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Capítulo 2. Fundamentação teórica

2.1. Linguística Cognitivo-Funcional

2.1.2.2. Vantagens da abordagem construcional

Segundo Goldberg (1995), uma abordagem construcional: (a) evita que se determinem sentidos implausíveis aos verbos, (b) evita a circularidade, (c) permite a parcimônia semântica e (d) permite que a composicionalidade seja preservada.

a) A abordagem construcional evita que se determinem sentidos implausíveis aos verbos, pois, diferentemente de outras abordagens, como as que postulam regras lexicais para explicar a seleção argumental dos verbos, considera que a própria construção contribui com os argumentos, assim, não é somente o verbo o responsável por selecioná-los.

A sentença (36) He sneezed the napkin off the table, por exemplo, que corresponde a “Ele espirrou o guardanapo para fora da mesa” em português, seria concebida, por outras abordagens, como tendo um sentido implausível, uma vez que o verbo sneezed, um verbo intransitivo, apresenta complemento. Para a abordagem construcional, contudo, o verbo

sneezed, nesse caso, continua sendo considerado um verbo intransitivo, porém, assume-se que ele pode instanciar construções transitivas. Além da seleção argumental, o significado do verbo também seria considerado implausível, uma vez que espirrar um guardanapo é uma ação impossível, porém, a abordagem construcional considera essa sentença plausível, pois a construção em que o verbo sneezed está inserido (construção de movimento causado), é que proporciona esse significado. Evita-se, desse modo, que se busque estipular um novo sentido aos verbos a cada construção em que possa ocorrer.

b) Goldberg (1995, p. 10) informa que algumas teorias linguísticas correntes consideram que a sintaxe é uma projeção dos requisitos lexicais. Admitir essa concepção implica considerar o verbo como sendo de importância central, pois, é ele que “determina quantos e quais tipos de complementos irão ocorrer com ele”23. Entretanto:

[a]o invés de postular um novo sentido todas as vezes que uma nova configuração sintática é encontrada e então usar esse sentido para explicar a existência da configuração sintática, a abordagem construcional coloca que a questão da interação entre o significado verbal e o significado construcional é que deve ser abordada.24 (GOLDBERG, 1995, p. 12)

Desse modo, evita-se a circularidade, que seria inevitável caso uma análise partisse do verbo para se determinar os argumentos. Uma análise dessas consideraria que o verbo kick

23“[…] it is assumed that the verb determines how many and which kinds of complements will co-occur with it.” 24“Instead of positing a new sense every time a new syntactic configuration is encountered and then using that

sense to explain the existence of the syntactic configuration, a constructional approach requires that the issue of the interaction between verb meaning and constructional meaning be addressed.”

(chutar), por exemplo, tem uma relação binária com os argumentos de agente e paciente, ocorrendo, portanto, em construções transitivas. A fim de mostrar que esse tipo de análise nem sempre tem respaldo empírico, Goldberg (1995, p. 12) contra-argumenta dizendo que em (37) Pat kicked Bob the football, o verbo tem uma relação ternária com os argumentos, agente, recipiente e paciente, em uma construção ditransitiva. Desse modo, não é o verbo o único responsável por selecionar argumentos, a construção também é.

c) Chega-se à parcimônia semântica quando, ao invés de estabelecer sentidos diferentes aos verbos, atribuem-se as diferenças às próprias construções nas quais eles ocorrem.

[...] a semântica das expressões é diferente sempre que um verbo ocorre em uma construção diferente. Mas essas diferenças não precisam ser atribuídas aos sentidos verbais diferentes, elas são mais parcimoniosamente atribuídas às próprias construções.25 (GOLDBERB, 1995, p. 13)

Torrent (2009, p. 55) explica que em uma abordagem construcional “não é preciso postular n significados diferentes para uma mesma entrada lexical. Basta considerar que um dado verbo, por exemplo, possui um sentido básico que será adequado à construção em que o mesmo figurar.”

d) Apesar de ser contrária às análises composicionais, a abordagem construcional ainda consegue preservá-las, mas de um modo mais brando, uma vez que reconhece a existência do que chama de construções de conteúdo, entendidas por nós, como construções cujo significado é composicional. Por isso, essa abordagem assume que “[...] o significado de uma expressão é o resultado da integração dos significados dos itens lexicais com os significados das construções26.” (GOLDBERG, 1995, p. 16)

A Gramática das Construções carrega consigo concepções e princípios extremamente importantes para esse trabalho, além de contribuir com os estudos linguísticos no que concerne às pesquisas que se ocupam da descrição e análise de construções verbais do português.

25“[...] semantics of the full expressions are different whenever a verb occurs in a different construction. But

these differences need not be attributed to different verb senses; they are more parsimoniously attributed to the constructions themselves.”

26“[...] the meaning of an expression is the result of integrating the meaning of the lexical items into the

Resumo

Apresentamos, neste capítulo, os conceitos teóricos da Linguística Cognitivo- Funcional pertinentes à análise das construções com o verbo agarrar, bem como os pressupostos da Gramaticalização e da Gramática das Construções que amparam a investigação das mesmas para o português.

Sobre os pressupostos inerentes à Linguística Cognitivo-Funcional, salientamos a concepção de língua que subjaz aos estudos realizados nesse âmbito e as implicações que surgem dela. Por considerá-la um complexo de atividades comunicativas, sociais e cognitivas, essa perspectiva teórica permite a investigação de aspectos interacionais e cognitivos envolvidos nos fenômenos linguísticos. Além disso, ressaltamos a importância teórico- metodológica de partir do uso, uma vez que é por meio dele que as estruturas da língua emergem.

Mostramos, segundo Heine (1993) principalmente, os mecanismos envolvidos no processo de gramaticalização, bem como as discussões sobre o caráter gradual, unidirecional e contínuo desse processo de mudança linguística.

No que tange à Gramática das Construções, ressaltamos, especialmente, o conceito de construção segundo Goldberg (1995, 2006), uma vez que esse termo e seu tratamento teórico ancora a investigação das construções com agarrar que realizamos no capítulo destinado a sua descrição e análise. Destacamos, ainda, alguns aspectos importantes da proposta construcional de Goldberg, como a interação entre o verbo e a construção, a fusão dos papéis selecionados pelo verbo e pela construção, a Hipótese da Codificação de Cena, bem como as vantagens de lançar mão de uma abordagem construcional.

No capítulo a seguir, apresentamos os corpora nos quais coletamos os dados investigados nesse trabalho, o método de coleta e análise dos mesmos, bem como a problematização de questões como a utilização de dados de textos de escrita e a representatividade de um corpus.

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