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3 A ANÁLISE DA VERDADE E A MUDANÇA NA PERSPECTIVA DA

3.3 Verdade enquanto concordância e verdade enquanto abertura

No §44 de Ser e Tempo é observado uma intrínseca ligação entre o ser e a verdade. O filósofo parte de observações sobre essa tradicional correlação que tomou conta de toda a história do ocidente.

Heidegger enumera, em sua análise da verdade em Ser e Tempo, as três teses fundamentais sobre a verdade na qual a tradição se pautou para pensar tal conceito. Aqui, não podemos ver claramente ainda a tese defendida posteriormente a viragem aletheio-essencialista10, onde a verdade é analisada profundamente e originariamente pelo filósofo através da história da metafisica na análise da palavra grega: Aλήθεια, como parece dizer o texto: “Não é nossa intensão elaborar uma história do conceito de verdade, o que só poderá ser feito com base numa história da ontologia”. (HEIDEGGER, 2005b, p. 282)

Heidegger entra em confronto com o conceito de verdade como concordância de um sujeito com seu objeto (Adaequatio intellectus et rei); como foi visto um pouco antes, a crítica ao processo de objetificação é também uma crítica a relação moderna sujeito-objeto. Portanto, quando dizemos: “essa proposição é verdadeira”, para Heidegger, não quer dizer que ela concorda com seu objeto, mas que ela descobre o ente nele mesmo. Por isso, a proposição nos “deixa-ver”.

A verdade não possui, portanto, a estrutura de uma concordância entre conhecimento e objeto, no sentido de uma adequação entre um ente (sujeito) e um outro ente (objeto). (HEIDEGGER, 2005b, p. 287)

O sentido da análise heideggeriana da αλήθεια em Ser e Tempo é-nos revelado através da citação:

O ser-verdadeiro do λόγος enquanto απόφασις é αλεθεύειν, no modo de απόφαίνεσθαι: deixar e fazer ver (descoberta) o ente em seu desvelamento, retirando-o do velamento [...] Para aqueles que não compreendem, porém, λανθάνει, o que eles fazem permanece velado; επιλανθάνονται, eles esquecem, isto é, o ente se lhes vela novamente. Pertence, pois, ao λόγος o desvelamento, α-λήθεια. (HEIDEGGER, 2005b, p. 287-288)

Um fato importante para se notar aqui é o desvelamento pertencer ao λόγος. Mas de que maneira pode-se pensar esse λόγος? Poder-se-ia pensar o λόγος como proposição, razão ou discurso? Onde todos eles são entendidos como propriedades essenciais do homem? Isso acarretaria a doação de um relativo poder do homem tendo em vista o desencobrimento. Porém, sabemos que Heidegger usa o λόγος em Ser e Tempo e o conota num sentido fenomenológico.

Heidegger em Ser e Tempo pretende investigar profundamente o conceito de verdade que a tradição sempre teve como evidente correlação e correção da relação do sujeito (anima, intellectus) com a coisa (res, representatio), e isso não somente por meio do enraizamento da verdade no modo de ser do Dasein, mas também por uma indicação da sua conotação ao longo da tradição filosófica.

A tradução pela palavra verdade e, sobretudo, as determinações teóricas de seu conceito encobrem o sentido daquilo que os gregos, numa compreensão pré-filosófica (pre-metafisica), estabeleceram como fundamento ‘evidente’ do uso terminológico de αλήθεια. (HEIDEGGER, 2005b, p. 288)

Podemos notar que a intuição que terá mais ênfase na fase posterior do pensamento de Heidegger, a saber, o pensamento de que os gregos, pensadores originários, experimentaram uma relação mais própria do pensamento através da palavra αλήθεια e se encontra prenunciada em Ser e Tempo. Assim também entende Stein, a ideia central de sua tese11 versa sobre a unidade do pensamento de Heidegger na sua orientação inicial desta palavra, que perpassa toda sua obra filosófica.

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A questão da verdade entendida como descobrimento possui dois aspectos para Heidegger, em Ser e Tempo: “Primordialmente verdadeiro, isto é, exercendo a ação de descobrir, é o Dasein. Num segundo sentido, a verdade não diz o ser- descobridor (o descobrimento), mas o ser-descoberto (descoberta)”. (HEIDEGGER, 2005b, p. 288) Complementando nas páginas seguintes, Heidegger dá o exemplo acerca de Newton como ação desencobridora exposta nas suas leis:

Com elas, o ente em si mesmo se tornou acessível à pre-sença. Com a descoberta dos entes, estes se mostram justamente como os entes que antes delas já eram. Descobrir assim é o modo de ser da ‘verdade’. (HEIDEGGER, 2005b, p. 296)

A verdade só é enquanto é possível um ente enquanto abertura, isto é, o Dasein.

Antes da pre-sença e depois da pre-sença não havia verdade e não haverá verdade porque, nesse caso, a verdade não pode ser enquanto abertura, descoberta e desencobrimento. (HEIDEGGER, 2005b, p. 296)

A verdade se torna relativa ao modo ser do Dasein. Isso diz apenas que para a verdade se dá, é necessário pressupor o Dasein enquanto abertura e a verdade enquanto modo de ser desse ente. A verdade é derivada da estrutura comportamental do ente que é abertura. Portanto, não se diz primeiramente que a verdade é na proposição ou no juízo, porque como vimos primeiramente se diz da verdade a ação de descobrir e segundo o ser-descoberto.

O Dasein, de modo algum, enquanto abertura, é simplesmente “verdade”; enquanto abertura está imerso também na não-verdade, porque “em sua constituição ontológica, a pre-sença é e está na ‘não verdade’ [...]”. (HEIDEGGER, 2005b, p. 290) O Dasein é e está também por essência de-cadente, perdido em meio das ocupações, guiado pelo intramundano e mergulhado em sua familiaridade mundana. Na maioria das vezes, o Dasein se compreende a partir de suas ocupações. Isso justifica o filósofo dizer e pensar ainda aqui fechamento e encobrimento como modos de ser do ente humano (Dasein) perdido no impessoal. “fechamento e encobrimento pertencem à facticidade da pre-sença”. (HEIDEGGER, 2005b, p. 290)

Deste modo, concluímos que, enquanto constitutivo da abertura do Dasein, a verdade possui as características desse ente. A verdade assume formas humanas (Dasein); no entanto, compreende-se mal a oração anterior, se não se compreende o homem como ser-no-mundo. Assim, como ser-no-mundo: “‘a pre-sença é e está na

verdade’ também inclui, de modo igualmente originário, que a ‘pre-sença é e está na não verdade’”. (HEIDEGGER, 2005b, p. 290) Podemos ver inclusive o caráter finito da verdade que deriva de sua proximidade e pertença ao Dasein: “O fato de se darem ‘verdades absolutas’ só pode ser comprovado de modo suficiente caso se logre demonstrar que, em toda eternidade, a pre-sença foi e será”. (HEIDEGGER, 2005b, p. 296)