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4. O PROCESSO DE PRECARIZAÇÃO SOCIAL DO TRABALHO

5.3 VARIÁVEIS DA JORNADA DE TRABALHO

O motorista de ônibus urbano tem como principal atividade, dirigir. No entanto, outras atividades e responsabilidades fazem parte do seu dia-a-dia e se inserem como variáveis da jornada de trabalho. Antes de iniciar a jornada de trabalho, deve fazer o check list da inspeção do veículo, verificando a chaparia, extintores, níveis de óleo do motor, água, combustível, pneus e outros aspectos do estado geral do veículo. Em alguns veículos, é possível verificar

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estas orientações expostas no painel interno do ônibus. O motorista também é responsável pela “manutenção preventiva”, comunicando defeitos mecânicos ou qualquer outra irregularidade do veículo ao despachante ou ao operador de garagem e, ainda, responde pelos danos que o veículo possa causar ou sofrer durante o seu turno de trabalho. Faz parte também da organização de trabalho do motorista seguir normas referentes à conservação do veículo, adotar procedimentos que evitem o seu desgaste (evitar arrancadas e freadas bruscas, usar sempre a 1ª marcha na garagem e para subir ladeiras íngrimes) e, ainda, necessita realizar a “direção defensiva”, que faz parte das normas específicas em relação ao trânsito, no intuito de evitar, principalmente, a ocorrência de acidentes. Além disso, os motoristas também são submetidos às regras e metas do consórcio e, de modo mais amplo da prefeitura representada pelos órgãos fiscalizadores (SOUZA, 2005).

Souza (2005) descreve ainda que existia um regulamento interno da empresa, que foi contemplado em sua pesquisa, com normas específicas que regem a atuação do motorista. Havia uma escala de serviço que teria que ser verificada diariamente, devendo ser cumprido rigorosamente os horários de viagem estabelecidos, através da tabela de horários da linha em que o motorista estivesse operando. Aspectos como a carga horária do motorista (de 7h20min por dia), horas extras cotidianas e em períodos específicos como o carnaval, por exemplo, também eram fatores que afetam o trabalho desse profissional. Deste modo, era a prefeitura que determinava o horário de saída e chegada para cada viagem. Dentro do ônibus, o motorista era considerado a autoridade por um lado, mas por outro ele acatava normas e cuidava para que as regras referentes à entrada e saída de passageiros durante as viagens fossem cumpridas.

A jornada diária, apesar de ser de sete horas e vinte minutos, tem seu prolongamento com a realização de horas extras realizadas constantemente. Esta prática possui, para os motoristas, um significado duplo: ao mesmo tempo em que reclamam de cansaço, desejam fazê-las para aumento de renda. Um estudo em Natal-RN relacionou também fatores como: trabalho em férias, emissão de atestados médicos, reclamações de passageiros, dirigir atrasado e problemas familiares aos acidentes de trânsito. A pesquisa concluiu que o envolvimento de motoristas de ônibus em acidentes de trânsito pode ser evitado, ou ao menos diminuído, por meio de melhoria das condições de trabalho e de políticas públicas de saúde e segurança pública. Entre as principais queixas quanto às condições de trabalho, os motoristas destacaram também o contato com passageiros agressivos (MENDES, 1997; OLIVEIRA; PINHEIRO, 2013).

Outra situação apresentada por Pereira (2004) e Oliveira; Pinheiro (2007) se expressa quando o motorista tem que conciliar as orientações aos passageiros tanto em relação a

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comportamentos inadequados no interior do veículo como em relação às tarifas, aos locais de parada, associado a rigorosa obediência ao horário da viagem, à rota e, ainda, conduzindo o veículo dentro das normas de segurança estabelecidas em meio ao denso tráfego, tudo isso torna as tarefas deste trabalhador de intenso esforço mental.

Dentre os fatores geradores de ansiedade e sofrimento no trabalho do motorista de ônibus urbano estão, a sobrecarga de tarefas, as relações sociais conflituosas, o controle exacerbado, a precariedade das condições físicas e ergonômicas do ambiente, dentre outros. A interação com passageiros e todos os seus desdobramentos (seja de conflitos ou agressões) e o entorno que engloba não só a via urbana, mas, também, conduzir veículo dentro das normas de segurança estabelecidas em meio ao denso tráfego, pausas insuficientes, refeições em locais inadequados e de curta duração, turnos noturnos, a carga horária excessiva e as horas extras, controle excessivo do tempo, comprometem a autonomia do trabalhador. Todos esses fatores também são geradores de adoecimentos como quadros ansiosos, fadiga crônica, distúrbios de sono, esgotamento profissional, sonolência diurna excessiva. Além disso, os níveis de atenção, combinados com a pressão para execução de tarefas, podem gerar tensão e outros sinais de ansiedade, culminando em determinados casos em um esgotamento profissional (burnout) (ARAUJO, 2008; PETENGILL, 2010; ALMEIDA (2002), BATTISTON; CRUZ; HOFFMANN, (2006); PAES - MACHADO e LEVENSTEIN (2002), SMITH (1987), SOARES e THIELEN (2010), SOUZA (1996); JARDIM; RAMOS; GLINA IN GLINA; ROCHA (org.), 2010); (JARDIM; RAMOS; GLINA in GLINA; ROCHA (ORG) 2010, MENDES, 1997; OLIVEIRA; PINHEIRO, 2013 e 2007; FERNANDES, 2013, PETENGILL, 2010; PEREIRA, 2004; PAES-MACHADO, LEVENSTEIN, 2002; SOUZA, 2005) .

Nesse contexto, devem-se considerar medidas que priorizem não apenas a redução de paradas durante as viagens, mas considerar também o tempo de percurso em que seja possível contemplar tanto uma situação como outra, melhorando os serviços prestados pelos motoristas. A implementação de mudanças no processo de trabalho (condições e ambiente de trabalho) de motoristas de ônibus é necessária, visando minimizar as repercussões negativas do trabalho sobre a saúde desta categoria. Tal implementação deve contar com a participação dos trabalhadores, enquanto sujeitos capazes de contribuir com o seu conhecimento para o avanço da compreensão do impacto advindo do trabalho sobre o processo saúde-doença (ARAUJO; VIEIRA, 2007; ARAUJO, 2008).

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5.3.1 A relação do motorista com os passageiros: uma relação de conflito

Segundo Barcelos et. al. (2007) e Mendes (1997), ao destacarem a importância de sua profissão no transporte coletivo urbano, considerando a responsabilidade no transporte de passageiros, os motoristas afirmam ter ciência do grau de importância que têm para com a população, já que reconhecem que os passageiros dependem do seu trabalho para serem conduzidos aos seus destinos. Porém o que se observa é que, de forma contraditória ao se referirem ao contato humano, é comum os motoristas apresentarem os passageiros como fonte constante de conflito, atribuindo aos mesmos as suas principais dificuldades no trabalho. Para os autores esse aspecto foi considerado como o mais relevante fator de desgaste.

Mendes (1997), em seu estudo, analisou a caracterização do usuário e que o tipo de conflito existente está associado com a linha operada. Algumas linhas são consideradas mais difíceis, principalmente aquelas cujo “final de linha” é em bairros populares. Em relação aos passageiros idosos, inicialmente os motoristas relataram ter respeito e atribuíam a outros colegas a “má-vontade" em transportá-los, mas em grupos de discussão admitiram a rejeição a esses usuários. Pode-se relacionar esta questão ao curto tempo para executar as viagens e a demanda desses usuários mais idosos para subir ou descer do ônibus. A despeito desses conflitos, a maioria dos entrevistados ressaltou a importância de se transportar vidas humanas, o que confere ao trabalho do motorista uma maior cobrança social.

Em Araújo (2008), verificou-se que algumas estratégias usadas pelos motoristas se expressam em comportamentos considerados como inadequados, como não respeitarem as paradas solicitadas pelos transeuntes ou mesmo desenvolvem altas velocidades nos veículos. O autor observou que alguns desses comportamentos tidos como inadequados se acentuam justamente na medida em que há os engarrafamentos nas ruas e avenidas, daí muitas vezes justificarem tais procedimentos estratégicos para cumprirem o horário. Outro aspecto identificado foi o tratamento rude direcionado aos passageiros, a direção agressiva e a depreciação do instrumento de trabalho.

Parece existir um ciclo vicioso em que o passageiro insatisfeito com o serviço prestado (ônibus lotado, tempo de espera, dificuldade de acesso ao veículo entre outros) termina por agredir o motorista que, no ambiente do ônibus é considerado como uma autoridade que representa o sistema de transporte, esse por sua vez reage de maneira também agressiva aprofundando o conflito e a insatisfação.

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