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Variabilidade, mutabilidade e rotina no direito

No documento Vivência jurídica (páginas 110-125)

III. NÃO MAIS ESTÁTICA

3.4 Variabilidade, mutabilidade e rotina no direito

111 Ao tematizar o direito os juristas devem restar conscientes de que “nada acontece duas vezes, nem acontecerá”190. As situações jurídicas são irrepetíveis. A vivência jurídica se configura variável e mutável na medida das instabilidades humanas. Não se pode seguir ignorando que jurisdicionados e julgadores – assim como todos aqueles às voltas com a realização judicativa do direito - são homens, cujas carnes, ossos e nervos afrontam delineamentos teóricos com pretensões sistematizantes. Homens e não regras ou princípios realizam o direito, vivenciando-no.

“Tudo flui”. Basta mudarem os agentes envolvidos em situações reputáveis semelhantes, suscetíveis de adjudicação, para que se modifiquem as experiências e as interpretações que delas se fazem. Mesmo mantidas as partes de uma controvérsia e inclusive na presença dos mesmos procuradores, encarregados da defesa dos interesses em jogo, alterado eventualmente o julgador da demanda, a conformação final do caso jurídico se revelará, a princípio, imprevisível e não atrelada a anteriores resoluções. Decursos de tempo podem, ademais, afetar as percepções e interpretações de um mesmo julgador em determinadas matérias. Incontáveis e não mapeáveis fatores podem intervir na tomada de decisão. Acórdãos de difícil compatibilização, pensáveis como contraditórios (quanto à fundamentação, à interpretação de determinados dispositivos legais, ainda que não necessariamente quanto à resposta final, pois não há casos idênticos), podem ser exarados numa mesma sessão do Tribunal, da qual participam os mesmos julgadores, em casos subseqüentes da pauta de julgamentos. Casos sem aparente precedente – quer legislativo, quer judicial (e mesmo acadêmico) -não cessam de ser trazidos a juízo. A mudança é mesmo a dinâmica do direito.

Leis vêm e vão. Decisões administrativas são revistas internamente à administração e susecítveis de impugnação via judiciário. Entendimentos jurisprudenciais reputados consolidados são derrubados com mais freqüência do que muitos estão dispostos a admitir. Súmulas são editadas para logo em seguida serem canceladas. Outras permanecem em vigor, mas não se pode predizer acerca de sua utilização ou não na fundamentação decisória de casos aos quais, à primeira vista, parecem pertinentes. Teses com amplo respaldo acadêmico são ignoradas nos resultados de sucessivas adjudicações. Não é excepcional que julgadores sustentem determinado

190Nic dwa razy (Wisława Szymborska)

Nic dwa razy się nie zdarza (Nada acontece duas vezes)

i nie zdarzy. Z tej przyczyny (E nem acontecerá. Por esse motivo)

zrodziliśmy się bez wprawy (Nasceremos sem prática)

112 posicionamento academicamente para em seguida decidir em sentido contrário, quando provocados no exercício da judicatura. Posições jurisprudenciais minoritárias de hoje podem se consubstanciar como “jurisprudência dominante” amanhã. Regularidades talvez sejam constatáveis. Tendências jurisprudenciais nas decisões de determinados tribunais ou mesmo de órgãos internos a eles, que podem divergir reiteradamente entre si, podem ser apontadas. Todavia, pontos fora da curva jamais restam excluídos.

Direito se realiza de forma variável no curso das vivências humanas. Decisões interpretáveis como divergentes coexistem. Há diversidade nas manifestações contemporâneas do direito. Diferentes tribunais podem decidir questões semelhantes de maneira frontalmente oposta. Num mesmo tribunal, turmas diversas com freqüência divergem a respeito de incontáveis temas. Também assim, o direito se revela mutável. Realiza-se em pérpetuo devir. No decurso do tempo, casos semelhantes podem ser julgados de maneira incompatível por um mesmo julgador. Mudanças são constatáveis diariamente. Ademais, as mudanças não são definitivas, podendo-se revelar acidentais e sempre assumindo caráter de provisoriedade. Os juízos humanos podem oscilar. Ter sido decidido em desacordo com decisões anteriores, numa específica sessão, não significa necessariamente o início de nova tendência jurisprudencial. Pode-se, na sessão seguinte, retomar ao entendimento que alguns, precipitadamente, reputariam por superado. A vivência jurídica se desdobra em radical dinamicidade.

A dinamicidade do direito congloba sua variabilidade (oscilação sincrônica), comportando diversas manifestações de diferentes tribunais sobre casos jurídicos interpretáveis como semelhantes e sua mutabilidade (oscilação diacrônica), na medida em que os julgadores individuais e os órgãos colegiados não cessam de rever suas próprias posições, ou mesmo de abrir exceções a determinados posicionamentos interpretativos, sem renunciar a sustentação de determinadas linhas.

Muitos têm, contudo, relutado a encarar a vivência jurídica de frente. “O direito sempre foi e sempre será apenas sendo, ‘num processo contínuo’. Revela-se tão variável quanto o próprio homem”.191 No entanto, possivelmente contaminados por determinados discurso e ideologia insistentes em associar direito à certeza/segurança e

191

“Law hás always been and no doubt will always continue to, ‘in a processo of becoming’. It must be ‘as variable as man himself’. (...) Let us not become legal monks. Let us not allow our legal texts to acquire sanctity and go the way of all sacred writings. For the written word remains, but man changes. Whether the laws of Manu or Zarathustra or Moses, or the fourteenth amendment, or the doctrine of the Dartmouth College Case, or Munn v. Illinois, or the latest legislative discovery in Oklahoma, all laws tell us the same tale”. POUND, Roscoe. Law in the books and law in action. American Law Review. N. 44, 1910, p. 12-36, pp. 22 e 36.

113 em apresentá-lo como o contrário do arbítrio, aficcionam-se muitos juristas com noções como a de legalidade e de vinculação dos juízes às leis ou a precedentes, enxergando regularidades e padrões em experiências em que o regualar é a mudança.192 O

continuum do direito é marcado pela consância da contingecialidade. Divergências

jurisprudenciais coexistem no direito, não apenas entre distintos órgãos julgadores, mas internamente ao mesmo órgão colegiado. Não é de modo algum extraordinário que turmas diversas de um mesmo tribunal decidam casos interpretáveis como semelhantes de maneira diversa, a partir de compreensões dissonantes em torno de determinados dispositivos legais, de diferentes percepções quanto às versões fáticas ou de quaisquer outras circunstâncias (variáveis). Oscilações são freqüentes. Mesmo em matérias ditas pacificadas, há espaço para decisões dissonantes. “Jurisprudências dominantes” são mesmo de identificalibidade duvidosa, embora possíveis de constatar (enquanto regularidades no enfrentamento de determinadas questões). Quando constatadas, devem ser percebidas como tendência, de modo algum impassível de revivarolta ou mesmo de afastamento em não poucos casos.

Talvez seja precipitado e mesmo pouco realista negar a existência de quaisquer rotinas em direito. Aquele que se esforçar por vivenciá-lo logo se deparará com “caminhos muito frequentados”, “itinerários habituais” e “práticas reiteradas”. O cotidiano de inúmeras profissões jurídicas revela, em não poucos setores, massificação. Há muito de Ctrl C + Ctrl V (copiar/colar) no exercício da advocacia e da judicatura. Nas chamadas ações em massa ou repetitivas, situações humanas distintas na sua complexidade são tomadas como substrato para construção de casos jurídicos semelhantes, que são, muitas vezes, tratados como “idênticos” para efeitos de julgamento. Selecionam-se os mesmos problemas e formulam-se teses e estratégias “padrão” quando da submissão do caso ao crivo do judiciário. Julgadores, auxiliados pelos assessores (não raro substituídos por eles), passam a decidir em série. Elaboram- se listas. Ações envolvendo pedidos – com semelhantes causas de pedir e argumentação - sobre os quais tribunais superiores têm reiteradamente se posicionado num determinado sentido costumam ser jogadas numa mesma pilha e julgadas de forma

192

“(…) the textbook writers have not paid much regard to the fact that all directives from the legislator are changed litte by little in the course of development. Yet this constant, gradual change is a phenomenon more deserving of careful study than the doctrine of desuetude. As time goes on, the directives get worn out. The adjudication functions as a process of reinforcement of the law. But the reinforcement by the courts does often include a reshaping and a transformation of that what has been into something new, at least in part”. SCHMIDT, Folke. Construction of Statutes. Scandinavian Legal Studies, 1957, pp. 157-198, p. 192.

114 quase automática pelos órgãos de instâncias inferiores. Nessas hipóteses, efetivamente despacha-se, não se decide. Utiliza-se fundamentação decisória anterior, inalterada, para uma plêiade de casos adjudicados cujo teor é reputado semelhante ao daquele que levou à conformação de entendimento jurisprudencial que se percebe como sedimentado.

Audiências relâmpagos, cuja duração registrada em ata não ultrapassa três minutos de duração, são conduzidas em penca, uma após a outra. Não é raro que o único “trabalho” a ser desempenhado no momento do decisum seja o de alterar os dados dos litigantes em sentenças-modelo arquivadas nos computadores das varas. Também assim, advogados, nestes casos, têm maior trabalho na captação de clientes – bem como no posterior acompanhamento processual, com infindável número de audiências (mesmo que relâmpagos) - do que na elaboração de teses e estratégias processuais (no que diz respeito à seleção de argumentos e confecção das peças), uma vez que os mesmo argumentos são simplesmente repetidos nas sucessivas adjudicações. Bastará uma simples googlada para que se encontrem modelos de petição e de outras peças em matérias como correções de expurgos inflacionários causados por sucessivos planos econômicos nas contas de FGTS, discussões sobre a legitimidade da cobrança de assinatura básica telefônica, possibilidade ou não de indenização por danos morais em virtude de inscrição em cadastros de restrição de créditos sem notificação prévia, em se tratando de “devedor contumaz ou de simples consumidor, impugnações de reajustes de plano de saúde em virtude de mudança de faixa etária interpretados como indevidos, e repetição de valores indevidamente cobrados por instituição financeira a título de tari fa de abertura de crédito (TAC), tarifa de emissão de carnê (TEC), todas trazidas ao judiciário por meio de ações interpretáveis como repetitivas. Tornou-se mesmo freqüente a realização de mutirões judiciários para diligências processuais relativas a tais ações.

Algumas rotinas efetivamente são estabelecidas nos processos de realização do direito. Fala-se em jurisprudências mansas e pacíficas. Apresentam-se determinados entendimentos como consolidados pelos tribunais. Contudo, é preciso perceber que também tais entendimentos podem sofrer reviravoltas. Ademais, olhando-se de perto, não se pode deixar de reconhecer que inúmeros casos reputáveis semelhantes continuam sendo decididos, dia a dia, de formas diversas, mesmo sob a égide de tais sólidas jurisprudências, que são afirmadas por muitos em decorrência do julgamento de casos que se passam a referir como “paradigmas” (leading cases). As situações humanas não são idênticas. Tratar sucessivos casos adjudicados como “idênticos” para fins de

115 julgamento, isto é, colocá-los ou não em determinadas pilhas para tomadas de decisão em massa é algo também sujeito às interpretações/decisões de cada julgador. Os autos não criam pernas e se colocam por conta própria em uma pilha ou outra, etiquetando a si mesmos. É bem possível que teses bastante diversas e mesmo inovadoras, elaboradas por advogados na conformação de casos entendidos, num dado momento, como repetitivos, sejam simplesmente ignoradas, por sequer terem sido efetivamente lidas por assessores e juízes. Contudo, não se pode desatentar para a possibilidade de que talentosos advogado ou clientes de “bala na agulha” consigam convencer as autoridades competentes sobre a diversidade, peculiaridade ou o caráter especial das circunstâncias que os levaram ao judiciário, em particular caso que, doutro modo, seria destinado à pilha das ações repetitivas. Mesmo as rotinas forenses mais enraizadas se mostrarm quebrantáveis. Entendimentos reputados consolidados podem se desfazer no ar, sem aviso prévio.

A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu, no dia 21 de janeiro de 2010, por maioria apertada (5-4), pela impossibilidade de proibições quanto ao financiamento de campanhas políticas por parte de corporações (associações e empresas privadas) (CITIZENS UNITED v. FEDERAL ELECTIONCOMMISSION). Especificamente, a Corte se manifestou pela não proibição de financiamento corporativo de transmissões, via radiodifusão, de teor político, durante o processo eleitoral,

Em 2002, havia sido aprovado pelo Congresso Nacional o "Reform Act" (conhecido como McCain-Feingold Act), em que se procurava regular a questão. Ali, na seção 203, proibia-se expressamente o financiamento corporativo (por associações e privadas) e sindical de quaisquer comunicações de teor eleitoral (electioneering

comunications) ou de “discursos” em que houvesse expressas manifestações em favor

ou contra determinados candidatos. No ano de 2003, a Suprema Corte havia se manifestado pela constitucionalidade da regulamentação, sob o mesmo parâmetro que viria a servir para a determinação de sua inconstitucionalidade na decisão de janeiro de 2010: a primeira emenda ao documento constitucional dos EUA. A tendência legislativa parecia ser a de maiores restrições com relação à matéria.

Todavia, a decisão do caso em questão veio a revelar, uma vez mais, a imensa variabilidade e mutabilidade das manifestações jurídicas, isto é, a dinamicidade do direito. Foram “superados” dois importantes precedentes judiciais [McConnell v.

Federal Election Comm’n, 540 U. S. 93, 203–209 (2003)] e Austin v. Michigan Chamber of Commerce, 494 U. S. 652 (1990)], em que se garantia a possibilidade de

116 restrição do repasse de dinheiro de corporações a candidatos, admitindo-se que discursos políticos poderiam vir a ser banidos em virtude da identidade corporativo do pronunciante.

Os comentários de bastidores caminhavam no sentido de que apenas os cinco juízes que decidiram pela impossibilidade de proibições ao financiamento corporativo de comunicações eleitorais é que sustentavam tal entendimento no debate contemporâneo (evidentemente que se trata de exagero; de afirmação jocosa... porém instigante). Do ponto de vista da juridicidade, é, no entanto, suficiente. Cinco juízes da Suprema Corte formavam a maioria competente para decidir a pendenga, iniciada, no particular, pela divulgação do vídeo "Hillary: The Movie" (90 minutos de duração), financiado por corporações (especificamente pela organização (sem fins lucrativos)

Citizens United). O vídeo veiculava severas críticas à Senadora Hillary Clinton, então

candidata à indicação para candidatura à presidência nas prévias do Partido Democrata. Além de envolver marcos legislativos, como o Reform Act e outras regulamentações eleitorais, o debate jurisprudencial se centralizou em torno da primeira emenda (first amendment) ao documento constitucional dos EUA193, o que já havia acontecido nos precedentes mencionados.

Uma vez mais se coloca desnudo o “caráter de sem fronteiras” (unbegrenzte) da interpretação jurídica.194 Permanecem os dispositivos legislativos. Varia amplamente o direito realizado (o teor das diferentes decisões tomadas com referência aos mesmos “textos legais”).

As discussões, neste caso, polarizam-se em torno do alcance da liberdade de expressão política (political speech). O Justice Anthony Kennedy, relator do caso, entendeu, encabeçando a maioria, que “se a Primeira Emenda possui qualquer força juridical, então ela proíbe o Congresse de multar ou apenar cidadãos ou associações de cidadãos por simplesmente se engajarem em discursos politicos”195.

Tendência jurisprudencial interpratada como dominante durante vinte anos, descrita por muitos como pacificada, desde o precedente de 1990, conheceu repentina e

193

Eis a redação dada à primeira emenda:

Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances. (grifou-se)

194

Recomenda-se, com ênfase, a consulta de RÜTHERS, Bernd. Die unbegrenzte Auslegung. Zum Wandel der Privatrechtsordnung im Nationalsozialismus. Mohr Siebeck, 2005.

195

“(...) if the First Amendment has any force it prohibits Congress from fining or jailing citizens, or associations of citizens, for simply engaging in political speech”.

117 imprevisível ruptura. Poucos apostariam naquele específico deslinde para o caso

Citizens United. Decisões passadas emanadas pela mesma Corte – com diferente

composição, contudo –, disposições legislativas e orientações acadêmicas pareciam conduzir o caso a desfecho diverso. Os fautores de noções como a de leading case ou de

jurisprudência pacificada restaram horrorizados. Surpreendidos com a mutabilidade do

direito. Entretanto, é preciso reconhecer que em direito “inexiste possibilidade de prever o resultado. Há falta de segurança e as pessoas seguirão procurando em vão por pontos fixos de apoio (...)”.196

Não é perciso ir “buscar banana lá na Martinica” para evidenciar a mutabilidade do direito. A lei 8.072 de 25 de julho de 1990 vedava, no parágrafo primeiro do artigo segundo,197 a progressão de regime nos crimes hediondos, definidos no caput do artigo primeiro do mesmo diploma legal. Durante 16 anos, o “entendimento predominante” so Supremo Tribunal Federal, cuja composição foi alterada por várias vezes ao longo deste período, reconhecia a constitucionalidade daquela vedação. Entendimento predominante que já havia conhecido, é verdade, manifestações dissonantes, a exemplo de votos dos ministros Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio, no HC 69.657-1/SP.

A publicação da lei 9.455/97 havia representado desafio ao entendimento reputado consolidado. Ao permitir interpretação no sentido de admissão de progressão de regime aos condenados pelo crime de tortura, suscitou a questão em torno da ocorrência ou não de revogação tácita da vedação de progressão com relação aos crimes hediondos, ao tráfico de entorpecentes e ao terrorismo, cuja disciplina haveria de ser unitária, em conformidade com específica interpretação do artigo 5, XLVIII do documento constitucional. Chamado a se manifestar sobre a matéria posteriormente à edição da nova lei, o STF manteve, a princípio, posicionamento dominante no sentido da constitucionalidade da progressão da vedação da progressão de regime para crimes hediondos.

O Superior Tribunal de Justiça, que vinha assinalando interpretação divergente após o advento da lei 9.455/97, a exemplo do RE 140.617/GO, no sentido de estender a nova disciplina do crime de tortura aos crimes hediondos, no tocante à execução da pena, voltou a afinar os julgamentos com a orientação da reputada “jurisprudência

196

SJÖGREN, Wilhelm. Tidsskrif for Rettvitenskap, 1916, p. 337. 197

Lei 8072/90 (redação anterior à lei 11.464/2007). Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: (...)

118 dominante” do STF, reiterando entendimento sobre a constitucionalidade da vedação da progressão de regime. Parecia ter si firmado, no Supremo, orientação quanto à inexistência de inconstitucionalidade na concessão de regime mais benigno, no cumprimento de pena, apenas inicialmente fechado, para o crime de tortura, chegando- se mesmo a consignar que “se inconstitucionalidade houvesse, nem por isso seria dado

ao Poder Judiciário, a pretexto de isonomia, estender tal benefício aos demais crimes hediondos, pois estaria agindo desse modo, como legislador positivo (e não negativo),

usurpando, assim, a competência do Poder Legislativo, que fez sua opção política”.198

Em 2006, contudo, por maioria apertada de 6x5, dois dias depois de a segunda turma ter denegado o RE 468036, sob relatoria do Ministro Celso de Mello, decidindo pela impossibilidade de progressão de regime na execução de condenação por prática de crime hediondo, o pleno do Supremo Tribunal Federal se pronunciou no sentido da inconstitucionalidade da vedação da progressão de regime em crimes hediondos em virtude de sua incompatibilidade com a garantia constitucional de invidualização das penas, assentada no artigo 5, XLVI do documento constitucional de 1998. Afirmou-se que “a progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-

aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social”.

O julgamento do Habeas Corpus 89.259-SP, referente à execução da pena de paciente condenado por atentado violento ao pudor, com violência presumida e em caráter continuado, em virtude de acusação de molestar três crianças de idade entre 6 e 8 anos, representou ruptura jurisprudencial, descrita na ementa do acórdão como “evolução”199. Inúmeros precedentes do Supremo Tribunal Federal, respaldados por

198

Passagem da Ementa do RTJ 168/577 Relator Ministro Sydney Sanches, citado no STF - RE 468036 AgR / MG - pelo ministro relator Celso de Mello. Julgado em 21/02/2006. RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MATÉRIA CRIMINAL - CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DE CRIME HEDIONDO OU DE DELITO A ESTE EQUIPARADO - PRETENDIDA OBSERVÂNCIA DO REGIME DE PROGRESSÃO PENAL - IMPOSSIBILIDADE - NECESSÁRIO CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME INTEGRALMENTE FECHADO - RECURSO IMPROVIDO. - O réu - que foi condenado pela prática de crime hediondo ou de delito a este equiparado - não tem o direito de cumprir a pena em regime de execução progressiva, pois a sanção penal imposta a tais delitos deverá ser cumprida em regime integralmente fechado, por efeito de norma legal (Lei nº 8.072/90, art. 2º, § 1º), cuja constitucionalidade foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes. Observância, no caso, do magistério jurisprudencial do STF, até que sobrevenha eventual revisão da diretriz ainda prevalecente

No documento Vivência jurídica (páginas 110-125)

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