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APRESENTAÇÃO 116 INTRODUÇÃO

3.1 VAMOS FALAR SOBRE ESTUDOS DE GÊNERO?

Você se identificou com a história da Carolina e sua avó? Já viveu algo parecido? Conhece algum pai de menina “ciumento”? Já reparou que muitas vezes meninos e meninas são educados de forma diferente? E que na maioria das vezes as mulheres são mais cobradas e inspiram mais “cuidados” nos pais? Por que será que as pessoas esperam comportamentos diferentes de homens e mulheres?

Ainda na gravidez, quando se descobre o sexo do bebê, várias pessoas já definem os gostos e escolhas dessa criança, a começar pela cor das roupas, decoração do quarto, brinquedos, entre outros aspectos! E essa imposição de

hábitos ligados ao masculino ou ao feminino segue por toda a vida. Você já percebeu isso? Vamos a alguns exemplos:

Um menino e uma menina em idade escolar são matriculados numa instituição que oferta aulas extracurriculares, como futsal, ballet, artes marciais e ginástica rítmica. Por que é considerado natural que os meninos pratiquem futsal e não ginástica rítmica? É simplesmente uma aptidão e preferência do sexo masculino ou estímulos sociais?

Mais uma situação: por que muitas pessoas consideram normal que as mulheres fiquem em casa cuidando dos afazeres domésticos e dos filhos enquanto os homens possuem emprego remunerado e a situação inversa não é vista com a mesma naturalidade?

Você já ouviu algum tipo de comentário machista18 menosprezando a capacidade feminina ou limitando a mulher às atividades consideradas “femininas”?

Você já notou que a sexualização das mulheres é muito mais frequente que a dos homens? E que estes raramente são questionados em relação ao seu comportamento sexual? Você já percebeu que para muitos homens a vestimenta das mulheres funciona também como um indicativo de interesse sexual? E que muitas mulheres são julgadas e discriminadas por usarem roupas que deixam seu corpo à mostra e os homens não?

Segundo pesquisa realizada pela ONG Safer Net19, as mulheres são as maiores vítimas de exposição de fotos ou vídeos íntimos na internet (67% dos casos de sexting – mensagens de conteúdo íntimo e sexual). O número de casos do que se chama “pornografia da vingança” cresceu assustadoramente nos últimos anos. Grande parte das ações, são praticadas por ex-companheiros inconformados com o término do relacionamento. Os danos causados às mulheres que têm suas vidas íntimas exposta em redes sociais só existe porque a sociedade ainda vincula a

18 O machismo é um conceito utilizado para se referir aos discursos e práticas que sobrepõem o sexo masculino ao feminino, visto como inferior. O comportamento machista promove comportamentos discriminatórios em relação às mulheres, que se traduzem em desigualdade de oportunidades e pode culminar em violência física, verbal e psicológica.

19Ver mais em: https://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/03/08/mulheres-sao-maiores- vitimas-de-vazamentos-na-internet-saiba-se-proteger.htm. Acesso em 25 de agosto de 2018. Vale destacar que a divulgação e gravação de imagens íntimas sem consentimento constitui violação de intimidade por uso indevido de imagem. As pessoas que compartilham esse tipo de material, podem ser enquadradas no crime de difamação (Art.139), pois ofende à reputação de alguém e injúria (Art.140), caso atribua palavras ou qualidades negativas à vítima.

honra feminina ao seu comportamento sexual e não considera natural que as mulheres tenham total direito sobre seus corpos. O sexo continua sendo visto como algo pecaminoso, sobretudo para as mulheres. Os casos de exposição íntima crescem porque muitas pessoas acessam tais materiais, compartilham e ainda culpam as vítimas por tal comportamento.

A partir desses exemplos, é possível perceber que ainda não existe equidade de gênero, ou seja, que homens e mulheres não são tratados de forma igualitária, não possuindo os mesmos direitos e não são respeitados em suas singularidades.

É fundamental que se reflita sobre as normas culturais e sociais que orientam o modo como homens e mulheres são criados para que algumas mudanças aconteçam.

Ainda predomina uma educação que estimula a criatividade, raciocínio lógico, determinadas habilidades físicas a partir das atividades lúdicas e brinquedos voltados ao público masculino, enquanto que as meninas são incentivadas a reproduzir as atividades domésticas e relativas à maternidade, a partir de brinquedos como bonecas que necessitam de cuidados e reproduções em miniatura de eletrodomésticos dos mais variados tipos. Meninos e meninas devem ser criados com possibilidades iguais de desenvolver tais habilidades e expandirem suas ideias.

3.1. 1 Mas, afinal, o que é gênero? Vamos explicar melhor:

O termo Gênero é utilizado para explicar que ser homem e ser mulher são construções culturais. Ou seja, ao longo do tempo, as pessoas foram determinando o que era considerado um comportamento de homem e um comportamento de mulher. Então se isso foi construído em algum momento, não é natural, é passível de mudanças. As pessoas têm direito de fazer escolhas diferentes, sem sofrer qualquer tipo de recriminação ou preconceito. Se um menino gosta de jogar futebol, que ótimo. Se ele gosta de dançar ballet, é ótimo também. E o mesmo vale para as meninas!!!

Você deve estar se perguntando: OK, mas por que estamos falando sobre isso na escola? Não faz parte da matéria!

É importante debater sobre gênero nas escolas para que desde cedo meninas e meninos aprendam a se respeitar e tenham consciência de que um sexo

não é superior a outro. É preciso falar sobre gênero, porque o Feminicídio20 faz novas vítimas todos os dias. A morte violenta de mulheres por parte de seus maridos, namorados ou familiares engrossa estatísticas alarmantes no Brasil. Segundo pesquisa do Ipea de 2016 (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 4.645 mulheres foram mortas de forma violenta no Brasil. Em média, 12 mulheres brasileiras são assassinadas diariamente. Tal índice coloca o Brasil em 7º lugar no ranking de países com maior número de feminicídios, segundo a Organização Mundial de Saúde.

O Brasil tem uma herança patriarcal que pode nos ajudar a compreender esses dados e a desigualdade de gênero que ainda se fazem presentes. Por isso é tão necessário falar sobre gênero, para desmitificar a naturalização de comportamentos retrógrados, machistas e violentos.

3.1.2 Herança patriarcal? Como assim?

Patriarcado é um sistema social no qual os homens adultos ocupam uma posição privilegiada na sociedade, são os detentores do poder econômico e sentem- se responsáveis por decisões que deveriam ser tomadas coletivamente. Numa família patriarcal, por exemplo, esse poder está centralizado na figura paterna. Durante muito tempo, as mulheres não tinham o direito de exercer atividades remuneradas, ficando responsáveis pelos cuidados da casa e dos filhos, um trabalho de grande valor, mas muitas vezes invisível. Por não terem participação no orçamento doméstico, muitas vezes foram excluídas das decisões sobre a própria vida, em relação a assuntos como namoro, casamento, profissão e filhos, por exemplo. Primeiro viviam sob a custódia do pai, e quando se casavam, esse poder passava para o marido. Inclusive, daí vem a prática da mulher casada adotar o sobrenome do marido. Um costume social ainda bastante romantizado nos dias atuais, mas que esconde um passado machista e patriarcal.

O processo de inserção das mulheres em larga escala no mercado de trabalho, ocorrido a partir da metade do século XX, acarretou mudanças sociais

20 O feminicídio é o termo usado para designar assassinatos de mulheres cometidos em razão das vítimas pertencerem ao gênero feminino. No Brasil, a Lei do Feminicídio (Lei n°13.104) foi promulgada em 9 de março de 2015, tornando-o um crime qualificado e o classificou como crime hediondo, sendo aplicadas, portanto, penas mais altas, que podem variar de 12 a 30 anos de reclusão. Ver mais em: https://jus.com.br/artigos/31359/o-que-e-feminicidio

significativas, sobretudo na família. A independência financeira contribuiu para que as mulheres se libertassem do poder patriarcal e buscassem direitos iguais. O ir e vir do trabalho também propiciou maior liberdade de circulação às mulheres, que passaram a ocupar locais antes considerados “masculinos”. Considerava-se que lugar de mulher era em casa ou no máximo na igreja, e não nas repartições públicas, nas fábricas, nos transportes coletivos, nos locais destinados ao lazer e até mesmo na política. Atualmente, as mulheres cada vez mais estão assumindo postos de comando e exercendo atividades anteriormente consideradas inadequadas ao feminino, como operar guindastes, construção civil, pilotar avião, dirigir caminhão e até comandar o país, feito realizado por Dilma Rousseff, a primeira presidenta do Brasil eleita em 2010.

Mas, apesar de todas essas inegáveis conquistas e reconhecimento da igualdade legal, as mulheres enfrentam ainda inúmeros desafios, sendo a violência de gênero um deles.

Compreender o processo histórico da construção das desigualdades de gênero nos ajuda a pensar as raízes da cultura machista, da violência, das cobranças, imposições e preconceitos que recaem sobre as mulheres e possibilita repensarmos o que foi instituído como papéis sociais masculinos e femininos, buscando uma transformação social e igualdade efetiva entre homens e mulheres. Combater a violência e promover a igualdade de gênero é algo que beneficia a sociedade como um todo, inclusive os homens, que também sofrem com inúmeros estereótipos e pressões sociais para provarem sua “masculinidade”.

O conhecimento da história contribui para uma melhor compreensão da realidade social e para que as pessoas façam escolhas mais conscientes, o que favorece a transformação social que como já observamos, é tão necessária.

3.1.3 Até aí tudo bem, mas você deve estar se perguntando: como fazemos para saber como eram as relações entre homens e mulheres no passado?

Para investigarmos o passado e as raízes da desigualdade de gênero, por exemplo, utilizamos fontes históricas, que podem ser escritas (documentos oficiais como atas, certidões, projetos de leis, boletins de ocorrência, processos judiciais), livros, diários, cartas, entre outros, fontes orais (relatos), imagéticas, monumentos, artefatos arqueológicos e objetos dos mais variados que nos

permitam compreender como as pessoas viviam, o que pensavam, as normas sociais que seguiam, o que era estabelecido como “correto” para homens e mulheres em determinadas épocas.

As representações de gênero na cidade de Ponta Grossa serão investigadas a partir de processos criminais de sedução que tramitaram entre os anos de 1940 a 1970.