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1. Os Planos do negócio jurídico aplicados aos contratos eletrônicos

1.2. Plano da validade – requisitos

Para o plano da validade, não trataremos mais dos elementos do negócio jurídico, uma vez que, estando tais elementos presentes, passamos para o segundo plano de análise, o da validade.

Quanto aos requisitos do plano da validade do negócio jurídico, especificamente observando os seus efeitos em relação aos contratos eletrônicos, entendemos que tais requisitos possuem uma direta e íntima relação com os elementos de existência, estando de

67 VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Almedina, 5ª ed., p. 485

68 “O costume tem um desempenho fundamental no Direito contemporâneo, como o teve o Direito antigo. Seu

papel amplia e integra-se ao Direito não somente como conflito, mas como atuação social, já que permite predizer o que os outros farão. Devemos revitalizar o papel do costume, observar as condutas sociais e dar-lhes valor normativo, sempre que se ajustem aos princípios e regras fundamentais do ordenamento. [...]

Ainda que não crie normas jurídicas, o uso oficial tem um grande valor hermenêutico, já que subministra parâmetros objetivos sobre o que se costuma fazer em um grupo determinado. Assim dispõe o Código de Comércio quando concede validade interpretativa ao uso geralmente observado no comércio. [...]

A formação legalista de nossos espíritos latinos não nos permite olhar as vantagens que oferece o costume. Como destaca Cueto Rúa, o costume economiza energias vitais, já que conhecendo o que se costuma fazer, não precisamos deter-nos a cada instante para avalia-lo; no caso de não existir o costume, nossa ação seria ineficaz por tardia.

Aplicando este conceito ao âmbito econômico, o costume acarreta uma diminuição importante de custos. Os indivíduos agindo espontaneamente são os melhores legisladores, pois é impossível que o Congresso tenha a multiplicidade e variedade de pontos de vistas que têm milhares de indivíduos.” LORENZETTI, Ricardo Luis. Trad. Vera Maria Jacob de Fradera. Fundamentos de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 272-274.

acordo com a afirmação realizada por Antônio Junqueira de Azevedo ao sustentar que o vínculo entre elementos e requisitos é da mesma natureza em função da relação que podemos observar entre o “gênero” e a “espécie”.

Os elementos de existência representam o gênero e os requisitos de validade representam a espécie do negócio jurídico.

Desta forma, em alguns pontos que se seguirão, poderemos passar a impressão de que estão sendo repetidos argumentos anteriores, mas tal assertiva não é exata, uma vez que, tal como se dá com toda a espécie em relação ao seu gênero, os requisitos de validade representam uma qualificadora de cada um dos elementos antes analisados. Trata-se, aqui, de adjetivar cada um dos elementos vistos acima, ou melhor, de encontrar e desvendar especificidades para cada um dos elementos de existência, compondo assim, os seus requisitos de validade.

A validade é, pois, a qualidade que o negócio deve ter ao entrar no mundo jurídico, consistente em estar de acordo com as regras jurídicas (‘ser regular’). Validade é, como o sufixo da palavra indica, qualidade de um negócio existente. ‘Válido’ é adjetivo com que se qualifica o negócio jurídico formado de acordo com as regras jurídicas.

Os requisitos, por sua vez, são aqueles caracteres que a lei exige (requer) nos elementos do negócio para que este seja válido. [...]

Por isso mesmo, se o negócio jurídico é declaração de vontade e se os elementos gerais intrínsecos, ou constitutivos, são essa mesma declaração tresdobrada em objeto, forma e circunstâncias negociais, e se os requisitos são qualidades dos elementos, temos que: a declaração de vontade, tomada primeiramente como um todo, dever ser: a) resultante de um processo volitivo; b) querida com plena consciência de realidade; c) escolhida com liberdade; d) deliberada sem má fé [...] O objeto deve ser lícito, possível e determinado ou determinável; e a forma, ou será livre, porque a lei nenhum requisito nela exige, ou deverá ser conforme a prescrição legal. Quanto às circunstâncias negociais, não têm requisitos exclusivamente seus, já que elas

são o elemento caracterizador da essência do próprio negócio, são aquele quid que qualifica uma manifestação, transformando-a em declaração.69

Quando analisamos os elementos extrínsecos do plano da existência, em relação aos requisitos do plano da validade, igualmente deveremos observar a sua qualificadora, ou seja, a sua adjetivação. Quanto ao agente, deverá ser capaz e legitimado, considerando como capacidade aquela determinada em lei (idade, representatividade, emancipação, etc.) e a legitimação como a competência concedida pela lei para firmar determinado negócios jurídicos, v.g. a prática de negócios jurídicos exclusivamente autorizados às instituições financeiras.70

“A capacidade de agir não se confunde com a legitimação, apensar de se tratar, em ambas as espécies, de aptidão subjetiva para a prática de atos jurídicos. É que, enquanto a capacidade constitui um estado pessoal relacionado ao poder de, pessoalmente, exercer os direitos e praticar os atos da vida civil, a legitimação consiste em uma posição do sujeito relativamente ao objeto do direito, que se traduz, em geral, na titularidade do direito, posição esta que tem como conteúdo o poder de disposição, bem assim o

69 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Op. cit. p. 42-43

70 “A capacidade, corresponde a uma qualidade jurídica do sujeito, classifica-se em (i) jurídica, de gozo, ou de

direito e (ii) de fato, ou de exercício. [...] verifica-se que esta característica é observada facilmente quando se trata da atividade das sociedades empresárias, por exemplo. No seu caso, os administradores (que obrigatoriamente devem ser detentores da capacidade de gozo e aos quais é inerente a capacidade de agir, quanto aos atos ordinários de administração da sociedade) eventualmente não terão os poderes para o exercício da administração extraordinária (que envolve a celebração de certos tipos de contratos, pela sua qualidade ou pelo seu valor), a não ser que para tanto recebam autorizações prévias e específica do Conselho de Administração ou de Assembleia-Geral Extraordinária/AGE, conforme disposição do contrato social ou do estatuto.

O momento de verificação do atendimento do requisito da capacidade contratual se dá quando a vontade do declarante é manifestada.

LEGITIMIDADE. Trata-se da posição jurídica e patrimonial das partes em relação aos bens que serão objeto do contrato [...]. Mesmo que alguém seja plenamente capaz, poderá não ser a parte legítima para agir ou demandar, em determinadas circunstâncias. [...]

Muitas vezes a legitimação desliga-se, por determinação legal, do sujeito do direito, passando para outra pessoa. É o que ocorre na falência, quando a administração dos bens do falido passa para a pessoa do administrador judicial [...].

No direito comercial, especialmente no campo do direito societário, a lei tutela a aparência de legitimidade, em benefício de terceiros que tenham sido levados a entender, segundo as circunstâncias do caso concreto, que contrataram legitimamente com uma sociedade por meio das pessoas dos seus administradores em exercício regular, embora, de fato, tal não tenha ocorrido.” VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc; SZTAJN, Rachel. Curso de Direito Comercial, v. 4. São Paulo: Malheiros, 2011, p.186-189

poder de aquisição. Excepcionalmente, a legitimação pode decorrer de atribuição do sistema jurídico a terceiro que não seja o titular do direito.”71

Em relação ao tempo, quando expressamente previsto pelo ordenamento a necessidade de realização e/ou formalização de um negócio jurídico em determinado momento, este tempo deverá ser útil, v. g. validade de uma proposta. O mesmo se dá em relação ao lugar, se a lei determinar a sua realização em lugar específico, deverá ser realizado em lugar apropriado, v.g. hasta pública, licitação etc.

Ao que se refere aos elementos categoriais (essentialia negotti) “as partes, ao escolherem determinado tipo de negócio, deverão ter em mente que o negócio escolhido deverá seguir determinado regime jurídico.”72 Assim, uma compra e venda tem como requisito essencial o preço (certo ou determinável/definível, desde que o seu arbitramento e/ou definição não fique ao encargo de apenas uma das partes) e a definição/individualização da coisa (não é necessário que a coisa pertença ao vendedor, basta a sua definição/identificação tal como se dá na venda “a non domino”73).

Quanto a qualificação e adjetivação do último elemento de existência acima analisado, qual seja, o elemento particular, temos que para esta hipótese, os seus requisitos de validade consistem, em especial, nas hipóteses legais do artigo 166, III e dos artigos 122 usque 124, todos do Código Civil, ou seja, deve ser observado situações em que o nexo causal de determinada modalidade (condição, termo ou encargo) seja diretamente vinculado a um evento lícito e não contrário a ordem pública, ou ainda quanto a possibilidade física, jurídica e/ou possibilidade no sentido de ser exequível.

71 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico – plano da validade. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.

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72 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Op. cit. p. 43

73 “A nosso ver, contrariamente ao que diz essa decisão, o caso de venda a non domino não é de nulidade (plano

da validade – falta de requisitos), mas sim de ineficácia (plano da eficácia); há, apenas, ineficácia para os efeitos finais visados pelo negócio (transferência de propriedade). O negócio em si, porém, é válido e, até mesmo, eficaz, como qualquer outro negócio que, realizado, não é cumprido; ele admite rescisão com perdas e dados (e o inadimplemento supões negócio válido).” AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Op. cit., p. 46 nota 65

“De uma interpretação sistemática da norma do inciso III do art. 166 do Código Civil, apesar da referência ambígua a ambas as partes e a o motivo determinante, nos parece ser possível concluir que constituem pressupostos de nulidade por ilicitude do motivo:

(a) Que o motivo seja o condutor (= determinante) do negócio jurídico, de modo que os figurantes não o teriam realizado não fora ele o seu móvel. Embora o texto da norma se refira a o motivo, isto não quer dizer que deva ser o único, exclusivo, que haja determinado o negócio, de modo que havendo mais de uma razão não se configuraria a nulidade. A nosso ver, se houver mais de um e dentre eles algum ilícito, se for relevante, o negócio deve ser anulado.

(b) Que seja ilícito o motivo. Não há uma definição do que seja motivo ilícito. O Código Civil, ao definir o abuso de direito (art. 187), tem como ilícito o ato que excede manifestamente os limites impostos pelo fim econômico ou social do direito, pela boa-fé ou pelos bons costumes. No art. 122, por sua vez, declara ilícitas as condições contrárias à ordem pública ou aos bons costumes. Portanto, numa interpretação analógica, como adotamos ao tratar do objeto, é possível estabelecer o conceito de motivo ilícito como todo aquele que não só contraria direito cogente, como também os preceitos da moral (= boa-fé, ordem pública e bons costumes). Não importa, aqui, se o objeto do negócio jurídico é válido e se ele atende aos demais pressupostos de validade, mas, sim, se o escopo que conduziu os figurantes a realiza-lo é contrário à norma imperativa, à boa-fé, à ordem pública, aos bons costumes, ou exceda os limites impostos para sua finalidade econômica ou social.”74

Assim, para superarmos os requisitos do plano da validade do negócio jurídico, além de nos atermos aos preceitos determinantes da norma cogente, devemos igualmente observar os bons costumes, as circunstâncias negociais devem ser realizadas e tratadas de parte a parte

de forma a não violar a ordem econômica e serem úteis, sob pena de violação à boa-fé objetiva, à função social do contrato ou até mesmo do abuso do direito75.

Destacamos aqui que, sob a ótica dos contratos eletrônicos, é muito usual verificar nos trabalhos acadêmicos uma constante preocupação quanto a boa-fé objetiva e o abuso do direito nos atos e fatos jurídicos praticados pelos fornecedores de produtos e serviços pelos meios eletrônicos, em especial, àqueles sítios focados em relação do consumo76.

No entanto, muitas vezes é esquecido o fato de que o comando da boa-fé objetiva, preservação da moral e dos bons costumes e o abuso do direito, são institutos que trafegam em via de mão dupla, ou seja, também são deveres de conduta que devem ser observados e seguidos pelos consumidores e por todo aquele que busque um produto ou serviço pelo meio eletrônico ou não.77

75 “Ao fazer referência à boa-fé, aos bons costumes e à função econômica e social do direito, o artigo 187 elegeu

e positivou esses como sendo os limites dentro dos quais o exercício do direito, para ser legítimo (e, portanto, lícito), deve se dar. Ou seja, a regra do artigo 187, na realidade, exclui que o titular de um direito (qualquer que seja ele) possa, no exercício do direito, adotar uma certa conduta por ela discriminada como ilícita. Convém observar, desde logo, que o artigo utiliza-se da palavra ‘ou’ para estabelecer que basta que se exceda qualquer

um dos limites (ainda que apenas um deles) para que o exercício do direito seja reprovado.

Tais limites são verdadeiros condicionantes do exercício legítimo de qualquer direito, liberdade, faculdade etc., ou seja, o exercício só será legítimo e isentará o titular das sanções potencialmente advindas da configuração de um ato ilícito se tal ato se der dentro desses limites impostos pelo ordenamento jurídico, que são, precisamente, aqueles mencionados no artigo 187 do Código Civil.” BOULOS, Daniel Martins. Abuso do Direito. São Paulo: Método, 2006, p. 178-179

76 Sob este tema, destacamos as recentes medidas tomadas em face da companhia B2W, conforme aponta

reportagem da Revista Exame. Disponível em: http://exame.abril.com.br/negocios/empresas/varejo/noticias/b2w-e-multada-pelo-procon-sp-e-tera-que-

suspender-seus-websites. Acesso em 30.04.2012: “São Paulo - A Fundação Procon-SP determinou a suspensão das atividades de e-commerce de responsabilidade da B2W Companhia Global do Varejo, em todo o estado de São Paulo, segundo comunicado.

A suspensão por 72 horas a partir de amanhã vale para os websites Americanas.com, Submarino e Shoptime, disse o Procon-SP no comunicado enviado hoje por e-mail.

Além da paralisação das vendas, a empresa deverá pagar multa de R$ 1,74 milhão, disse o órgão de defesa no comunicado.”

77 Nesse sentido foi a confirmação do então assessor chefe do Procon-SP Dr. Carlos Coscarelli, ao comentar o

denominado caso FNAC ao portal de notícias G1. Vejamos: “A madrugada desta quarta-feira (20) foi agitada para muitos internautas que entraram no site da loja Fnac: um erro fez com que diversos produtos, inclusive eletrônicos avaliados em milhares de reais, fossem anunciados por apenas R$ 9,90, mais frete. Com isso, internautas conseguiram comprar TVs de plasma, de LCD, notebooks e leitores de Blu-ray – com frete para São Paulo, uma TV LCD de 46 polegadas, avaliada em R$ 5 mil, saiu por R$ 32. A empresa anunciou que o sistema foi normalizado e essas compras, canceladas.

Os consumidores chegaram a receber confirmações de compra por e-mail e também tiveram os valores registrados por seus cartões de crédito. O Procon-SP, no entanto, confirma que essas aquisições não terão de

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