação e informatização de um instrumento longo, cuja administração demora, em média, 45 minutos. A recolha de dados é realizada através de entrevista pessoal ao idoso ou, no caso de impossibilidade, a um informante-chave ou a ambos.

O questionário é constituído por três partes: (1) lista de indicadores sociodemográficos; (2) parte A – Questionários de Avaliação Funcional Multidimensional (QAFM), e; (3) parte B – Questionário de Avaliação de Serviços (QAS).

A parte A é constituída por 78 questões dirigidas ao idoso e por cinco escalas de avaliação funcional, sendo elas (a) recursos sociais; (b) recursos económicos; (c) saúde

mental; (d) saúde física, e; (e) atividades da vida diária. O entrevistador classifica o idoso em cada uma das cinco áreas numa escala de seis níveis: 1 – muito bom; 2 – bom; 3 – ligeiramente insatisfatório; 4 – moderadamente insatisfatório; 5 – fortemente insatisfatório e 6 – totalmente insatisfatório. As pontuações atribuídas nas cinco áreas permitem enquadrar os participantes num conjunto de características pré-definidas, classificando-os com base em toda a informação recolhida. No final do questionário, o entrevistador emite um juízo quantitativo baseada na informação recolhida ao longo da entrevista.

Por fim, a parte B está direcionada para a avaliação da utilização e da necessidade sentida pela população idosa em relação a uma lista de serviços, nos últimos seis meses. Estes serviços estão agrupados em seis categorias: (a) serviços gerais de apoio; (b) serviços sociais e recreativos; (c) serviços de saúde; (d) serviços de apoio económico; (e) serviços de avaliação e coordenação, e; (f) serviços não classificados (Ferreira & Rodrigues, 1999).

Perracini e Ramos (2002) realizaram um estudo de seguimento de dois anos com o objetivo de identificar os fatores associados a quedas em idosos a residir na comunidade. Foi administrado o OARS (versão brasileira) a 1 667 indivíduos com 65 ou mais anos em dois momentos e foi possível concluir que cerca de 31% dos idosos afirmaram ter caído no ano anterior à primeira avaliação. Durante o seguimento, 53,4% dos idosos não referiram quedas, 32,7% afirmaram ter sofrido queda em pelo menos uma das avaliações e 13,9% relataram quedas em ambas as entrevistas.

Greimel, Padilla e Grant (1997) com o objetivo de examinar a relação entre o autocuidado e variáveis relacionadas com o estado de saúde, doença e tratamento, recursos socioeconómicos, características demográficas e crenças de saúde numa amostra de 227 indivíduos diagnosticados com cancro. Os dados foram recolhidos com o OARS- Questionário de Avaliação Funcional Multidimensional e outras escalas de carácter médico. Concluiu-se que as variáveis relacionadas com o estado de saúde, a doença e o tratamento estão altamente correlacionadas com o autocuidado, sendo que deficiências resultantes do cancro, a saúde física percebida e o estádio da doença são preditores do autocuidado que explicam 57% da variância. A idade, o género, a escolaridade, e a saúde mental percebida explicam apenas 17% da variância.

Hellström e Hallberg (2001) realizaram um estudo com idosos de idade superior a 75 anos, a residirem na comunidade com o objetivo de descrever o estado funcional, as doenças e queixas relativas à qualidade de vida percecionada pelos próprios. O instrumento de recolha de dados foi o OARS Multidimensional Functional Assessment Questonnaire. Os principais resultados foram que a ajuda veio na sua maioria por cuidadores informais (84,1%), e, em 53,1% dos casos, dos cuidados domiciliários de enfermagem. A ajuda dos

casos. O tipo de ajuda incidiu nas atividades instrumentais da vida diária, nas quais se destacam o arrumar a casa, e nas atividades básicas da vida diária, principalmente tomar banho ou duche. Quanto às queixas foram destacadas as relacionadas com a mobilidade e dor e viver sozinho.

Em síntese, o atual cenário de transição demográfica das sociedades contemporâneas é caracterizado por um progressivo envelhecimento da população que despoletou o desenvolvimento da Gerontologia como ciência que se ocupa do estudo do processo de envelhecimento, da velhice e dos idosos, assim como, de áreas mais específicos como é o caso da Gerontologia Social. O processo de envelhecimento individual traz consigo múltiplas mudanças a nível biológico, psicológico e social e, consequentemente, a heterogeneidade é das características mais marcantes dos idosos. Com o aumento da idade, o desequilíbrio entre ganhos e perdas acentua-se, especialmente na 4.ª idade e, por isso, os idosos estão particularmente em risco de se tornarem vulneráveis, seja devido à falta de apoio familiar, a baixos recursos económicos ou a problemas de saúde. Face a estas circunstâncias, a avaliação gerontológica multidimensional torna-se uma peça fundamental no planeamento de políticas públicas no âmbito do envelhecimento bem- sucedido no lugar. Conjugando o conhecimento da capacidade funcional dos idosos com avaliação da utilização e necessidade sentida de serviços comunitários, será possível relacionar as perdas e as disponibilidades de serviços, permitindo uma fundamentada imputação de recursos e alocação de serviços. Trata-se de uma abordagem evidence-

based practice – a partir da existência de suporte empírico baseado na investigação, são

desenhadas intervenções empiricamente sustentadas e existe uma prática de monitorização regular e de avaliação da eficácia da intervenção. Ou seja, este processo inicia-se pela avaliação, no sentido de fazer um diagnóstico, identificar/formular o problema e decidir quais os objetivos ou alvos de mudança (Proctor & Rosen, 2004). Desta forma, implica uma efetiva articulação entre os diferentes serviços existentes na comunidade, na qual o trabalho coordenado das diferentes entidades partilham objetivos comuns, ou complementares, na intervenção vocacionada para o envelhecimento bem-sucedido no lugar.

CAPÍTULO II.