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3 O ESTADO E A CULTURA À LUZ DO CINEMA NO BRASIL

3.2 O aparelhamento do Estado para a cultura no Brasil sob a ótica do cinema nacional

3.2.1 A Era Vargas e a cultura

O Estado brasileiro, pensado como uma estrutura que contemple diversas áreas de atuação em sua infraestrutura de governo, inserindo inclusive a cultura em suas metas, foi implantado após a “revolução” de 1930, no período getulista27. Nesse período de “revolução”,

ditadura e volta à democracia, houve, em pouco mais de quinze anos, uma grande transformação no que diz respeito à construção de um Estado com maior representatividade, bem como a construção de bases para a estrutura mínima de um país que deseja se industrializar. O período getulista tem suas contradições e um claro confronto com a democracia partidária, mas foi o que alavancou e modificou um pouco mais a cara do Brasil da República Velha. É com a industrialização nacional que as grandes cidades começam a gerar demandas culturais. O pontapé inicial, dado pela geração de 1920 na Semana de Arte Moderna em São Paulo, gerou, consequentemente, frutos melhores em um país mais estruturado: artistas e intelectuais brasileiros romperam com os padrões estéticos, culturais e sociais que eram baseados na cultura tradicional europeia. A Semana de 22 inovou o ambiente artístico e cultural de São Paulo, influenciando os principais centros urbanos em todo o Brasil. Pouco compreendido na época, o movimento foi, com o passar dos anos, adquirindo sua importância e tornando-se referência para, inclusive, propor uma base para a formação do fomento cultural nacional, que geraria a necessidade da formação de políticas públicas governamentais para o setor cultural.

Assim, temos um amplo cenário sendo montado durante o período da chamada Era Vargas (1930-1945), e uma rica efervescência cultural que coincide com a implementação do rádio no Brasil. É esse veículo de comunicação o mais importante nesse período, e foi ponte de divulgação de diferentes ritmos musicais, novelas e periódicos jornalísticos e de

27 Calabre (2009, p. 02) explicita: “Durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945) foram implementadas o

que se pode chamar de primeiras políticas públicas de cultura no Brasil. Nesse período, foi tomada uma série de medidas, objetivando fornecer uma maior institucionalidade para o setor cultural. O exemplo mais clássico dessa ação está na área de preservação do patrimônio material, quando, em 1937, foi criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Desde a década de 1920, os intelectuais modernistas vinham realizando uma forte campanha em favor da preservação das cidades históricas, em especial daquelas pertencentes ao ciclo do ouro em Minas Gerais. Outras iniciativas federais do período são a criação do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) e do Instituto Nacional do Livro (INL). Em julho de 1938 foi criado o primeiro Conselho Nacional de Cultura, composto por sete membros.”

entretenimento. Data dessa época a valorização do samba, e o fortalecimento do carnaval com as marchinhas e escolas de samba. Foi através do rádio que cantores como Francisco Alves, Mário Reis, Carmem Miranda, Sílvio Caldas e Orlando Silva se popularizaram como grandes intérpretes nacionais dessa época.

Vale ressaltar também que, no campo literário, há uma forte tendência dos autores nacionais em pensar a identidade do povo brasileiro, culminando em ciclos de escritores regionalistas, tais como Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Érico Veríssimo.

Se, por um lado, temos um período propício para a formação cultural brasileira como um todo, incentivado pioneiramente pelo Governo, por outro, é importante lembrar também que o Governo de Vargas limitou a liberdade dos artistas dessa época. Entre os anos de 1937 e 1945, foi proibida a divulgação e a publicação de qualquer tipo de notícia ou manifestação artística que quisesse criticar o seu governo. Nessa época, foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP, que tinha a tarefa de evitar as manifestações artísticas que se opusessem ao governo, e investir em propagandas que enaltecessem Vargas.

Nesse contexto ideológico, o período Getulista é marcado por utilizar a cultura para promover e perpetuar, por assim dizer, certo viés ufanista do seu período ditatorial. Miceli contextualiza ao investigar que

Os ideólogos que prestaram apoio ao golpe de 1937 viram a oportunidade de afastar do país a ideologia liberal que pensavam ter, por tanto tempo, impedido aos brasileiros acesso pleno a seu legado cultural. Por isso, o Estado exercia um papel fundamental no processo de “renascença cultural” que estava em curso. O controle do governo federal se expandiu também para os meios de comunicação, onde a imprensa e o rádio passaram a ser considerados de “utilidade pública”. Para que pudessem difundir seus trabalhos, os profissionais de comunicação agora teriam que negociar os aspectos de exibição de seus trabalhos com o governo federal e suas agências locais, que seriam as responsáveis pelas punições aos veículos que se afastassem das programações consideradas apropriadas para o novo regime. Um passo importante para o mecanismo de gerenciamento cultural foi o estabelecimento, no ano de 1938, do Conselho Nacional de Cultura (CNC), que passou a ser o responsável pela coordenação de todas as atividades de desenvolvimento cultural promovidas direta ou indiretamente pelo Ministério da Educação e Cultura. (MICELI, 2003, p. 217)

O Estado Novo de Getúlio entendeu que, ao estruturar todo um arcabouço cultural, ele poderia, inclusive, usar toda a força de formação de opinião que os meios culturais criam a favor do seu governo. Sua estratégia da comunicação com rádio e cinema foi um ponto primordial para a divulgação e popularização de sua política. É exatamente esse fomento, estruturação, e, até certo ponto, o controle dos meios culturais, que o fizeram ter uma aproximação com intelectuais de diversas áreas. Isso fez com que ele, já no seu governo

democrático, em 1953, criasse o Ministério da Educação e Cultura, desvinculando a Educação da Saúde, para o fortalecimento da estrutura cultural no país.