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VÍNCULOS PACTUADOS E VÍNCULOS OBRIGATÓRIOS

5. A EFETIVAÇÃO DAS METAS DE QUALIDADE

5.3. VÍNCULOS PACTUADOS E VÍNCULOS OBRIGATÓRIOS

As metas de enquadramento e os programas de efetivação do enquadramento são partes do plano de bacias que tratam do planejamento para a efetivação do enquadramento e articulam os demais programas setoriais do plano para a integração dos aspectos de qualidade e quantidade de água (MACIEL, 2000).

As metas de enquadramento e os programas de efetivação são obrigatórios para os demais programas setoriais e medidas e ações previstas no Plano de Bacia.

A Resolução CONAMA 357/05 define tanto as metas progressivas e finais quanto os planos como obrigatórios, sendo a meta, “engrenagem do ciclo de gestão” obrigatória para o próprio programa de efetivação definida como (art. 2, XXIX):

o conjunto de medidas ou ações progressivas e obrigatórias necessárias ao atendimento das metas intermediárias e final de qualidade de água estabelecidas para o enquadramento do corpo hídrico.

42 Trata-se de procedimentos previstos como de competência da ANA (Lei 9984/00) e do Conselho de Recursos Hídricos (Lei 9433/97).

De forma que, se as metas representam a engrenagem do ciclo, considerando-se a representação da figura 5, o Programa de Efetivação é o plano do “ciclo integrado de gestão das águas” (DINIZ et al., 2006a).

O Programa de Efetivação do Enquadramento é um instrumento integrador que sintetiza as ações dos diversos órgãos participantes do Sistema do Meio Ambiente nos três níveis União, Estados e Municípios e nos diversos segmentos, articulando a gestão da poluição pontual, do uso/consumo da água, poluição difusa e do uso do solo e/ou territorial (MACIEL, 2000).

De acordo com Maciel (2000) o Programa de Efetivação é a fase operativa do plano de bacia. Segundo o autor, a fase operativa depende da fase normativa (definição do enquadramento) e a fase qualitativa (avaliação da condição do corpo hídrico, identificando-se os problemas e suas causas). É por meio da fase operativa que são selecionadas as alternativas para a solução dos problemas e priorizadas as ações mais adequadas e implementadas as medidas preventivas e corretivas de modo a adequar e/ou manter a condição encontrada e a qualidade desejável das águas.

Segundo Barth (2002) o enquadramento e os planos são indissociáveis, sendo impossível existir enquadramento sem plano, pois não se pode estabelecer os planos sem que os corpos d’água estejam enquadrados simultaneamente, bem como não se pode adotar prioridades de usos dos recursos hídricos sem que haja perfeita coerência com o enquadramento dos corpos d’água.

Contudo, a inexistência de alternativas estratégicas permitindo a aprovação das metas de enquadramento e dos programas de efetivação sem a existência de Planos de Bacia poderia ser impeditiva para a efetivação do enquadramento, considerando o estágio de implantação do sistema. Os Planos de Bacia, atualmente, além de poucos – a ANA avalia a existência de 68 estudos de planejamento de bacias hidrográficas

realizados no país - 90% não podem ser considerados planos de bacia por terem sido realizados sem a participação dos Comitês (MMA, 2006). Percebe-se ainda que além de não observarem o conteúdo mínimo previsto na PNRH, é exceção os planos que tratam do enquadramento e medidas para a sua efetivação (UFPR/USP, 2006).

Desta forma, o subprograma do MMA (2006) que vincula o enquadramento aos planos de bacia, merece ser questionado se é razoável, face aos desafios institucionais existentes para a efetivação do enquadramento no país e especificidades locais.

As decisões precisam ser viáveis. E isto depende da existência de clareza de como atingir os objetivos e metas, devendo haver clareza, também, sobre a responsabilidade da execução. Para tanto, as ações a executar devem ser consubstanciadas em programas bem definidos, nos quais constem o que fazer, os recursos econômicos, técnicos e normativos necessários, os prazos requeridos e informações sobre resultados esperados (COSTA, 2005).

Assim, o fundamental parece ser que as diretrizes comuns previstas pelas metas de enquadramento constantes ou não de planos de bacia sejam viáveis e realistas cumprindo com os requisitos mínimos previstos no Anexo A. E isto parece somente ser possível mediante programas e medidas de efetivação do enquadramento que supram as deficiências de articulação previstas no capítulo 4, de acordo com as especificidades de prioridades locais.

A partir de metas realistas, segundo Maciel (2000, p. 83), um programa de efetivação do enquadramento bem definido inclui respostas às seguintes questões:

I. qual a qualidade e disponibilidade de água necessária para atender aos usos em cada trecho dos rios

II. quais os déficits de vazões que estão afetando os objetivos de qualidade como melhorar e em que quantidade?;

III. quais são os problemas identificados que tem afetado a qualidade e disponibilidade de água?;

IV. qual a quantidade de poluição que é preciso eliminar? ; V. as legislações têm sido cumpridas?;

VI. quais as ações que devem ser implementadas, os responsáveis e prazos; quais os recursos financeiros necessários, sejam públicos ou privados para executar um programa que permita satisfazer os objetivos de qualidade a curto, médio e longo prazo; além do conhecimento de políticas passadas e tendências futuras de intervenção na bacia, bem como dos planos dos diversos níveis administrativos e suas abrangências.

Ainda, segundo Maciel (2000, 87), a eficácia de um Plano depende deste estar fundamentado: “a) dentro do contexto de administração orçamentária pública; b) com mecanismos de administração privada; c) dentro de um processo transparente participativo”.

No Programa de Efetivação, programa que se insere no plano, devem estar listadas todas as ações corretivas e preventivas, especificados os agentes poluidor e, as intervenções a serem executadas, os responsáveis pela implementação da ação e seu respectivo acompanhamento. Trata-se de um planejamento em larga escala que deve contar com a participação de todos os autores envolvidos (órgãos ambientais, Comitê da bacia, sociedade civil, usuários de água, entre outros) (COSTA, 2005).

A seleção das medidas estratégicas é feita com base na avaliação da condição e voltadas para a minimização dos problemas detectados (Maciel, 2000), e incluem medidas dirigidas para a superação dos desafios de efetivação do enquadramento que envolve a garantia de condições legais e institucionais para a efetivação do enquadramento. Desde a elaboração de normas jurídicas, ações do Ministério Público, decisões do Poder Judiciário, definição de obrigações específicas por meio de convênios e contratos; a capacitação e estruturação dos órgãos de gestão; definição de diretrizes comuns para a gestão hídrica e ambiental; garantia de recursos financeiros e viabilidade técnica e de recursos humanos para a efetivação do enquadramento; e a articulação entre

os planejamentos regionais, estaduais, nacionais e a gestão do uso do solo (DINIZ et. al, 2006a).

Conforme exposto, estas medidas devem ser priorizadas e articuladas de acordo com as estratégias do sistema e estágio de implantação do mesmo na unidade problema. De forma que tanto o Plano quanto o Programa servem para definir estas medidas e os meios de implantação, respondendo às perguntas de Maciel (2000), de acordo com as prioridades estratégicas e seus vínculos a recursos e em um cronograma progressivo para atender a meta final.

Ainda, considerando que a articulação das relações interinstitucionais de sistemas de gestão ambiental e de recursos hídricos abrange especialistas de varias áreas do conhecimento, o Programa de Efetivação do Enquadramento deve ser parte de um planejamento integrado desde o seu início para que seja interdisciplinar (SANTOS, 2005).

Ressalta-se, contudo, que para que as medidas e ações previstas nos planos e programas sejam obrigatórias, podendo ser exigidas, torna-se necessário a construção de vínculos obrigatórios entre os agentes, usuários, prestadores de serviços.

Os vínculos obrigatórios são definidos mediante diversos instrumentos jurídicos públicos e privados entre um ou mais agentes e usuários, dentre os quais se incluem os contratos, convênios, termos de parcerias, manuais internos dos órgãos de gestão, exigências dos planos de uso do solo, zoneamentos, licenças e outorgas, normas, e decisões judiciais, incluindo termos de ajustamento de conduta (GRANZIELA, 2003; MACHADO, 2005).

Estes vínculos, portanto, são de natureza administrativa, normativa e judicial, e estas naturezas definem sua força na gestão.

Não existe Programa de Efetivação obrigatório implementado no Brasil. Contudo, isso é possível e existem experiências neste sentido. Dentre exemplos de sucesso na melhora dos padrões ambientais, vale citar o Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (PRONOVE) programa de controle de poluição atmosférica voltado para emissões veiculares (MACHADO, 2005). Este programa prevê ações e medidas para a adoção dos padrões, com as respectivas responsabilidades e foi definido a partir de padrões e cronogramas também aprovados por meio de Resolução.

Na definição dos vínculos obrigatórios, tanto o Ministério Público quanto o Poder Judiciário exercem um papel fundamental na efetivação do enquadramento. Do Ministério Público tem advindo as grandes discussões sobre administração pública, proteção ambiental e cidadania. E o Poder Judiciário atua em casos concretos, podendo ampliar sua participação ou ao menos acompanhar a formulação das políticas para melhor conhecer os fundamentos das questões concretas submetidas a ele posteriormente (GRANZIERA, 2003).

Existe uma tendência favorável do Judiciário que poderá ser utilizada para tornar as obrigações pactuadas para efetivação do enquadramento obrigatórias. Apesar de existirem algumas interpretações doutrinárias e jurisprudenciais no sentido de que o controle da poluição seria parte da atividade administrativa discricionária do Estado, a tendência atual é de que as medidas para o controle da poluição não é discricionária e pode ser exigida pelo Judiciário, conforme demonstra trecho de acórdão transcrito abaixo (2000 apud GRANZIERA, 2003, p. 120):

todas as partes convêm que é imperiosa e inadiável a construção de sistemas de tratamento de esgotos. Sendo-o, não podem os litisconsortes passivos retardá-la, a pretexto de não terem sido ainda definitivas as áreas prioritárias de ação governamental. A saúde coletiva é, por sua natureza, prioritária e, a respeito, não há discricionariedade do Poder Público: sem água cujos padrões de pureza se encontrem dentro das classes legais de aproveitamento (cf. Anexo ao Decreto Estadual n. 8468, de 8-9-1976), a própria vida não é possível, como bem primeiro.43

As obrigações para a efetivação do enquadramento podem ser inclusas em termos de ajuste de conduta entre Ministério Público, gestores e usuários mediante ações judiciais articuladas com as estratégias de implantação do sistema de gestão, contribuindo com a efetivação do enquadramento por meio de acordos judiciais obrigatórios que vinculem gestores, prestadores de serviços e usuários em torno das metas de enquadramento.

As ações judiciais e os Termos de Ajuste de Conduta (TACs) fazem parte das medidas de efetivação do enquadramento e devem ser articuladas com os pactos, planejamento estratégico e diretrizes das metas de enquadramento a fim de contribuírem com o “ciclo integrado de gestão das águas”. Os gestores deixam de ser meros remediadores de crises e tornam-se efetivos planejadores do sistema, evitando-se a repetição de erros, por meio de uma gestão das águas mais consciente, cuja concretização ainda é possível (GRASSI, 2006, p. 3).:

(...) E quando o Santo acabou de falar, já não havia peixe vivo naquela parte do rio. Mais acima, entretanto, quase nas nascentes, em várias partes da bacia, o sol atravessava água ainda claras e fazia brilhar uma infinidade de pequenas escamas. A vida ainda continuava, apesar dos erros de uma sociedade inconsciente.