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CAPÍTULO II – POLÍCIA PARA QUEM PRECISA

2.3 Vigiar para prevenir

E foi justamente o desejo de progresso almejado pelas elites, trazendo consigo uma série de conseqüências como o aumento da criminalidade e exigências de formas mais eficazes de intervenção, que motivou a reforma policial já citada no início do capítulo. Embora esta não tenha constituído em um conjunto homogêneo de ações, mas em medidas isoladas umas das outras, fez com que a polícia se tornasse parte integrante e essencial na gestão das cidades.

No entanto, sua ação não poderia ser realizada de qualquer jeito, pois “a polícia de segurança tende a conseguir o seu fim (manutenção da ordem jurídica) não com qualquer meio escolhido ao acaso, nem com qualquer atividade, mas com formas de ações determinadas, a saber: com a observação, com a presenção e com a repressão”.134

Ressalta-se aqui, não só o caráter preventivo adquirido, mas também, a idéia de que a vigilância deve-se fazer sentir em todas as partes. A desproporção entre prisões e inquéritos é, na opinião de Boris Fausto, decorrência de que “as primeiras constituíam uma atividade de controle social, ou seja, um mecanismo de intimidação e vigilância permanente da população urbana pobre e miserável, considerada, por essa razão, potencialmente criminógena”.135

Além disso, a agilidade e eficiência da ação policial pode ser associada a não promoção de prejuízos não só sociais, mas também econômicos, já que a manutenção da

134 Arquivo Público do Estado de Santa Catarina. Relatório do Chefe de Polícia, Silvio de Sá Gonzaga ao

Governador do Estado de Santa Catarina, Coronel Vidal José de Oliveira Ramos em 1 de junho de 1911, p.3.

ordem na cidade exigia cada coisa no seu lugar, cada indivíduo exercendo corretamente o papel que lhe cabe.

Algumas datas específicas na cidade eram alvo de atenção e preocupação redobrada por parte das autoridades como a Procissão de Passos e o Carnaval. Nestas ocasiões um esquema especial de policiamento era organizado, constituindo motivo de comemoração e orgulho quando tudo terminava sem confusão:

Salvo dois fatos de pouca importância pelo seu resultado nulo, um devido a excessos de moços irrefletidos que, por uma mal entendida apreciação, ameaçaram linchar o médico de bordo do vapor Itapemirim e outro devido à presença de um italiano ébrio na procissão de Passos, motivando correria e duas prisões, nada mais houve que abalasse o espírito público. As festas sagradas e as diversões populares correram sem o menor incidente, sendo mesmo o motivo de admiração não haver uma só prisão, nem um só crime nas festas de Natal e durante o carnaval.136

Constantemente nos jornais, às vésperas dos dias de carnaval, são publicados nos jornais editais assinados pelo delegado de polícia contendo uma série de regras a serem seguidas nas festas, como por exemplo:

Está sendo publicado um edital assinado pelo capm. Cantidio Regis, digno delegado de Polícia desta cidade, em que se proíbem diversos abusos a que são levados muitas vezes os devotos de Momo.

Dentre essas proibições destacamos as de maior importância para conhecimento de todos.

É terminantemente proibido:

A venda e o uso de máscaras e fantasias alusivas as pessoas conhecidas ou aquelas que ofendam a moral pública e provoquem os transeuntes.

O uso de símbolos patrióticos principalmente a Bandeira Nacional.

Cantar os hinos Nacional, da Independência e da República, canções militares, bem como os hinos estrangeiros.

O uso de máscaras pelos condutores de veículos. O uso de máscaras ou fantasias indecentes.

Cantar versos ou modinhas obscenas, que ofendam a moral pública e bem assim desrespeito às famílias.

Correrias em perseguição de veículos, e aquelas que tragam prejuízo a boa ordem e bem assim agressões, vaias ou assuadas a grupos de máscaras ou a quaisquer pessoas.137

136 Arquivo Público do Estado de Santa Catarina. Relatório do Chefe de Polícia, Dês, Silvio de Sá

Gonzaga ao Governador do Estado de Santa Catarina, Coronel Vidal José de Oliveira Ramos em 1 de junho de 1911, p.6.

Percebe-se que aparecem misturadas preocupações com a ordem pública, como as de os condutores de veículos usarem máscaras o que poderia dificultar sua identificação e as agressões e correrias pelas ruas com aspectos de ordem moral, que, aliás, são os mais citados no edital.138

Outra festividade alvo de intervenção foi a Festa do Divino, como mostra uma pesquisa realizada pela historiadora Márcia Alves. Esta festa que ocorria em várias partes da ilha, entre elas nos arredores da Catedral, no centro de Florianópolis, durava três dias sendo que muitas pessoas que vinham dos arredores permaneciam nas imediações da igreja devido às dificuldades de locomoção para suas casas. Assim, essa festa constituía uma das poucas possibilidades de divertimento da população mais pobre, que por não poder freqüentar clubes e teatros, tinham nas festividades religiosas e novenas espaços de encontros sociais e lazer.

Ocorreu que nas primeiras décadas do século XX transformações internas na Igreja Católica somadas a nova racionalidade advinda da implantação da República, fez com que várias mudanças ocorressem na organização da festividade. O “clero passou de espectador a organizador e controlador das novas idéias apresentadas” fazendo com que a festa a cada ano mais romanizada perdesse seus momentos de diversão, de alegria e do extravazar:

Uma festa disciplinada, sem exageros, que acontecia durante o dia, com missas e comunhão. E ainda sob o olhar normatizador do vigário, encontrava-se mais ligada aos anseios da elite, na maioria moradores do centro da capital e alguns deles também membros da distinta Irmandade.139

138 No próximo capítulo trataremos especificamente das diversas manifestações encontradas mostrando de

que forma as pessoas violavam ou transgrediam essas regras impostas, driblando, recriando ou enfrentando as determinações com as quais não concordavam.

139 ALVES, Márcia. Entre a Folia e a Sacristia: As (re)significações e intervenções da elite clerical e

civil na Festa do Divino em Florianópolis (1896-1925). Florianópolis, 1999. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Santa Catarina, p. 75.

Indo ao encontro dessas medidas o governador do estado em 1909, Gustavo Richard, baixa um decreto regulamentando os divertimentos públicos, determinando que estes só poderiam ocorrer mediante autorização e presença policial. Essa lei também previa a proibição da entrada de pessoas embriagadas, que não estivessem decentemente vestidas e de vendedores ambulantes, além de dizer que o prefeito de polícia poderia “proibir temporária ou definitivamente o funcionamento de qualquer teatro ou divertimento público a bem da manutenção da ordem e tranqüilidade pública”.140

A autora salienta que apesar das intervenções realizadas, muitas pessoas continuavam a vivenciar a festividade da forma como estavam habituadas, principalmente nas comunidades do interior da ilha onde a presença do clero era diminuta.

140 Idem, p.82.