• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 3 – O cotejo de viabilidade do novo arcabouço legal regulador

3.1 Viabilidade da instituição do modelo de partilha de produção

3.1.3 Viabilidade social

Há também respaldo de natureza eminentemente social, no sentido coletivo que pode ser emprestado à palavra, referindo-se à sociedade brasileira de maneira genérica, apto a justificar a viabilidade do novo marco regulador das atividades de exploração e produção de petróleo no Brasil. Tal respaldo encontra-se consubstanciado em alguns dos institutos jurídicos previstos e garantidos pela nova legislação, tais como o fundo social e o conteúdo local.

O fundo social criado pela lei federal nº 12.351/10, regrado entre os arts. 47 e 60 do referido diploma legal, também se configura como alicerce de viabilidade do novo arcabouço legal que instituiu o marco regulador das atividades de exploração e produção de petróleo na província do Pré-Sal e em outras áreas estratégicas.

Por se tratar de bem público não-renovável, a extração de óleo daquela província terá de trazer consequências positivas não apenas aos empreendedores da atividade, que a exploram diretamente e dela auferem recursos vultosos, mas também, ao menos de maneira indireta, ao povo brasileiro, visto como um todo, guardando em minúcias as especificidades epistemológicas que deste termo podem surgir.

Nesse sentido, o fundo social foi instituído pelo legislador brasileiro e tem como objetivo, segundo os próprios termos da justificação de motivos do projeto de lei que deu origem ao aludido fundo, fornecer uma regular fonte de recursos financeiros para projetos de cunho social e programas de combate à pobreza e de desenvolvimento da educação, da cultura, da ciência e tecnologia e da sustentabilidade ambiental, além de tentar controlar possíveis variações do câmbio das operações relativas ao setor petrolífero, bem como evitar

os efeitos inflacionários decorrentes do excesso de recursos disponíveis sobre a capacidade de investimento e de produção da economia em determinado período.

A busca pela efetivação desses objetivos, ainda segundo os termos da aludida exposição de motivos, origina-se da finitude do petróleo, por se tratar de recurso não- renovável, da volatilidade dos preços dos barris de petróleo, sobretudo se tendo em consideração os intensos períodos de instabilidade desses preços no mercado internacional, e do ingresso no país de grandes volumes de moeda estrangeira oriundo dos investimentos internacionais realizados no setor de pesquisa, exploração e produção de petróleo.

Os benefícios advindos desse bem não devem se adstringir à geração atual, sendo necessário estender citadas benesses às outras gerações, até mesmo quando o petróleo estiver se esgotado nas reservas atuais. Com a instituição do fundo, busca-se formar reserva financeira mínima para investir em programas sociais que possam trazer benefícios de longo e de curto prazo.

No que se refere à volatilidade dos preços do petróleo no país e no mundo, aduz a exposição de motivos elaborada pela equipe interministerial do Executivo federal incumbida de tal mister que é necessário evitar que citada volatilidade se reflita nas condições de financiamento das despesas públicas, bem como evitar que “o afluxo de uma quantidade de recursos elevada e concentrada no tempo, (...) desestimule a busca do fortalecimento institucional e da qualidade do gasto público”.

Nestes termos, o art. 47 da lei 12.351/10 ensina que o fundo tem natureza contábil e financeira, sendo vinculado à Presidência da República, e tem por a finalidade a constituição de fonte de recursos para o desenvolvimento social e regional do país, na forma de programas e projetos nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento da educação, da cultura, do esporte, da saúde, da ciência e tecnologia, do meio ambiente, e, finalmente, de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Vale destacar que, conforme preceitua o art. 49 da lei 12.351/10, os recursos do fundo social instituído pela citada lei serão constituídos por parcela do valor do bônus de assinatura dos contratos de partilha de produção, por parcela dos royalties que cabe à União, deduzidas aquelas destinadas aos seus órgãos específicos, conforme estabelecido nos citados contratos, pela receita advinda da comercialização de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos da União, conforme definido em lei, destacando-se nesta parte aquela parcela componente do excedente em óleo que cabe à União, e pela participação especial das

áreas localizadas no Pré-Sal contratadas sob o regime de concessão destinados à administração direta da União, pelos resultados de aplicações financeiras sobre suas disponibilidades, e por outros recursos destinados ao fundo por lei.

Não se vai tecer comentários nem construir análises sobre a política de investimentos do aludido fundo nem sobre a sua gestão, a cargo do Comitê de Gestão Financeira do Fundo Social, em face da extensão do trabalho e de seus objetivos, bastando, todavia, lembrar ao leitor que a importância da inserção deste tópico ocorre pela força com a qual se pode conceber mais um traço de viabilidade para instituir o novo modelo de regulação das atividades E&P no país.

Outro argumento de forte contundência para compreender a viabilidade social da implantação do modelo de partilha de produção é a manutenção do conteúdo local, compreendido como um processo de estimulação, baseado em escolha política, voltado à ampliação da capacidade de fornecimento brasileiro e de desenvolvimento da indústria local de bens e serviços relacionados com a exploração e produção de petróleo e gás natural, com fulcro de alcançar grau de competitividade em escala internacional, além de gerar renda, emprego, e novas tecnologias no Brasil.210

Na verdade, segundo as palavras de Paulo Buarque Guimarães, trata-se de um verdadeiro compromisso entre o Estado e o ente privado explorador, através do qual este se compromete junto àquele a fazer aquisições mínimas de bens e serviços de fornecedores brasileiros, mesmo que esses bens e serviços não estejam disponibilizados pelos produtores em determinadas etapas da exploração.

O conteúdo local, por representar esse compromisso entre Estado e empresa exploradora, tende a desenvolver a economia nacional, trazendo benefícios diretos para o mercado brasileiro e para as empresas nacionais de fornecimento de materiais para exploração e produção. Tudo isso tende, potencialmente, a criar mais empregos, aquecer a economia, gerar renda, aperfeiçoar e capacitar os profissionais brasileiros da indústria, e, em suma, desenvolver o país.

Assim, a lei 12.351/10 manteve o conteúdo local como instituto de relevância na realização dos leilões das áreas do Pré-Sal e na celebração dos respectivos contratos de partilha de produção. O art. 2º, inc. VIII, aduz que conteúdo local é a proporção entre o valor dos bens produzidos e dos serviços prestados no país para execução do contrato e o valor total

210 QUINTANS, Luiz Cezar P. Direito do petróleo – conteúdo local: a evolução do modelo de contrato e o

dos bens utilizados e dos serviços prestados para essa finalidade. Daí que o conteúdo local será definido pelo CNPE, ouvida a proposta do Ministério de Minas e Energia – MME (art. 10, inc. III, alínea “e”), e constituirá item de obrigatória presença no edital da licitação do campo, assim como outros critérios relacionados ao desenvolvimento da indústria nacional, que também serão obrigatórios.

Embora o art. 41 da lei 12.351/10 afirme que o julgamento da licitação identificará a proposta mais vantajosa segundo o critério da oferta de maior excedente em óleo para a União, levando Quintans a afirmar que a nova legislação teria acabado com o conteúdo local como critério de julgamento das licitações do Pré-Sal211, tendo em consideração que a lei 9.478, em seu artigo 41, aduz serem critérios de julgamento da licitação das concessões o programa geral de trabalho, as propostas para as atividades de exploração, os prazos, os volumes mínimos de investimentos e os cronogramas físico-financeiros, bem como as participações governamentais, o fato é que o conteúdo local permanece firme e presente no novo marco regulador da atividade E&P e isso estimula o desenvolvimento econômico e social do país, corroborando, assim, a ideia da viabilidade social do modelo aprovado no ano de 2010.

O conteúdo local, há também de se ressaltar, por ainda estar presente na reforma empreendida recentemente, fortalece o mercado brasileiro e atrai investidores estrangeiros que desejam se instalar no país e absorver a experiência das empresas brasileiras que fornecem serviços e bens para o desenvolvimento da atividade de exploração e produção. Esses prestadores de serviços e de bens têm aumentado o interesse de se estabelecer de forma efetiva e definitiva no país em razão dos altos índices de conteúdo local exigidos pela ANP nas últimas rodadas de licitação.

Ademais, os reservatórios inicialmente encontrados nas áreas do Pré-Sal estão em áreas concedidas pelo modelo de concessão ainda nas 2ª e 3ª rodadas licitatórias, cujos percentuais de conteúdo local assumidos se aproximavam a 36%, considerando ainda que os percentuais mínimos só passaram a ser exigidos a partir da 5ª rodada, na qual se atingiu uma média de quase 80% dos bens e serviços para exploração e 86% para as etapas de desenvolvimento e produção.

Com a necessidade de desenvolver novas técnicas e tecnologias para explorar o Pré-Sal e a tendência do governo em elevar os índices de conteúdo local nos contratos de

partilha, a indústria de bens, tais como os químicos e lubrificantes, e de serviços, tais como os de manutenção, do setor de exploração e produção de petróleo tende a se estruturar e atrair investidores estrangeiros interessados na indústria de apoio, de elevadíssima relevância, da atividade E&P.

Empresas estrangeiras também ingressam no mercado brasileiro ou adquirindo sociedades com histórico e experiência de operações no Brasil, ou se associando através de consórcios ou através de joint ventures, desde cumpridos os requisitos legais exigidos para atuarem no país. Essas parcerias visam a capacitar essas empresas estrangeiras que se instalam no Brasil para operar no setor, sobretudo para entrar em conformidade com as exigências do conteúdo local.

Nesse sentido, o conteúdo local fortalece a indústria nacional e atrai investidores estrangeiros para se instalarem no Brasil com intuito de atuar no ramo dos fornecimentos de bens e da prestação de serviços necessários ao desenvolvimento da atividade de exploração e produção de petróleo e gás natural.

Também é precioso acentuar que com o paradigma recém aprovado pelo governo federal torna-se mais seguro o fornecimento de petróleo e seus derivados ao próprio país, de modo a garantir sua distribuição entre os próprios brasileiros consumidores. Com essa apropriação pelo Estado de parcela da produção, maximizam-se os excedentes de rendas nas mãos do país, e se gera a possibilidade de eles serem revertidos em benefício de toda a sociedade brasileira na forma de ações direcionadas ao combate à pobreza e à miséria, visando também ao desenvolvimento da educação, da cultura, da ciência e da sustentabilidade ambiental no Brasil, dentre outros fatores sociais de relevante monta.