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CAPÍTULO 2 – Procedimentos metodológicos

2.4 Variável dependente e variáveis independentes

Tendo em vista que a fala é influenciada por fatores internos e externos ao sistema linguístico e a fim de que os dados pudessem ser analisados pelo Goldvarb X, definimos as variáveis a serem estudas nesta pesquisa. Essas variáveis são de ordem linguística e extralinguística.

Para que haja variação é preciso que haja duas ou mais formas que expressem a mesma coisa. Portanto, a variável linguística dependente apresenta variantes, que, por sua vez, são governadas por fatores que influenciam o uso de uma variante em detrimento da outra durante o processo de variação. Esses fatores são chamados de variáveis independentes e podem ser tanto de ordem linguística, quanto extralinguística.

Temos a morfosintaxe, mais especificamente, a ausência e a presença de marcas de CV como variável dependente, sendo, portanto, uma variável binária. É preciso deixar claro que a variável dependente e as variáveis independentes foram selecionadas a partir de uma análise prévia dos dados coletados e a partir de estudos já realizados sobre a CV.

(1) L1 - (...) a professora pediu pá gente i vestida sem ropa como é: - com nossa ropa - hoje nóis vai fazê bandeinha - pintá cortá (...) (L1EXC)

(2) L1 - nóis gostamos mermo é de jogá de bola (...) (L1EXC)

Podemos perceber em (1) a ausência de marcas de CV, enquanto em (2) as marcas de CV estão presentes. A presença dessas marcas é considerada pela GN como a forma padrão e, portanto, a de prestígio. Já aquela é tida como a forma não padrão e, consequentemente, ela é a forma estigmatizada.

Para o estudo dessa variável, verbos no infinitivo, gerúndio e particípio não foram analisados. A variante ‘ausência de marcas de CV’ é caracterizada quando o sujeito não apresenta marca de concordância número-pessoal com o verbo, logo a variante ‘presença de marcas de CV’ é caracterizada por ser constituída por sujeitos que apresentam essa marca. Quando o sujeito não estiver expresso, levamos em consideração o contexto linguístico.

Nossos grupos de fatores internos à língua são: posição do sujeito em relação ao verbo, ausência/presença de elementos intervenientes na relação entre sujeito e verbo e número/pessoa. Para a variável posição do sujeito em relação ao verbo, selecionamos dois fatores: sujeito anteposto ao verbo e sujeito posposto ao verbo, representados em (3) e (4). Contudo, para essa variável não levamos em consideração a distância do verbo do seu sujeito.

(3) L5 - (...) é bom queu sa:io - conheço cosas nova - é assim bom ele e a mulhé dele me visitam mais (L5EYI)

(4) L6 - (...) quando fica arengando comigo as minina - ô com minha irmã porque assim (...) (L6FYC)

Nessa variável, analisamos, portanto, se o sujeito anteposto ao verbo condiciona mais a variante presença de marcas de CV do que a ausência dessas marcas e se o sujeito posposto ao verbo condiciona mais o uso desta do que o uso daquela.

Para a variável ausência/presença de elementos intervenientes na relação entre sujeito e verbo, selecionamos os fatores ausência de elementos intervenientes na relação entre sujeito e verbo, ou seja, quando o sujeito está imediatamente junto do verbo, estando aquele antes ou depois deste, sem que haja qualquer elemento linguístico que interfira na estrutura sujeito- verbo/verbo-sujeito, como podemos ver em (5); e presença de elementos intervenientes na relação entre sujeito e verbo, isto é, quando o sujeito, estando ele antes ou depois do verbo, está separado deste por um ou mais elementos que interferem na referida estrutura, como podemos observar em (6).

(6) L3 - (...) eu e as otra que também ficô com dô (L3EYI)

Investigaremos se o fator ausência de elementos intervenientes na relação entre sujeito e verbo condiciona a forma padrão e se o fator presença de elementos intervenientes na relação entre sujeito e verbo condiciona a forma não-padrão. Devemos ressaltar que, para essa variável, não serão levados em consideração os marcadores discursivos (né?, sabe?, certo, entre outros), elementos linguísticos que exercem funções na interação verbal, podendo, por exemplo, estabelecer elos coesivos entre partes do texto e manter a interação falante/ouvinte (Cf. MARCUSCHI, 1989), já que eles não parecem interferir na relação entre sujeito e verbo.

Para a variável número/pessoa, selecionamos quatro fatores: 1ª pessoa do singular (sintagma pronominal eu), 1ª pessoa do plural (sintagma pronominal nós), 3ª pessoa do singular (sintagmas pronominais ele, ela, a gente e sintagma nominal) e 3ª pessoa do plural (sintagmas pronominais eles, elas e sintagma nominal).

(7) L16 - eu conheço um amigo em Maceió - um de Maceió um de Rio Largo (...) (L16EYI)

(8) L16 - (...) conseguimo um pouco - nóis - só não - pode fazê - falta ainda a gente ver uns detalhe (L16EYI)

(9) L13 - (...) mai ele num qué acreditá num posso fazê nada - mas quando achá ele vai vê que não fui eu - e nem tem porque ficá sem falá -- (L13FYC)

Com essa variável, pretendemos verificar se os fatores 1ª pessoa do singular e 3ª pessoa do singular condicionam o uso da variante presença de marcas de CV e se os fatores 1ª pessoa do plural e 3ª pessoa do plural condicionam o não uso dessas marcas.

Tendo esse grupo linguístico em vista, definimos as variáveis sociais: escolaridade; localidade e tempo de permanência na entidade filantrópica para analisarmos se elas influenciam a variação entre ausência e presença de marcas de CV.

As duas primeiras variáveis são bastante investigadas. Contudo, a escolaridade vem sendo apontada como um dos principais fatores que exerce influência significativa sobre a variação de CV. Por outro lado, o mesmo não pode ser dito quando levamos em consideração a variável localidade, que vem sendo apontada como não significativa para o estudo dessa variação. A fim de investigar essas constatações, selecionamos essas variáveis para observar se elas apresentam o mesmo comportamento sobre a variação entre ausência e presença de marcas de CV na fala de menores carentes que vivem em entidades filantrópicas de Maceió.

Para a variável escolaridade, observamos se os falantes que estão no início do ciclo do ensino fundamental tendem a usar mais a forma não padrão e se os falantes que estão no fim do ciclo do ensino fundamental tendem a usar mais a forma padrão. Já para a variável localidade, que se refere ao local em que o colaborador vivia antes de ir para a entidade filantrópica, temos o objetivo de verificar se os colaboradores que viviam na capital antes de irem para a entidade usam mais a variante presença de marcas de CV e se os colaboradores que viviam no interior antes de irem para a entidade usam mais a variante ausência de marcas de CV.

Apesar de os estudos sociolinguísticos apontarem para uma não influência dessa variável sobre a variação já referida, decidimos selecioná-la para este estudo para observarmos se o mesmo pode ser confirmado em relação ao uso dessa variação na fala de menores carentes que vivem em entidades filantrópicas de Maceió.

A variável tempo de permanência na entidade foi selecionada por acreditarmos que pode exercer influência significativa sobre a variação entre ausência e presença de marcas de CV, já que antes da institucionalização, essas crianças, provavelmente, conheciam mais a forma popular da língua. Após a entrada na entidade filantrópica, elas são estimuladas a usar mais uma outra forma de falar, a prescrita pela GN, uma vez que essas entidades acreditam que esse conhecimento é importante para que seus membros, ao deixarem a instituição, sejam aceitos pela sociedade. Logo, são inseridos nas escolas e também passam a ter aulas de reforço na própria instituição.

Para essa variável, selecionamos os fatores menos de cinco anos e mais de cinco anos na entidade filantrópica a fim de observarmos se os falantes que estão na instituição a menos de cinco anos tendem a usar mais a forma não-padrão e se os falantes que estão na instituição a mais de cinco anos tendem a usar mais a forma padrão.

Ao definirmos o conjunto das variáveis independentes, queremos observar, portanto, se e como essas variáveis influenciam a variável dependente já citada.

Considerações

Neste capítulo, apresentamos os objetivos e as hipóteses desta pesquisa, descrevemos a comunidade de fala, bem como a vida que a cerca. Descrevemos também os procedimentos metodológicos utilizados para o desenvolvimento da coleta e da quantificação dos dados e apresentamos a variável dependente e as variáveis independentes em estudo.

Acreditamos, portanto, que essas informações são essenciais para que possamos compreender a descrição e a análise dos resultados obtidos por esta pesquisa, que foi desenvolvida de acordo com os princípios metodológicos da Sociolinguística Quantitativa.

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