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Valadarenses e democratenses: amálgama de sentimentos

3 O FUTEBOL, A CIDADE E O ESPORTE CLUBE DEMOCRATA

3.2 Valadarenses e democratenses: amálgama de sentimentos

Quanto mais alguém invoca os detalhes, mais fica ligado às peculiaridades do caso imediato, e quanto mais esse alguém omite os detalhes, mais perde contato com o terreno sobre o qual repousam seus argumentos. Cada estudo luta para retirar amplas generalizações a partir de exemplos especiais, para penetrar nos detalhes de forma suficientemente profunda para descobrir algo mais que o simples detalhe.

Clifford Gueertz 26

Enfim, o dia do jogo. E dia da igreja também. Saímos eu, Tiago e toda sua família logo cedo para o culto matinal. Os termômetros já marcavam 33º C. O culto foi muito bacana e, ao final, fomos (Tiago e eu) para uma sala da igreja, para uma espécie de aula para jovens. Muitos perguntavam ao Tiago se ele iria ao jogo no Mamudão. Até mesmo o pastor que conduzia a aula indagou aos presentes sobre quem iria torcer pelo Democrata naquele dia, argumentando que precisávamos fazer isso pela identidade do time com a própria cidade. Saímos da igreja e voltamos para casa. No caminho, pude perceber alguns pedestres com a camisa do Cruzeiro, mas ninguém com a do Democrata. O mesmo sucedeu no trajeto para o restaurante em que almoçaríamos e mesmo dentro deste. A comida estava ótima e, ao fim da refeição, foi possível notar certa aglomeração em uma ala do restaurante. Um cunhado do Tiago veio me explicar que era por causa da presença do presidente do Democrata no estabelecimento. Deixamos o restaurante em direção ao Mamudão. Eram 13h e os termômetros marcavam enlouquecedores 43ºC. Paramos o carro uma rua antes do estádio e, mesmo o jogo sendo apenas às 16h, já era possível perceber uma movimentação diferente na região. Muitos policiais e carros de polícia estavam presentes na área, transmitindo uma sensação de segurança interessante. Havia, inclusive, um sem número de policiais mulheres em serviço. Os varais com camisas e bandeiras de times estavam espalhados, um em cada esquina, destacando principalmente as cores e símbolos do Cruzeiro. As camisas do Democrata também se sobressaíam nos varais. Em menor número, viam-se também artigos do galo, de times do Rio, de São Paulo e do exterior. A cada 10 ou 15 metros que andávamos em direção

ao estádio, um cambista nos oferecia ingressos. Perguntamos o preço e era praticamente o mesmo da bilheteria. Nesta, porém, só havia entradas para o setor de cadeiras a exorbitantes R$ 100,00. Ao lado da bilheteria, estava o portão para a sala da Pantera Cor-de-Raça, maior torcida organizada do Democrata. Várias pessoas usavam camisas com símbolos da torcida, destacando-se uma pantera negra com rosto feroz tocando um tambor. Curiosamente, em meio a esses “torcedores organizados”, era possível ver gente com a camisa do próprio Democrata, com camisas do Cruzeiro e até do galo, sem que houvesse qualquer tensão aparente. Achei incrível. Ainda na porta da sala da Pantera Cor-de-Raça, percebi, em meio ao som de tambores, o entra-e-sai de duas integrantes femininas da torcida, fato que me chamou muita atenção. Aparentemente estavam bem à vontade, apesar de um homem ter tentado mexer com uma delas com uns assovios. Nas redondezas do estádio, foi possível ver um número considerável de mulheres (ainda que em clara minoria) trajando camisas do Democrata, do Cruzeiro e mesmo não uniformizadas. Também em torno do estádio, notei que havia alguns bares simples, nos quais estavam vários torcedores tomando uma cerveja, numa espécie de concentração pré-jogo. Infelizmente, não pude observar mais coisas, pois tínhamos horário para voltar e estávamos atrasados. Despedi- me do Mamudão com uma simpatia maior pelo Democrata. No carro, a caminho de Belo Horizonte, as ondas de rádio reverberavam a vitória da Pantera. Confesso que não fiquei triste...! 27

Na tentativa de invocar os detalhes, como anunciado nas palavras de Gueertz, procurei trazer aqui características que nos permitam olhar “para além dos detalhes”, expressas em momentos, falas, percepções e significados produzidos e difundidos entre os torcedores na cidade. O trecho fala sobre um dia de jogo do Democrata. A mobilização e a expectativa das pessoas são perceptíveis. O que me permite fazer uso da metáfora do “amálgama28” para buscar uma relação com a fusão entre os torcedores e a cidade,

quando o assunto é torcer pelo Democrata. É quase impossível dissociar o time da cidade quando fala-se sobre os significados desse torcer. Quando questionados sobre os motivos pelos quais torcem pelo time, os entrevistados apontam a cidade como uma potente justificativa dentro dos significados partilhados e negociados entre eles.

27 Ocasião: jogo entre Democrata e Cruzeiro, pela última rodada da 1ª fase do Campeonato Mineiro de 2010

– 28/03/10. O trecho é parte das anotações de campo feitas pelo integrante do GEFuT Marcos de Abreu Melo, torcedor do Cruzeiro, que estava em Valadares no dia do jogo entre Democrata e Cruzeiro. Este colaborador foi previamente instruído e contribuiu com a pesquisa. Por entender que os detalhes expressos por um “olhar externo” pudessem auxiliar nas compreensões, trouxe parte dessas anotações para o trabalho, buscando elementos para apresentar essa relação entre os torcedores, a cidade e os significados do torcer pelo Democrata.

28 Metáfora usada para perceber uma liga entre elementos de naturezas diferentes. Trata-se de diferentes

pessoas, vidas, histórias e trajetórias que se unem como uma liga condutora quando se trata do torcer pelo Democrata.