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No tocante à variável social sexo, podemos citar uma das primeiras obras de Straka (1952), Le langage des femmes: Enquête linguistique à l’echelle mondiale,

produzida pela linguística europeia para discutir temas como a conveniência de utilizar mulheres como informantes em dialetologia e o caráter arcaizante ou inovador de sua forma de falar.

Quanto ao primeiro tema, a ideia mais generalizada é a de que a mulher contribuía mais nas entrevistas do que os homens (MERLO, 1952, p. 12-13). De qualquer maneira, as afirmações obtidas em diversos trabalhos partiam de dados bastante impressionistas e irregulares em relação ao conservadorismo31 da fala feminina. Alvar (1973, p. 74) afirmava que tal conservadorismo ficava por ser comprovado. De fato, Gauchat (1905) havia comprovado muitos anos antes que, contrariando a afirmação dos trabalhos, as mulheres fazem um uso muito maior de formas inovadoras do que os homens.

Só com o intuito de clarear os conceitos de conservadorismo e inovação, faz-se necessário entender que o mundo hispânico não é homogêneo e por isso, é fundamental reconhecer áreas geográficas que se unem pelos traços de semelhanças que podem estar relacionados a critérios fonéticos, gramaticais, léxicos; pela coincidência entre áreas do espanhol com zonas indígenas, bem como pela noção de conservadorismo ou inovação. Apesar disso, existem áreas de afinidades léxicas que se manifestam de forma descontínua, provando que não há usos totalmente compartimentados geograficamente, o que dificulta a fragmentação. É frequente que os usos mais característicos da Espanha sejam expandidos a América, mas o contrário não se dá, ou seja, não se percebem traços do espanhol americano no espanhol peninsular.

31 Segundo Pidal (1962), quanto maior a aproximação do espanhol de origem (Castela), maior conservadorismo na língua e quanto mais se diferencia, maior a inovação.

Logo, o conservadorismo consiste, fundamentalmente, em manter elementos linguísticos que nas zonas inovadoras evoluem ou se perdem. Poderíamos citar Castela (principalmente o norte); zonas altas do México e da região andina e interior da Colômbia como exemplos de áreas conservadoras. Já Andaluzia, Ilhas Canárias, Antilhas e costas da América do Sul se classificariam como áreas inovadoras.

Retomando o fator sexo, podemos posicioná-lo em um lugar de segunda ordem, como algo que costuma subordinar-se a dimensões sociais com maior poder de determinação. A dialetologia e a geografia social colocaram o fator sexo em um pedestal que lhe outorga uma importância maior em relação às demais variáveis, porém, muitas vezes de maneira infundada, semelhante às que enfrentam a fala dos homens e das mulheres quando qualifica a destas como conservadora, insegura, sensível, solidária e expressiva e a daqueles como independente, competitiva e hierárquica. A sociolinguística também comprovou que fatores como o nível sociocultural ou o estilo são mais determinantes que o sexo no momento de provocar variações na língua (FASOLD, 1990, p. 223). Isso não impede que outros estudos defendam que o sexo exerce maior influência sobre a língua que os demais fatores. Resulta de singular importância a forma em que o sexo dos falantes se combina com o fator idade na variação de numerosos elementos linguísticos.

Podemos observar entre os estudos sociolinguísticos preocupados pela diferença entre a fala de homens e mulheres, o destaque de ordem etnográfica. Estes estudos se focam, geralmente, na observação das interações comunicativas que se produzem em grupos ou comunidades e têm permitido conhecer traços reveladores da conduta comunicativa de homens e mulheres.

As diferenças dos usos mais frequentes em homens e mulheres têm sido anotadas em todos os níveis da língua, desde o fonético até o discursivo (BULL; SWAN, 1992), mas é precisamente no âmbito discursivo e da conversação em sua dimensão sociolinguística que se tem dedicado o maior número de investigações. Segundo Talbot (1998), em seu livro Language and gender, as mães norte-americanas iniciam menos conversações na hora da mesa que seus maridos e filhos. Cestero (1995; 2000), ao analisar a alternância de turnos da fala no espanhol de Alcalá de Henares, observou que nas conversações entre mulheres são mais marcadas as alternâncias de turnos que nas masculinas, revelando a maior tendência feminina a cumprir as normas de interação.

As investigações realizadas em centros urbanos revelam que a mulher normalmente é mais sensível às normas prestigiosas que os homens. Estes costumam moldar seus usos aos chamados vernáculos e às variedades locais. Este fato foi observado em um considerável número de estudos sociolinguísticos e de atitudes, incluindo os de Labov (1972) e deu lugar ao que se conhece como modelo sociolinguístico de sexo (FASOLD, 1990, p. 92-102). Em uma relação direta com esta diferença entre a fala de homens e mulheres, López Morales propôs um princípio geral que introduz um traço essencial na interpretação do fenômeno:

En una estratificación sociológica estable, los hombres usan formas que no son estándares con mayor frecuencia que las mujeres, siempre que la variación se produzca en un nivel de consistencia dentro de la comunidad de habla (LÓPEZ MORALES, 1992, p. 52)32.

A tendência a seguir um forma prestigiosa – normalmente considerada como normativa – não implica sempre um seguimento deste modelo. O prestígio pode estar nas peculiaridades da própria comunidade, o que implicaria um conservadorismo; mas também pode estar em traços alheios a ela, o que nos levaria a uma atitude inovadora. Porém devemos chamar atenção para o fato de que a divulgação de meios de comunicação como a televisão está fazendo com que o modelo de referência seja menos heterogêneo para qualquer comunidade, seja homem ou mulher.

Isso nos leva a alguns questionamentos: de onde nasce essa tendência da mulher em seguir padrões de prestígio? Por que os usos linguísticos peculiares à fala de homens e mulheres se relacionam diretamente com o seguimento ou abandono de uma norma?

Chambers e Trudgill (1980), com um critério que parte do conceito sociocultural de gênero, explicam a tendência das mulheres a seguirem um modelo de prestígio fundada na crença de que elas, mediante uma posição desvantajosa em relação aos homens perante o mercado de trabalho, marquem seu status social assumindo uma postura específica em relação à língua que lhes outorgue aceitação social.

Diante deste ponto de vista, verificamos alguns anos mais tarde que o próprio Chambers (1995)33 defende as diferenças instauradas entre as falas femininas e masculinas se devem a uma distribuição diferente nas funções socioculturais (gêneros

32 Em uma estratificação sociológica estável, os homens usam a forma não-padrão da língua com maior frequência que as mulheres, sempre que a variação se produza em um nível de consistência dentro da comunidade de fala (MORALES, 1992, p. 52).

33 Por fugir ao escopo do trabalho, não faremos um estudo pormenorizado da diferença entre gênero e sexo. Para maiores esclarecimentos, consultar Chambers (1995).

diferentes), primordialmente quando as variáveis são estáveis e quando homens e mulheres levam vidas diferentes dentro de uma comunidade.

Dos estudos que tratam das diferenças entre a fala do homem e da mulher, é bastante significativo o da sociolinguística feminista (THORNE; HENLEY, 1975; MORENO, 1988, p. 143-154; SMITH, 1979, p. 109-146), que se desenvolveu a partir da década de 1970, defendendo que as mulheres deveriam provocar uma mudança social que lhes proporcionassem a igualdade e a liberação da opressão masculina, manifestando-se contra o injusto sexismo da linguagem. Parte-se do princípio de que as línguas são sexistas e que, se erradicarmos tal fenômeno, estaremos corroborando com a ideia de que o sexismo da sociedade também pode ser extinto.

Neste trabalho, procuraremos verificar se, de fato, encontraremos na fala das mulheres uma linguagem mais padrão e observar se essa caricatura está relacionada a uma tentativa de igualar-se aos homens no mercado de trabalo.