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1.3. Apoptose

1.3.1. Vias de sinalização apoptótica

O desencadeamento do processo de morte celular apoptótica e ativação de caspases pode ocorrer através de duas vias principais, dependendo da natureza do estímulo. A via extrínseca é desencadeada pela ativação de receptores de morte enquanto que na segunda via de indução

apoptótica, via intrínseca, a mitocôndria é a mediadora chave do processo de morte celular (Assunção and Linden, 2004).

Na via extrínseca, o sinal de morte é transmitido através de um ligante extracelular, membro da superfamília do fator de necrose tumoral (TNF), que se acopla a um receptor da família dos receptores de morte (CD95/Fas/Apo1, TNFR1, DR3/Wsl-1/Tramp, DR4/TRAIL-R1, DR5/TRAIL-R2/TRICK2/Killer e DR6) induzindo sua oligomerização (McConkey, 1998; Donepudi and Grütter, 2002). A multimerização induzida pelo ligante resulta na formação de um complexo intracelular de indução de morte denominado DISC (“death- inducing signaling complex”) o qual é formado pela interação entre a parte citoplasmática dos receptores com múltiplas moléculas adaptadoras como FADD/MORT1 (Fas associated death domain protein), TRADD (TNF receptor associated DD), DAXX, RIP (receptor interacting protein kinase), RAIDD (RIP associated protein with DD) e FLIP. A interação entre receptor e moléculas adaptadoras se dá através de domínios de interação proteína-proteína denominados domínios de morte, DD (“death domain”) presentes em ambas as moléculas (Degterev et al., 2003; Barnhart et al., 2003; Fischer and Schulze-Osthoff, 2005). Posteriormente, caspases iniciadoras, como as caspases 8 ou 10, são recrutadas para DISC onde interagem com moléculas adaptadoras através de domínios efetores de morte DED (“death effector domains”). A interação com proteínas adaptadoras leva à oligomerização das caspases 8 ou 10 em DISC, aumentando a concentração local e favorecendo a autoclivagem e autoativação dessas caspases iniciadoras (Johnstone et al., 2002). Uma vez ativada, a caspase 8 cliva e ativa caspase 3, induzindo diretamente a fase de execução do processo apoptótico.

A via intrínseca desencadeia apoptose em resposta a danos no material genético, defeitos nos pontos de checagem do ciclo celular, mitose catastrófica, hipóxia, ausência de fatores de crescimento, agentes quimioterápicos, radiação, drogas citotóxicas e outros tipos severos de estresse intracelulares (Gottlieb, 2000; Wang and El-Deiry, 2003; Liston et al., 2003). Esta via envolve a ativação de proteínas pró-apoptóticas da família Bcl-2 que agem na mitocôndria, afetando sua permeabilidade seletiva através

da formação de poros por onde extravasam fatores apoptogênicos como citocromo c, fator de indução de apoptose (AIF, “apoptosis-induncing factor”), Omi/HtrA2, Smac/DIABLO e endo G, entre outras (Kaufmann and Hengartner, 2001; Wang and El-Deiry, 2003; Youle and Karbowski, 2005).

A liberação do citocromo c no citosol, em presença de dATP, induz a formação dos apoptossomos estruturas que, similarmente ao complexo DISC formado na via extrínseca de ativação apoptótica, associam moléculas adaptadoras intracelulares às formas inativas de caspases iniciadoras através de domínios de interação proteína-proteína do tipo CARD (“caspase activator and recruitment domain”) presente em ambas as moléculas. O apoptossomo consiste num heptâmero de moléculas adaptadoras APAF-1, cada uma das quais ligadas a um dímero de caspase 9. O dímero de caspase 9 é então ativado através de mudança conformacional induzida pelo apoptossomo, atuando seqüencialmente no processamento e ativação das caspases efetoras 3 e 7 e iniciando a execução da apoptose similarmente à caspase 8. O complexo apoptossômico provavelmente serve como um regulador alostérico da caspase 9 que, em situações onde não haja estímulo apoptótico, encontra-se livre no citosol na forma de monômeros inativos. A integração da caspase 9 ao apoptossomo induz sua dimerização e ativação, o que faz do apoptossomo uma verdadeira holoenzima na qual a atividade da caspase ativa chega a ser mil vezes maior que a atividade residual do monômero (Degterev et al, 2003). É importante notar que, contrariamente à ativação da caspase 8 que necessita de aproximação e atividade proteolítica, a ativação da caspase 9 é um evento controlado alostericamente, onde a ativação é alcançada por mudança conformacional através de dimerização induzida pelo apoptossomo (Donepudi and Grütter, 2002).

Adicionalmente à ativação de caspases, a liberação do citocromo c causa vagarosa e irreversível perda de função mitocondrial e decréscimo de respiração levando à morte celular. Portanto, a via apoptótica mitocondrial parece resultar em um evento que compromete irreversivelmente a célula

à morte (“point-of-no-return”) levando à rápida ativação de caspases acompanhada de morte celular lenta através de disfunção mitocondrial (Liston et al., 2003).

É importante notar que as vias intrínseca e extrínseca freqüentemente agem em conjunto nas fases de indução e execução do processo apoptótico, cooperando na recepção do sinal de morte e na amplificação da ativação de caspases. De fato, as vias extrínseca e intrínseca de indução de morte celular podem comunicar-se entre si em vários níveis fazendo com que a ativação de uma possa, em algum nível, desencadear a ativação da outra, o que vai depender do tipo e contexto celular, tipo e intensidade do estresse, entre outros fatores. Assim, a ativação de receptores de morte pode levar à subseqüente ativação da via mitocondrial através da clivagem da proteína pró-apoptótica Bid pela caspase 8. A forma truncada resultante de Bid (tBid) transloca-se para a mitocôndria onde ativa Bak e Bax, induzindo a oligomerização dessas moléculas e a formação de poros por onde extravasam citocromo c e demais fatores apoptogênicos mitocondriais levando à conseqüente ativação de caspases efetoras (Kaufmann and Hengarner, 2001; Barnhart et al, 2003; Scorrano, 2003). Da mesma maneira, a ativação da via intrínseca também pode sensibilizar as células a ligantes de morte extrínsecos através da indução da expressão de receptores de morte mediada por p53. A dependência de p53 para ativação da via mitocondrial após danos ao DNA constitui um ponto crítico na indução de morte de células tumorais através de agentes quimioterápicos. Grande parte dos tipos tumorais apresenta mutações em p53 que acabam levando à ineficácia do tratamento (Wang and El-Deiry, 2003).

Uma terceira via de sinalização apoptótica através do retículo endoplasmático parece também fazer parte do arsenal de indução apoptótica (Assunção and Linden, 2004). Postula-se que um estímulo estressor prolongado sobre o retículo endoplasmático leve à ativação da caspase 12, localizada na membrana do retículo endoplasmático, sendo esta clivada e ativada por m-calpaína em resposta à mobilização dos estoques intracelulares de Ca2+. Uma vez ativada, a caspase 12 age em caspases efetoras induzindo apoptose. Assim, estresse de retículo endoplasmático causado por depleção de Ca2+

ou alterações no seu sistema de transporte pode estar relacionado diretamente à ativação de caspases (Kadowaki et al., 2004; Xu et al., 2005).

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