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Vias de Sinalização Envolvidas na Patogênese da DRPAD

1 INTRODUÇÃO

1.5 Vias de Sinalização Envolvidas na Patogênese da DRPAD

Os cistos renais de pacientes com DRPAD são caracterizados por índices aumentados de proliferação celular e apoptose, bem como por desdiferenciação

celular. Estudos mostram que as policistinas são essenciais para o controle da proliferação celular e para a manutenção do fenótipo diferenciado do epitélio tubular renal 47, 54. Os mecanismos moleculares responsáveis por esse fenótipo alterado, contudo, ainda não são bem compreendidos, mas a descrição de vias alteradas na doença sugere algumas hipóteses. A geração de modelos animais ortólogos e não- ortólogos de doença renal policística, por sua vez, tornou possível a análise dessas vias e a avaliação de intervenções terapêuticas potenciais 55, 56, 57.

O complexo PC1-PC2 parece funcionar como um sensor de superfície ciliar que, uma vez ativado por estímulos mecânicos ou químicos, promoveria influxo de Ca++ através de PC2 36, 37. A entrada deste cátion induziria liberação de Ca++ a partir de estoques intracelulares, modulando proliferação celular, diferenciação celular, apoptose e expressão gênica. Nesse cenário, células DRPAD apresentam homeostase defeituosa do Ca++ intracelular, traduzidas em anormalidades da sinalização 36, 37.

Vários estudos recentes indicam um papel importante de adenosina monofosfato cíclico (AMPc) na cistogênese, por meio da promoção de secreção transepitelial de Cl-/fluido e proliferação celular, um processo aparentemente decorrente da homeostase defeituosa do Ca++ intracelular 58. Observou-se que AMPc ativa a via MAPK/ERK (mitogen-actived protein kinase/extracellular signal-

regulated protein kinase) e aumenta a taxa de proliferação e secreção transepitelial

de fluido nas células DRPAD, o que não se verifica em células renais epiteliais normais 59. De fato, a transfecção de células principais com um construto dominante negativo da cauda carboxi-terminal da PC1 induziu ativação de B-Raf (v-raf murine

sarcoma viral oncogenehomolog B1) e ERK, através de um processo dependente de

citosólicos de Ca++ em células DRPAD determinou a correção do fenótipo hiperproliferativo. A redução da [Ca++]i secundária à perturbação da via policistínica, por fim, poderia estimular a adenil ciclase 6 e inibir a fosfodiesterase 1 dependente de cálcio/calmodulina, favorecendo o aumento dos níveis intracelulares de AMPc 61, 62. Outra via bastante estudada é a ação da somatostatina sobre receptores subtipo 2 (sst2), localizados em rim e fígado, capaz de modular negativamente os níveis celulares de AMPc. Um estudo em pacientes com DRPAD utilizando a octreotida, um análogo da somatostatina, mostrou que esta droga lentificou a expansão do volume renal 57. A octreotida também limitou a progressão da doença cística renal e hepática no rato PCK (polycystic kidney), um modelo animal ortólogo à DRPAR humana, apoiando o conceito de inibição do crescimento cístico 63.

O principal sistema agonista de geração de AMPc nas células principais dos ductos coletores, região onde aparentemente se originam a maioria dos cistos na DRPAD, é o sistema vasopressina-receptor V2 (RV2VP). Estudos mostraram que a utilização de um antagonista do RV2VP determinou inibição do desenvolvimento ou da progressão da doença renal cística em ratos PCK e em camundongos pcy

(polycystic), um modelo ortólogo à nefronoftise do adolescente 55. Em outro modelo de camundongo geneticamente modificado, ortólogo à DRPAD2 humana, o tratamento com este antagonista também se acompanhou de inibição da cistogênese e do aumento renal 64. Um estudo clínico recente, por fim, mostrou que pacientes com DRPAD tratados por três anos com tolvaptan, um antagonista potente e seletivo do RV2VP humano, apresentaram menor taxa de crescimento do volume renal total e menor taxa de declínio da TFG que controles históricos com DRPAD. Embora tais resultados sejam bastante animadores, este estudo se acompanha de algumas críticas,

entre as quais o número limitado de pacientes tratados e o fato dos controles serem históricos, não concomitantes. O estudo clínico internacional e multicêntrico TEMPO 3/4, contudo, deverá resolver essas questões. Tal estudo avaliou os efeitos do tratamento com tolvaptan em pacientes com DRPAD e acaba de ser concluído, encontrando-se na fase de análise dos dados 65. É importante mencionar, ainda, que a redução da liberação de vasopressina, obtida por meio de ingesta muito elevada de água, também teve um efeito protetor sobre a doença renal policística em ratos PCK56. A PC1 possui um papel biológico essencial na tubulogênese renal. Um estudo prévio demonstrou que células MDCK (Madin-Darby canine kidney), transfectadas de forma estável com PKD1 e cultivadas em meio gel de colágeno de três dimensões, formaram estruturas tubulares epiteliais bem desenvolvidas, ao passo que as mesmas células, submetidas à transfecção controle negativa e cultivadas nas mesmas condições, formaram estruturas císticas 47. Além disso, a expressão de PC1 induziu redução na taxa de proliferação celular e resistência a apoptose neste modelo experimental. Outros estudos atribuíram a indução de resistência a apoptose pela PC1 à ativação de fosfatidilinositol-3 quinase (PI3K) e Akt (protein kinases B) via GiCPR. Modelos animais com DRP (doença renal policística), de fato, apresentaram aumento da taxa de apoptose e ativação de PI3K e de Akt 66. O papel da PI3K e de Akt na DRPAD, entretanto, não está bem claro 67.

Múltiplos trabalhos sugerem que PC1 possa funcionar como um receptor acoplado a proteína G 68. A ativação de sinalização via proteína G regula proliferação celular, diferenciação celular, apoptose e secreção de fluido 36, 69. A ativação da PC 1, seguindo um processo dependente de PC 2, pode também ativar JAK2 (Janus kinase 2), determinando fosforilação, ativação e geração de homodímeros STAT1 (signal

transducer and activator of transcription 1) 70. Uma vez translocados ao núcleo, esses dímeros se ligam ao promotor de p21, promovendo sua regulação positiva, subsequente inibição da atividade de Cdk2 (cyclin-dependent kinase 2) e inibição do ciclo celular com parada em G0/G1 71. Esse processo parece contribuir para o efeito da PC1 na redução da taxa de proliferação celular.

Além das funções já mencionadas, as policistinas desempenham também um papel importante na adesão célula-célula. Isto se evidencia, como vimos, pela expressão de PC1 em pontos de junção e contato célula-célula 39. PC1 forma um complexo em junções de adesão com caderina-E e as cateninas-α, , e . Em um ambiente celular com privação de Ca++, PC1 e caderina-E são sequestradas em vesículas citoplasmáticas. A restauração do Ca++, por sua vez, deflagra o recrutamento de ambas as proteínas para restabelecer sítios de contato célula-célula 30, 72. Além disso, um estudo propôs que a PC1 regule também a força mecânica de adesão entre as células, através do controle da formação de junções de adesão estabilizadas e associadas à actina 67. Interessantemente, os complexos PC1/caderina-E são desfeitos na DRPAD, seguindo-se o sequestro interno de caderina-E e sua substituição por caderina-N.

PC1 é capaz, ainda, de interagir com tuberina, o produto de TSC2 (tuberous

sclerosis complex 2), um dos genes mutados na esclerose tuberosa. O complexo

tuberina/hamartina (o produto de TSC1, outro gene mutado na esclerose tuberosa) inibe Rheb (ras homolog enriched in brain), um ativador de mTOR (mammalian

target of rapamycin). Esses achados sugerem que na ausência de PC1 não haveria inibição de Rheb, levando à ativação de mTOR e ao fenótipo cístico 73. Com o intuito de testar esta hipótese, esses autores utilizaram rapamicina, um inibidor da via

mTOR, em modelos animais de DRP, incluindo um modelo de camundongo ortólogo à DRPAD1. Os resultados mostraram melhora do fenótipo cístico e proteção da função renal 73. Apesar de interessantes, esses achados devem ser interpretados com cautela, pois não está excluída a possibilidade de que tais efeitos se devam a uma inibição inespecífica de outras vias e/ou a um efeito anti-proliferativo não necessariamente relacionado à patogênese da doença. Estudos clínicos recentes com inibidores de mTOR, sirolimo 74 e everolimo 75, por sua vez, não mostraram benefícios significativos no volume renal total e/ou na TFG de pacientes com DRPAD.

Uma das principais características da DRPAD, por fim, é a perda da polaridade celular planar, podendo levar à conversão de estruturas tubulares em císticas. Essa alteração pode ser causada por disfunções centrossomais, amplificação ou ativação da via de sinalização Wnt (wingless-int) canônica dependente da catenina- e inibição da via de sinalização Wnt não-canônica independente da catenina- 76. Um estudo recente de Nishio et al, entretanto, mostrou que a perda de divisão celular orientada não é suficiente para produzir cistos renais nem requerida para iniciar formação cística após mutações em Pkd1 ou Pkd2 77.

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