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Parte II: Apresentação dos Temas desenvolvidos

8. Vacinação: Sarampo

O sarampo é uma doença viral com consequências graves e potencialmente fatais. O vírus do sarampo pertence ao género Morbillivirus da família Paramyxoviridae e afeta o sistema respiratório, sistema imunológico e a pele, sendo excecionalmente contagioso atinge uma taxa de morbilidade e mortalidade elevada. 52,53,54. A primeira descrição

científica do sarampo foi feita pelo médico persa Rhazes (século IX) 54.

O vírus do sarampo apresenta uma elevada taxa de contágio, sendo transmitido por contacto direto através de secreções infetadas como gotículas e aerossóis, sendo o ser humano o único hospedeiro natural 52. Além do contágio direto, o vírus do sarampo

também pode ser transferido através de fômites infetadas, pois tem a capacidade de sobreviver até duas horas num espaço onde a pessoa infetada tossiu ou espirrou 54. A

contaminação ocorre quando o vírus entra no hospedeiro através das vias respiratórias superiores e infeta o epitélio respiratório e/ou as células imunes circulantes 52.

Após contaminação, ocorre propagação sistêmica e os sinais clínicos aparecem após o período de incubação do vírus (10-14 dias) 52,55. O período prodrómico é

caracterizado pelo aparecimento de febre e mal-estar, tosse, coriza ou conjuntivite

54,55. Nos seguintes dias após os sintomas referidos, pode surgir o sinal de Koplik

(figura 8) caracterizado por lesões brancas-azuladas circundadas por um halo avermelhado presentes na mucosa bucal, na conjuntiva ou até na mucosa vaginal 53.

maculopapular (figura 9) que inicia no rosto e espalha-se a todo o corpo de forma progressiva. O período de contágio ocorre 4 dias antes e depois do aparecimento do exantema 55.

Geralmente o sarampo é uma doença autolimitada, visto que as células infetadas pelo vírus são eliminadas pelo sistema imunitário conferindo imunidade ao paciente. No entanto, após uma fase aguda e devido à supressão imunológica, podem ocorrer complicações mais graves como pneumonia, otite, ulceração corneana e encefalite, podendo nos casos mais graves ser fatal. Em casos raros, pode afetar o sistema nervoso central provocando panencefalite esclerosante subaguda, onde o vírus infeta as células cerebrais e permanece no estado de infeção, podendo manifestar-se após vários anos da infeção primária, sendo muitas das vezes fatal. As complicações são usualmente mais graves em indivíduos desnutridos e imunocomprometidos 52.

Durante a gravidez, apesar dos poucos estudos disponíveis, verificou-se um aumento do risco de parto prematuro ou de morte fetal intrauterina 53.

8.1.

Diagnóstico

Há duas formas de diagnosticar o sarampo: através de sinais clínicos ou critérios laboratoriais. O sarampo clínico determina-se pela presença de exantema maculopapular por mais de 3 dias, febre superior a 38,3ºC, presença de tosse, coriza ou conjuntivite 53. Os critérios laboratoriais baseiam-se na realização do teste serológico

para IgM do sarampo, pelo aumento significativo da IgG do vírus do sarampo por um teste serológico padrão (exemplo: EIA, inibição da hemaglutinação, etc) ou pelo isolamento do vírus da urina, nasofaringe, sangue e garganta 53.

8.2.

Tratamento e Prevenção

Atualmente ainda não existe tratamento específico para o sarampo. Os pacientes são isolados e tratados consoante os seus sintomas e complicações. Dito isto, o tratamento é de suporte, incluindo a monitorização e tratamento da febre, desidratação

Figura 8. Sinal de Koplik

Fonte: Referência 54

Figura 9. Exantema maculopapular

Fonte: https://www.homenaturalcures.com/measles- symptoms-causes/

e outros desconfortos. Deve-se ter principal atenção a possíveis coinfecções como otites ou pneumonias. O défice de vitamina A está associado a taxas mais altas de complicações e é um dos motivos de maior mortalidade, sendo que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o tratamento de todos os pacientes com vitamina A 53.

A prevenção do sarampo é possível através da vacinação 53!

8.2.1. Vacinação

As vacinas caracterizam-se por compostos derivados ou quimicamente semelhantes a um agente infecioso. Isto é, contem substâncias imunogénicas capazes de induzir imunidade especifica contra o agente infecioso. São administradas a crianças e adultos saudáveis com o propósito de proteger a saúde do individuo e, indiretamente, a saúde da comunidade 56.

Atualmente estão disponíveis dois tipos de vacinas: as vacinas vivas atenuadas e as inativadas. As vacinas vivas atenuadas são produzidas pela modificação do agente infecioso no laboratório. Apesar da modificação, o vírus mantém a capacidade de se replicar e confere imunidade, sem causar patologia. A resposta imune a uma vacina atenuada viva é idêntica à produzida por uma infeção natural. As vacinas inativadas podem ser compostas pelo agente infecioso inteiro, por frações ou por ambos. Ao contrário das vacinas vivas atenuadas, as vacinas inativadas não apresentam o agente infecioso vivo e por isso este não se pode replicar. Estas vacinas não causam infeção mesmo quando administradas a um individuo imunocomprometido. Em geral, necessitam de várias doses para produzir imunidade protetora 56.

8.2.2. VASPR

As vacinas contra o sarampo foram desenvolvidas na década de 60, sendo desenvolvidas uma vacina viva atenuada e uma vacina inativada por formalina. A vacina inativada acabou por ser retirada devido ao declínio da proteção conferida pela vacina a médio e longo prazo, sendo que os indivíduos que tinham sido vacinados, quando expostos ao sarampo selvagem, desenvolveram sarampo atípico 57. A vacina viva

atenuada (Edmonston B) acabou por também ser retirada devido às suas reações adversas. No entanto, novos modelos de vacinas vivas atenuadas têm por base esta primeira vacina 57.

Atualmente está disponível uma vacina viva atenuada (Edmonston-Enders), que produz uma infeção inaparente ou leve, não transmissível. Nos países desenvolvidos a administração da vacina ocorre aos 12 meses de idade, de forma a que os anticorpos

maternos não neutralizem a vacina podendo assim ser criada imunidade contra a doença 57.

A vacinação contra o sarampo está incluída no Programa Nacional de Vacinação (PNV) desde 1974 de forma gratuita. Inicialmente a vacina contra o sarampo era recomendada a crianças entre os 12 e os 24 meses. Posteriormente combinou-se a vacina contra o sarampo com a vacina da papeira e da rubéola (VASPR), sendo recomendada a sua administração aos 15 meses 58. A VASPR é uma vacina combinada trivalente contendo vírus vivos atenuados do sarampo, papeira e rubéola e é administrada por via intramuscular. A combinação dos três antigénios confere os mesmos níveis de proteção que os verificados na administração das formas monovalentes 57. Em 1990, introduziu-se a segunda dose de VASPR devido a indivíduos

que não obtiveram resposta à primeira dose da vacina. Atualmente, recomenda-se a sua administração aos 12 meses e aos 5 anos, fora algumas exceções (figura 10) 58.

A OMS alertou para o agravamento da situação do sarampo em vários países da Europa devido à ocorrência de surtos de sarampo, pela existência de comunidades não vacinadas, colocando Portugal em elevado risco. Estes movimentos de anti vacinação fragilizam a imunidade da comunidade conseguida através da vacinação coletiva 58.

8.2.2.1. Possíveis efeitos secundários

A vacinação e as campanhas de vacinação, desde a sua implementação, reduziram drasticamente o sarampo em todos os países do mundo onde foram implementados. Apesar da importância relevante da vacinação é importante informar e

* De acordo com o Inquérito Serológico Nacional 2015/2016 cerca de 99% da população nascida antes de 1970 tem proteção contra o sarampo.

Figura 10. População-alvo e número de dose de VASPR recomendado

ter conhecimento dos possíveis efeitos secundários da vacinação. A vacina contra o sarampo, apesar de leves, acarreta alguns efeitos secundários 53,59.

Dos possíveis efeitos secundários, os mais frequentes são febre alta, vermelhidão, inchado e dor no local de administração, exantema. Menos frequentes são as infeções no trato respiratório, diarreia, vómitos e náuseas. Das reações adversas mais raras incluem-se trombocitopenia, reações anafiláticas, surdez e encefalopatia

53,59.

8.3.

Sarampo e a Europa

Como referido anteriormente, a vacina do sarampo tem sido implementada na Europa através dos programas de vacinação infantil. Apesar da diminuição da incidência do sarampo na Europa, o sarampo continua uma preocupação de saúde pública 60.

Entre 1 de maio de 2017 e 30 de abril de 2018, inúmeros Estados-Membros reportaram cerca de 13 mil casos de sarampo (figura 11). Sendo que a Itália, a Grécia, França e a Roménia foram os países com maiores números de casos notificados 60.

O diagnóstico de sarampo confirmou-se através de resultados laboratoriais positivos em 67% de todos os casos notificados. Os países com maior incidência de casos de sarampo mostram uma cobertura de imunização conferida pela segunda dose da vacina inferior a 95% (taxa mínima recomendada pela OMS para garantir a eliminação do sarampo). Nas figuras 12 e 13 é possível verificar a cobertura da primeira e segunda dose da vacina 60.

Figura 11. Taxa de notificação do sarampo por milhão de habitantes por país, entre 1 de maio de 2017 a 30 de abril de 2018 Fonte: Referência 60

Apesar de a cobertura vacinal para a primeira dose da vacina do sarampo ser entre 85-94% para alguns países e superior a 95% para outros, a cobertura vacinal para a segunda dose da vacina do sarampo decresce principalmente nos países em que ocorreu uma maior incidência de sarampo, sendo esta inferior a 84% 60. Devido à

elevada taxa de contágio, e apesar do reforço da vacinação, o risco de contágio e de disseminação da doença continua sempre presente, até mesmo nos países onde se

Figura 12. Cobertura vacinal para a primeira dose da vacina do sarampo por pais da Europa em 2016 Fonte: referência 60

Figura 13. Cobertura vacinal para a segunda da vacina do sarampo por país da Europa em 2016. Fonte: Referência 60

considerou a doença eliminada. Com isto, a OMS implementou programas nacionais de vacinação e campanhas de sensibilização à vacinação, incluindo métodos que possam alcançar os grupos de indivíduos mais suscetíveis e mais céticos em relação à vacinação, com o objetivo de obter taxas de cobertura vacinal mais elevadas 60.

8.4.

Sarampo e Portugal

Portugal teve o último surto de sarampo em 2017 devido a um caso importado. Antes disso, Portugal teve 12 anos sem transmissão endêmica de sarampo. No surto atual, a transmissão e contágio do sarampo ocorreu a nível hospitalar ou nos cuidados primários de saúde. Após o diagnóstico dos primeiros pacientes, a implementação de medidas proativas de controlo foram importantes, de forma a controlar o surto e a evitar um maior número de casos secundários. As principais medidas incluíram a notificação, o isolamento dos casos, a listagem de casos suscetíveis, o rastreamento do contágio, a triagem de novos casos e a imunização da população mais suscetível 61.

Portugal é um dos países da Europa que apresenta um elevado nível de cobertura vacinal em relação à VASPR (figura 14 e 15), e em 2017 a cobertura vacinal de VASPR na segunda dose foi de 96% 61.

Segundo o Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças, Portugal relatou a confirmação de 112 casos de sarampo em 2018, no dia 28 de maio. Além destes, 26 casos aguardam o resultado dos testes laboratoriais. Dos casos confirmados, 111 são adultos e 89 (79%) são profissionais de saúde. A maioria dos casos ocorreram no norte do país 62.

A grande incidência entre os profissionais de saúde direciona a atenção para a necessidade de implementação de medidas de forma a garantir a proteção deste grupo, sendo importante implementar medidas de vacinação, controlo de infeção e prevenção

61.

8.5.

Projeto

Devido ao surto de sarampo que atualmente afeta a Europa e coloca Portugal em elevado risco, em virtude da existência de grupos de indivíduos não vacinados, surgiu a ideia de dar a conhecer aos utentes da FLASMVNG e à comunidade informação importante sobre o sarampo. É importante como farmacêutica e profissional de saúde com proximidade da comunidade esclarecer e clarificar as dúvidas que possam surgir sobre a vacinação e o sarampo. Como tal, foi distribuído aos utentes um panfleto informativo sobre o sarampo, sobre os seus sintomas, complicações, a forma de prevenção e a importância da vacinação (anexo VI).

Este panfleto foi distribuído durante a Semana Europeia da Vacinação de 2018 que decorreu entre 23 e 29 de abril, sendo organizada pela Direção-Geral da Saúde em parceria com a OMS. Esta semana tinha como lema: ‘’As vacinas funcionam, proteja-se a si e aos que o rodeiam de doenças graves’’.

Durante esta semana foi possível esclarecer os utentes sobre a importância da vacinação e os possíveis efeitos secundários das vacinas. Esta campanha tinha como objetivo sensibilizar as pessoas para a importância da vacinação na proteção da saúde, quer dos vacinados, quer daqueles que não podem ser vacinados, através da imunidade de grupo.

Pretendeu-se também alertar os adolescentes, pais e restantes profissionais de saúde para optarem por escolhas fundamentadas quanto à vacinação e de forma a alertar para os riscos da não vacinação e as complicações do sarampo.

Através desta campanha de sensibilização foi possível demonstrar que o farmacêutico apresenta um papel interventivo na abordagem de temas diretamente relacionados com a saúde da comunidade, estreitando a sua relação com a mesma.

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