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Capítulo 3 – Beleza Negra – Uma Categoria Estética, um Empreendimento

3.2 A Beleza Negra das Peças Publicitárias

3.2.2 Vasenol “Pele Morena e Negra”

LOCUTOR: Vasenol apresenta: 3 mulheres marcantes. Pati, delicada e extrovertida. Ana, sensível e dinâmica. Lia, romântica e determinada. O ponto em comum? Uma pele sempre bonita. LOCUTORA: Novo Vasenol pele morena e negra, foi especialmente criado para valorizar a nossa tonalidade natural e eliminar o aspecto ressecado. Hidratação que dura o dia todo. Vasenol, quanto mais você se cuida mais você se gosta.

Seda, contudo, não foi o primeiro produto dirigido ao público negro por Unilever. Antes dele foi lançado em 1999, o hidratante Vasenol para “pele morena e negra”, que apresentava não o cabelo, mas a pele no centro das atenções.

O slogan de Vasenol, “Quanto mais você se cuida, mais você se gosta”, remete à importância dos cuidados com a beleza para a elevação da auto-estima feminina, e poderia ser aplicado à propaganda de qualquer outro produto de beleza173.

A propaganda tem início com uma narração que descreve as modelos com atributos que se referem à beleza e à modernidade, o que, tendo em vista os estereótipos aos quais à mulher negra foi historicamente associada, representa uma novidade. O filme não apresenta

173 Esse traço de aparente neutralidade, que na realidade revela a prática de evitar em se tocar no tema da

negritude é também percebido por Edna de Melo Silva ao analisar as representações sobre a mulher negra em revistas dirigidas ao púbico negro. In: Retratos de Mulher –A mulher negra nas revistas para o público negro – Estudo de Caso. Disponível em www.lpp-uerj.net

qualquer referência específica ao pertencimento étnico-racial das mulheres negras, que são seu público-alvo, e deixa que a associação seja feita pelo próprio público a partir da imagem das mulheres ao inscrevê-las num discurso mais genérico sobre mulher (evocando uma noção universalista de igualdade –aqui entre todas as mulheres– e, no mesmo sentido, escapando à verbalização do reconhecimento de uma diferença específica). As mulheres são apresentadas como “três mulheres marcantes”, de modo que uma seria “delicada e extrovertida”; a segunda, “sensível e dinâmica” e a terceira, “romântica e determinada”; numa combinação de atributos considerados compatíveis com a inserção no mundo moderno (evocados pelo segundo termo dos pares de características) com os elementos componentes da “feminilidade”, posto que a mulher “de fato feminina deve ser” delicada, sensível, romântica. Durante todo o filme, realizado num ambiente que parece um clube com as moças nadando, saindo da piscina e dirigindo-se a uma espécie de vestiário, onde farão a aplicação do produto na pele usando roupões e toalhas totalmente brancos, a propaganda mantém um silêncio absoluto com relação ao que quer que seja que aluda ao pertencimento racial das personagens. E o faz por meio da utilização da categoria genérica “mulher”, como que numa estratégia de construir uma estranha neutralidade do ponto de vista racial, no mínimo deslocada para a marca que hoje anuncia orgulhosamente ter sido a primeira a lançar produtos para o segmento negro da população174. A propaganda parece evitar cuidadosamente a enunciação da diferença por meio da circunscrição implícita da categoria negra à categoria mulher e da utilização da referida fórmula “eufemística” que combina “morena e negra” para classificar a modalidade do produto. Fórmula esta que, mesmo tão “eufemística”, é dita apenas uma vez ao final da propaganda, acompanhada do pronome conciliador “nossa”, na frase dita por uma voz feminina: “o novo vasenol pele morena e negra foi especialmente criado para valorizar a

nossa tonalidade natural” –referindo-se à pele. Mas as imagens das modelos revelam

claramente tonalidades de pele diferentes, de modo que mais uma vez a pele mais escura é contrabalançada ou compensada pelo cabelo alisado ao passo que a pele mais clara permite o cabelo enrolado das outras duas modelos175.

174 Em entrevista já citada, Laércio H. Cardoso, diretor de novos negócios da Unilever, afirmou: “A

Unilever foi a primeira grande empresa a desenvolver produtos de cuidado pessoal que atendem as necessidades especificas da população negra e mulata”, p. 35.

175 Esta propaganda de Vasenol foi a que causou mais inquietação nos entrevistados. Especialmente a

terceira moça da esquerda para a direita causou dúvida nos entrevistados em relação a como classificá-la do ponto de vista da cor ou do pertencimento racial. Apresentei as fotos e pedi que as classificassem: eles tiveram dúvidas e lançaram mão de categorias diversas – “parda”, “mulata”, “amarela”, “mulata clara”, “mulata mais puxado pra negra”... Apenas dois dos entrevistados disseram ser a moça negra, referindo-se à forma do nariz ou aos lábios. Contudo, nenhum dos entrevistados deixou de reconhecer na moça algum traço que a associasse aos

O que aqui se está chamando de “eufemismo” dos traços fenotípicos nas imagens das propagandas tem importância devido à construção social dos traços associados à população negra a partir da negatividade; tendo em vista que o anúncio se propõe a uma representação positiva da mulher negra com base na idéia de beleza, o dito artifício revela a manutenção de uma visão que negativiza a aparência desse grupo e de algum modo afirma que só é possível beleza para aqueles negros que se aproximem do ideal branco. Não se trata de discutir se a presença desses traços nas personagens faz delas “mais ou menos negras”, mas o ponto é que essas propagandas indicam que uma representação positiva só pode ser construída a partir da ausência “disfarce” ou, no limite, branqueamento da aparência. Isso é similar ao que Ella Shohat observa ao analisar as disputas em torno da representação visual de Cleópatra, a qual “envolveu uma operação de limpeza, livrando a rainha de traços ditos não europeus”176.

A última propaganda que veremos é a de uma modalidade de Rexona apresentada ao som de um samba.