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A versão: madeira

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O exercício de uma história ambiental da região do Extremo Sul baiano: diferentes versões do mesmo paradigma.

5) A versão: madeira

Em fins do século XIX, deu-se início ao processo de estudos para a construção de uma via férrea ligando o norte de Minas e o litoral Sul da Bahia. Em 1875 o telégrafo nacional chega na cidade, promovendo a sua integração com Minas Gerais. O então presidente da província da Bahia prevê um papel importante para a economia da região conforme descrito num relatório datado de 1º de maio de 1879, intitulado Estrada de Leopoldina a Santa Clara, que nos conta a importância da integração da cidade com o interior:

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offerece esa via de communicação para ella, esta Assembléa iniciou um projecto autorizando o governo a construir uma estrada de rodagem que ligasse Caravellas a Santa Clara; e mais tarde deferindo um requerimento de douz emprezarios, concedeu-lhes privilegio para construir na mesma zona uma estrada de ferro, sem garantia de juros.

(...) Se há alguma parte da provincia que mereça toda a attenção é o sul, que, a não ser a navegação, não tem recebido outros melhoramentos.

(...) Dotado de muita fertilidade, e sendo onde existem nossas mais soberbas e virentes mattas, que abastecem os nossos arsenaes e vão servir de matéria prima à industria estrangeira; possuindo optimos terrenos banhados por caudalosos rios, merece que lanceis sobre elles as vossas vistas.

(...) O Norte de Minas, há muito reclama uma sahida para seus produtos. Satisfeitas taes reclamações, torna-se-há a comarca de Caravellas um grande emporio commercial, que trará prospero futuro a ambas as provincias. (RALILE, 1949, p.60, os grifos são nossos)

Figura 5: Reconstituição da Estação Ferroviária de Ponta de Areia pela mãe do

autor.Óleo sobre tela, Ceres Scofield. 2004

Em 1881 dá-se iniício então à construção da EFBM. A estrada de ferro parece ter sido construída não apenas para escoar a produção agrícola do Norte de Minas, mas para, principalmente, cortar a imensa área de florestas e matas, aproveitando ao máximo a extração de madeira para exportação. Um outro autor38, aduz que a estrada de ferro “atravessou matas virgens, infestadas de índios bravios, feras, o que se tornou necessário requerer do Exército Nacional, soldados para defender o pessoal da Empresa.” (ELEUTÉRIO, s/d, p.21).

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ELEUTÉRI0, Arysbure Batista. “Estrada de Ferro Bahia e Minas: a ferrovia do adeus 1879 – 1966”. Teófilo Otoni, Edição própria, s/d.

41 O funcionamento da Estrada de Ferro Bahia e Minas, eternizada na música de Milton Nascimento e Fernando Brandt, Ponta de Areia39, se manteve, coincidentemente, justamente na época em que houve a mais intensa devastação da Mata Atlântica na região. A imagem abaixo mostra a evolução desde 1945 do desmatamento da Mata Atlântica na localidade.

Quadro 1: A floresta pode ter sido desmatada para o escoamento da madeira para o litoral,

para o plantio do cacau e para a criação do gado. Fonte: MENDONÇA et al. Apud PRIMACK, R. e RODRIGUES. E. ,(2002) “Biologia da Conservação”. Londrina, Editora Vida, Cap.2, p.98

A história da Bahia-Minas é repleta de singularidades, ás vezes pitorescas. Foi durante seu funcionamento que uma entidade de trabalhadores nasceu, nos primeiros anos da década de 1910: o Sindicato dos Operários Estivadores, que só foi reconhecido pelo Ministério do Trabalho em 1933. A EFBM negou por 11 meses o pagamento dos salários dos operários o que os obrigou a declararem-se em greve., permanecendo apenas 5 dias paralisados, quando o então Juiz de direito da Comarca os adverte a retomar o trabalho, garantindo, em nome dos arrendatários da ferrovia, o pagamento devido.

Um outro evento interessante diz respeito aos desdobramentos da doação das margens da ferrovia à Cia. EFBM. As terras devolutas marginais da ferrovia, 6 metros de cada lado, foram doadas pelo Imperador à Companhia, que as hipotecou no Banco de Crédito Real do Brasil em 1887. Com a inadimplência da EFBM a dívida foi executada. Tal dívida foi então adquirida pelo Estado de Minas Gerais, adquirindo este estado direitos pelas terras situadas em território baiano!

Segundo Ralile, na época, a atividade agrícola em Caravelas encontrava-se “em completa decadência, só lhe restava como principal fonte de renda e trabalho o magnífico

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“Ponta de Areia, ponto final/da Bahia-Minas, estrada natural/ Que ligava Minas ao porto, ao mar/Caminho de ferro mandaram arrancar/ Velho maquinista com seu boné/ lembra o povo alegre que vinha cortejar/Maria fumaça não canta mais/para moças, flores, janelas e quintais/ Na praça vazia um grito, um ai/ casas esquecidas, viúvas nos portais”.

42 porto de que é dotada, por onde escoavam todos os produtos do Nordeste de Minas.” (RALILE, Op. cit, p.73)

O autor não discrimina quais eram os produtos transportados por ali, mas alguns ex- funcionários da Bahia-Minas em época mais recente, garantem que o principal produto transportado era a madeira. A ferrovia se prestou então a ser o canal de escoamento da madeira retirada da floresta. Segundo um estudo da CEPEMAR40 a extração de madeira se intensifica com a construção da ferrovia e contribuiu para ação dos pecuaristas que já encontravam os terrenos desmatados. Os criadores de boi, oriundos principalmente do Nordeste de Minas Gerais, desenvolveram suas atividades do interior para a costa, ao contrário do cacau.

É ilustrativo citar mais uma vez Warren Dean quando este defende que a abertura de ferrovias acelerou o processo de desmatamento da floresta, dadas as características itinerante e extensiva da agricultura praticada.

A verdadeira revolução dos transportes e, consequentemente, no relacionamento do homem com o que continuava intocado da Mata Atlântica foi a locomotiva.(...) A derrubada de floresta (...) se aceleraria, agora que esse instrumento de penetração da fronteira se tornara acesssível. As plantações de uma certa idade perdiam seu valor mais depressa, na medida em que os custos mais baixos de transporte elevavam o valor especulativo das melhores terras de café, situadas além do horizonte. As ferrovias fariam suas próprias demandas à floresta, porque exigiam grandes quantidades de dormentes, para os quais se preferiram as madeiras de lei da floresta primária. (DEAN, Op.cit, p.226)

O porto de Caravelas foi bastante movimentado com vapores que vinham das capitais para abastecê-los de madeira. A INCEX, uma serraria estrangeira foi instalada em Caravelas e, com escritório no Rio de Janeiro, exportava madeira principalmente para os Estados Unidos e Europa. A serraria só se manteve enquanto a ferrovia existiu.

As rodovias na segunda metade do século XX começam a ser construídas, tornando os trilhos cada vez mais obsoletos, muito mais por uma indisposição do Estado em mantê-los e provavelmente pela quase extinção da Mata Atlântica na região, a EFBM é extinta restando apenas os edifícios das estações e um museu em Teófilo Otoni. A partir de então a cidade de Nanuque, em Minas Gerais começa a ganhar importância na região, dividindo seu status com a cidade de Teixeira de Freitas, desmembrada de Caravelas e Alcobaça em 1985.

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CEPEMAR, 2001. EIA do Terminal de Barcaças para embarque e desembarque de toras de eucalipto da Aracruz Celulose S.A. COM RT 033/01 Vol II, p.353.

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“As facilidades de transportes rodoviários e a existência de terras de baixo valor, associadas a fatores como os incentivos dos governos estaduais e as altas potencialidades naturais da região, foram atraindo para elas diversos agentes econômicos, tais como: madeireiros, pecuaristas, agricultores e industriais do setor de celulose e papel. Um novo quadro de atividades produtivas se esboçou com a presença desses grupos e de capital externo, trazendo redefinições nas formas de relações e organizações sociais preexistentes.” (CEPEMAR, 2001, p.353)

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