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CAPÍTULO 4 Nos dispositivos textuais da série Meninice: representações e

4.1 A variedade textual articulada nos quatro livros da série Meninice

De autoria de Luiz Gonzaga Fleury, os textos que compõem a série graduada de leitura Meninice parecem guiados pela finalidade de apresentar lições que abordem assuntos atraentes, escritas sob a forma de contos, histórias de animais, historietas e fábulas, poemas, conforme as especificações apontadas no Programma de Linguagem (1934, p. 100). Os assuntos dos textos tendem, ainda, a contribuir para a formação do caráter dos estudantes, por trazerem temáticas que visavam a um ensinamento quase que puramente moralizante.

Os quatro livros analisados apresentam uma linguagem escrita que busca conquistar a aprovação e o interesse do público infantil, “tão difícil de se conquistar”, conforme menciona Azevedo no parecer de abertura da 34ª edição, de 1948, de Meninice Quarto Grau. Escrever para crianças era algo desafiante para aqueles que ousassem aventurar-se pelas estreitas páginas dos impressos. O desafio estava em atender as expectativas e normatizações dos programas de ensino, adequando-se à realidade educacional, criando-se uma espécie de pacto entre o que professor deveria ensinar e o que o aluno teria condições de aprender.

Desta forma, o artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 1938, como forma de divulgação da obra – já citado no capítulo anterior – procura reforçar que a linguagem da obra de Fleury se mostrava ao alcance do desenvolvimento infantil, explorando assuntos dosados na medida suficiente para assimilação da criança, que não encontraria dificuldades na apreensão dos ensinamentos da lição.

Nesta perspectiva, a pesquisa guiada pela finalidade de melhor descrever este segmento argumentativo denominado de variação textual, balizou-se pela intenção de compreender ou mesmo de aproximar-se das representações de livro de leitura de qualidade que orientaram o processo de elaboração dos textos da série Meninice156 optando-se por analisar de forma conjunta os dispositivos textuais dos quatro livros da série Meninice. As observações indicam que ocorrem movimentos temáticos norteadores da obra, como: textos com temas infantis relacionados ao cotidiano e ao entendimento da criança; histórias com

156 Os textos selecionados para a análise referem-se aos livros que compõem o corpus desta pesquisa, correspondentes à 63ª edição, de 1949, de Meninice Primeiro Grau; à 92ª edição, de 1948, de Meninice Segundo Grau; à 86ª edição, de 1948, de Meninice Terceiro Grau e à 34ª edição, de 1948, de Meninice Quarto Grau.

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ensinamentos de valores, de bons comportamentos morais ou cívicos e textos portadores de conhecimentos gerais de História e de Ciências Naturais.

A apresentação dos textos nos livros da série Meninice parece se constituir, ainda, de dois movimentos: um de exclusão de um dos temas, outro de conexão entre eles. Deste modo, foi possível – pela leitura, observação e análise dos escritos – perceber a presença desses eixos temáticos na composição dos textos dos quatro volumes analisados. Embora se percebesse, também, que em um determinado volume prevalecia a exploração de um tema em detrimento de outro, pôde-se apreender, ainda, a junção de dois ou mais eixos em consonância num único texto.

O exemplar da 92ª edição, de 1948, de Meninice Segundo Grau, foi o único volume, dentre os quatro livros da série graduada, que apresentou uma classificação dos textos em forma de gênero ou de temática no índice da obra:

Quadro 10 – Índice de Meninice Segundo Grau 1948157

Textos Classificação do autor/editor

1. O monjolo, a roda d’ água e o passarinho 2. Ter juízo

3. A gatinha arrependida 4. Que mau gosto 5. O presente de Maria 6. O bonde 7. O descobrimento do Brasil 8. A história do sapo 9. A história da borboleta 10. A flor 11. Os índios - I 12. Os índios - II 13. De manhã 14. A água e a chuva 15. Quem muito quer...

16. Caramuru – o homem do fogo 17. Minha Pátria

18. João Ramalho

19. O papa-capim ensinado 20. A briga

21. As primeiras povoações brasileiras 22. O buldogue covarde

23. Tomé de Sousa 24. O macaquinho Simão 25. As bandeiras

26. Meu lar

Cena da vida infantil Conto infantil Fábula Conto infantil Conto infantil Poesia História

Noções comuns em fábula Noções comuns em fábula Noções comuns História História Narrativa Noções comuns Poesia História Civismo História Narrativa Conto História Fábula História Fábula História Poesia (História)

157 Fonte: quadro confeccionado pela própria autora a partir do índice apresentado na 92ª edição, de 1948, de

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27. Fernão Dias e Bartolomeu Bueno 28. Conversa de Plantinhas

29. Tiradentes

30. A circulação do sangue 31. Duas rosas

32. A independência do Brasil 33. Diálogos entre animais - I 34. Diálogos entre animais - II 35. Diálogos entre animais - III 36. Libertação dos escravos 37. Nosso céu

38. A proclamação da República 39. A queda dos corpos

40. O que arde cura 41. A respiração 42. Um amigo da escola 43. A digestão

44. A chave dos sentidos 45. Águia brasileira

História

Noções comuns em conto História

Noções comuns Conto infantil História

Noções comuns em fábula Noções comuns em fábula Noções comuns em fábula História Poesia História Noções comuns Conto Noções comuns Conto Noções comuns Conto História

A disposição de uma categorização acompanhando os títulos se mostra um dispositivo editorial que teria a função de nortear um leitor específico: o professor, a respeito dos assuntos que seriam trabalhados no decorrer das lições. Esse dispositivo sinaliza uma estratégia de intervenção que se apresenta como um protocolo de leitura para orientação do professor em relação à finalidade de cada texto, antes do uso do livro de leitura.

O dispositivo editorial, como viabilização da obra para um determinado leitor, é compreendido por Chartier (1999, p.130) como uma ação movida pela representação que se tem das competências e das capacidades de leitura para quem o livro foi produzido, de modo que

A leitura implícita suposta e visada por tal trabalho pode ser caracterizada como uma leitura que exige sinais visíveis de identificação (como é o caso dos títulos antecipados ou dos resumos recapitulativos, ou ainda, das gravuras, que funcionam como protocolos de leitura ou lugares de memória do texto), uma leitura que só se sente à vontade com sequências breves e fechadas, separadas umas das outras, uma leitura que parece satisfazer-se com uma coerência global mínima.

A classificação dos textos, apresentada no índice do segundo volume da série Meninice, torna-se este sinal visível de identificação para orientar a leitura que o professor desenvolveria em sala de aula, conforme descreve Chartier (1999).

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Neste sentido, esta categorização torna-se o ponto de partida para a análise dos demais textos que compõem a série Meninice. Através dela, pode-se observar que ocorre um esforço em apresentar uma variedade textual para compor os quatro volumes da série graduada de leitura Meninice. Ao observarmos e analisarmos todos os textos da série, foi possível identificar que a variedade textual se apresenta e se configura sob três aspectos: a) a temática, b) a linguagem e c) a disciplina curricular.

a) A temática

A ênfase temática presente nos quatro livros da série de leitura Meninice aparece relacionada ao universo infantil, compreendendo cenas do cotidiano, vinculadas ao contexto social da criança e próprias da época. Esta configuração se mostra movida por duas finalidades: uma de se despertar o interesse da criança pelo texto, ao descrever situações sobre aquilo que lhe era próximo. Outra de adequação da obra aos discursos em circulação na época sobre o que os textos dos livros de leitura deveriam abordar.

No artigo Leitura no Primeiro Grau, publicado na Revista Educação, em 1933, por Gertrudes Shipley, a autora defende a ideia de que as primeiras atividades de leitura deveriam basear-se na experiência da criança, de que a professora deveria partir do vocabulário oral da criança, considerando o “símbolo oral” para a iniciação do ensino da leitura e da escrita, indicada como o “símbolo visual”. Em relação aos textos presentes nos livros de leitura, a autora destaca que:

Os assuntos escolhidos para as atividades de leitura que precede o livro devem ser variados. Quanto maior fôr a variedade e quanto mais numerosas as atividades, tanto menos necessidade haverá de exercício que constitui trabalho penoso. Assunto que valham a pena podem ser derivados das experiências comuns (passeios, jogos, partidas, excursões, feriados, atividades caseiras, dramatizações, etc.); da literatura de interesse comum (narrativas, poesias infantis, charadas) e de fontes existentes na natureza (um animal de estimação, o aquário da escola, uma casaca de ovo, um canteiro de flores, etc.)

A autora explora a ideia de que o livro de leitura deveria apresentar textos com assuntos variados, dentro de três eixos de interesse que ela apresenta como experiências comuns, literatura de interesse comum e fontes existentes na natureza, particularidades que são perceptíveis nos textos que compõem a série Meninice.

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Nos textos da 92ª edição, de 1948, de Meninice Segundo Grau, como O monjolo, a roda d’ água e o passarinho, Ter juízo, A briga, Meu lar, Um amigo da escola, percebe-se

que a temática contempla a característica experiências comuns, discorrendo sobre situações possíveis de ocorrer na vida da criança. Nestes textos o que se percebe é um esforço de Fleury em apresentar narrativas marcadas pela descrição do contexto social da criança.

Em outros textos, como A história do sapo, A história da borboleta, O buldogue covarde, A flor, A água e a chuva, Conversa de plantinhas, Nosso céu, percebe-se narrativas e descrições marcadas pela característica de uma temática inspirada nas fontes existentes na natureza, o que também pode ser identificado como textos curriculares para o ensino de Noções Comuns, que será comentado posteriormente.

O primeiro texto que compõe a 92ª edição de Meninice Segundo Grau, O monjolo, a roda d’ água e o passarinho, está identificado no índice como Cena da vida infantil; observa-se que, apesar de outros textos discorrerem sobre essa temática, apenas a este título foi atribuída tal classificação, uma denominação que não se mostra aleatória, mas que pode ser compreendida como um modo de demarcação da temática a ser trabalhada. Um traço da ação editorial que evidencia uma estratégia para se ressaltar que o livro de leitura estaria em consonância com a vivência cotidiana da criança:

O monjolo, a roda d’água e o passarinho Lulu e sua irmãzinha Conceição brincavam no fundo do quintal.

Lulu tinha feito um monjolinho e uma rodinha d’água. Eram de pau de paineira, que é macio e fácil de ser cortado a canivete.

A água para mover o monjolo e a roda vinha de uma lata grande e era conduzida por bicas de taquara.

O monjolinho socava e a roda girava que era uma boniteza!

Os dois irmãos estavam muito entretidos, quietinhos, vendo-os trabalhar. Chiééé... toc! Fazia o monjolo. Ruc... ruc... ruc! Fazia a roda d’água.

De repente, conceição ouviu o canto de um passarinho, que dizia: – Ti... tirititi... tisiu!

Perguntou baixinho ao irmão que passarinho seria aquêle.

– Ora! É um tisiu. Ele mesmo está dizendo! E é assim que é conhecido. Está ali. Olhe. Ali na cêrca, por trás daqueles ramos. Veja como ele faz quando canta. Dá um pulo para cima, batendo as asas, e volta ao lugar em que estava.

Ficaram olhando.

– É pretinho, disse Conceição. – Pois é.

O passarinho fêz: Ti... tirititi... depois deu o pulo, disse seu nome no ar... tisiu! E voltou ao ponto em que se achava.

– Como é engraçado! Exclamou Conceição. Até parece que êle está querendo imitar a roda e o monjolinho!

Mas a menina tinha falado alto demais e o passarinho, assustado, prr... lá se foi voando...

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Que pena!158

A realidade infantil como temática centralizadora desta lição está em trazer a criança como personagem principal, em exibir seus interesses, modos de brincar, descrevendo particularidades do ato de criar brinquedos e brincadeiras próprios da época. A liberdade e a espontaneidade pueril aparecem nas ações realizadas ao ar livre, com a descrição do cenário, a presença da natureza e de aves pertencentes à fauna da região.

Ao discorrer sobre assuntos relacionados à infância nas lições, a obra de Fleury consideraria tanto o Programa Mínimo para o curso Primário, segundo o qual nas disciplinas de Leitura e Linguagem Oral, deveria ocorrer o “[...] comentário de gravuras expressivas, que refiram a assumptos relacionados com a vida infantil”159 - quanto o Programa de Ensino e o Programma de Linguagem, publicado em 1934, sob a determinação de que

Os assumptos das lições devem, pois, estar rigorosamente á altura da comprehensão da criança e, para isso, devem ser tirados de coisas e scenas de seu pequeno mundo: da casa, da escola, das ruas por onde passa, de modo que lhe sejam aprazíveis e ao mesmo tempo lhe revelem como possíveis fontes de informação, uteis á sua vida infantil. De tal sorte a leitura, desde o início, será para a criança uma coisa interessante por si mesma, e, por isso, ardentemente desejada.160

Na 63ª edição, de 1949, de Meninice Primeiro Grau, embora não apareça a descrição da temática ou do gênero junto aos títulos dos textos no índice, a temática Cena da vida infantil pode ser observada em diferentes textos que tratam sobre assuntos da experiência comum, como Um passeio, Automoveizinhos, O macaco velocipedista, Batizados de bonecas, A chácara de titio, Saudade da Infância, A piscina, Distração de velha, Jôgo de empurra, entre outros; observa-se que são textos curtos em que Fleury explora a descrição de diferentes ações do fazer cotidiano ou de brincadeiras infantis:

BATIZADOS DE BONECAS

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FLEURY, L. G. de C. Meninice Segundo Grau. 92ª edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1948, p. 11.

159 ALMEIDA JUNIOR, A. Programma Minimo para o Curso Primario. Annuário do Ensino do Estado de

São Paulo. 1934-1935, p. 113.

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Programas das Escolas do Distrito Federal. Revista Educação. Vol. III, 1934, p.295. Cf. também: BRASIL. Departamento de Educação. Directoria Geral da Instrucção Pública. Programma de Linguagem. Série C, Programmas, n.º 1. Rio de Janeiro, 1934, p. 19.

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Tenho uma boneca de louça que diz – mamãe! Quando deitada, fecha os olhos, como se dormisse.

Batizei-a domingo passado. Convidei para o batizado algumas amiguinhas. Maria Júlia foi a madrinha da boneca. Meu irmão Carlos serviu de padre. Para a festinha, comprei alguns doces: cocadas, sequilhos, e balas de frutas. Passamos, assim, o domingo, muito contentes.

Findo o batizado, brincamos de roda no quintal.

Domingo que vem será o batizado da boneca da Maria Júlia. Vou ser a madrinha e a boneca dela terá o meu nome. O padre será ainda o Carlos.

No batizado haverá doces e será servido refrêsco de groselha. Estou ansiosa por que chegue logo o domingo.

Vamos divertir-nos à grande outra vez!161

No texto Batizado de bonecas descreve-se de modo detalhado as ações do personagem narrador, num relato que retrata elementos do universo infantil. Este recurso se mostra em outros textos, como A perereca verde, A formiguinha, Abelha, O coelho gigante, O cavalinho, A rainha das flores, O sapo valente, No mar, Andorinhas, Dias de sol, em que a finalidade do texto está em descrever e apresentar características do animal, da situação, do lugar ou da cena de fontes existentes na natureza:

DIAS DE SOL

Depois de uma semana de chuva, o dia, afinal, amanheceu luminoso.

Como são belos os dias claros! Reanimam a gente; comunicam alegria ao espírito. O azul do céu, o verde das plantas, a luz dourada do Sol parecem penetrar na alma. Despertam esperanças e desejo de viver.

A chuva é necessária. Sem ela, a vida seria impossível. Mas se os dias de chuva se sucedem, acabam aborrecendo.

Umidade, ar sombrio, tristeza, ontem, hoje, amanhã... é de desesperar!

Se a chuva é indispensável à vida, também o é o Sol com seu calor, a sua luz, a sua beleza, a sua alegria!162

b) A linguagem

A linguagem escrita dos textos, observada nos quatro volumes da série Meninice, se mostra outro aspecto bastante decisivo na articulação da variedade textual. Fleury organiza sua obra didática a partir de diferentes textos de sua própria autoria, de modo a oferecer uma literatura de interesse comum, contendo narrativas, poesias infantis, fábulas, contos,

161 FLEURY, L. G. de C. Meninice Primeiro Grau. 63ª edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1948, p. 23.

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entre outros, conforme descreveu Gertrudes Shipley, em 1933, no artigo Leitura no Primeiro Grau, publicado na Revista Educação.

Outras discussões travadas a respeito dos modos de produção da literatura didática brasileira ocorreram em 1918, quando Sampaio Doria publicou um artigo intitulado “Methodologia do ensino e literatura didactica”, na Revista de Ensino, sem indicação da secção. Neste texto, o autor praticamente destaca três características que a linguagem escrita deveria apresentar na composição dos livros de leitura, já apontadas no Annuário de Ensino do Estado de São Paulo, de 1918.

Segundo Doria, para atender à finalidade da educação, a literatura didática precisava aprimorar-se em três qualidades em relação à estruturação da linguagem escrita, que seriam: a beleza, a verdade e a moralidade.

A qualidade considerada eficaz na literatura didática denominada de beleza, era compreendida por Sampaio Doria a partir da ideia de que a formação do espírito do educando envolveria também uma formação estética. A apreciação da arte na expressão verbal do pensamento não atingiria uma profundidade de compreensão e de utilização, caso não fosse introduzida já no início do trabalho com a linguagem infantil. Por se tratar de uma obra infantil, acreditava-se que a linguagem deveria apresentar por predominância a “simplicidade e naturalidade” das palavras, mas não deveria ser escrita com descaso, nem contaminada pelo exagero do refinamento linguístico, devendo ser utilizada uma linguagem escrita acessível à compreensão da criança.

Os textos que compõem as lições da série graduada de leitura de Fleury parecem se aproximar ou corresponder, de certa forma, a esses três quesitos estabelecidos por Sampaio Doria. Observa-se que em relação ao quesito beleza, Fleury elabora textos com temas que estão relacionados à linguagem infantil, a partir do movimento de acercar-se da realidade cotidiana da criança, retratando fatos e situações entendidas como habituais ou pertencentes ao contexto social da época, por meio de narrativas, contos, poemas e fábulas.

O dispositivo textual percebido na linguagem dos textos de Fleury pode ser identificado como uma figura de pensamento, a personificação, que atribui qualidades, sentimentos e ações humanas aos animais, plantas e objetos, um tipo de recurso que se mostra presente não apenas nas fábulas, mas em contos, narrativas e poemas:

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O COELHO GIGANTE O Coelhinho Branco apareceu na toca muito assustado.

Trocava as orelhas, com o coração aos pulos e os bigodes a tremer. – Que foi que lhe aconteceu? Perguntou D. Coelha.

– Ih! Mamãe; levei um susto! Vi um coelho gigante, cem vezes maior do que o papai.

– Não há coelhos deste tamanho, meu filho.

– Há, sim! Vamos até perto do rio para a senhora ver. Mas vamos com cuidado. Foram. A certa altura do caminho o Coelhinho Branco parou de repente. – Mamãe, disse êle, está ali o monstro, o coelho gigante!

D. Coelha voltou-se, olhou e pôs-se a rir.

– Ora, meu filho! O animal que você está vendo nunca foi coelho. É um jumento. Só parece coelho pela beleza das grandes orelhas163.

Havia uma preocupação de que os textos do primeiro livro apresentassem frases curtas, pois de acordo com o Programa Mínimo para o Curso Primário164, os textos deveriam apresentar “leituras de sentenças simples e concatenadas” e com “relativa facilidade”. O que se percebe nos textos do primeiro livro da série Meninice é a predominância de frases dispostas, normalmente, na ordem direta – sujeito seguido de predicado.

Outra preocupação em relação ao publicado no relatório do Annuário de Ensino do Estado de São Paulo, em 1936, por Almeida Junior, diz respeito ao conteúdo e à linguagem dos livros escolares, constando que o “[...] livro de leitura, que visa sobretudo a formação civica e moral e o cultivo da linguagem, deve endereçar-se particularmente ao coração despertando emoções nobres e generosas, e, ao mesmo tempo, esmerar-se na forma, procurando sempre a clareza e a simplicidade”165.

Por retratar uma linguagem escrita com características próprias de uma determinada época, o pesquisador pode, segundo Maciel (2010, p.190), ver-se tentado a estabelecer relações de proximidade com o contexto atual, mas “[...] é preciso cuidado e rigor para poder olhar para o passado com as lentes do passado”.

163 FLEURY, L. G. de C. Meninice Primeiro Grau. 63ª edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1948, p. 37.

164 ALMEIDA JUNIOR, A. Programma Minimo para o Curso Primario. Annuário do Ensino do Estado de

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