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Vigilância, monitoramento e controle na saúde

Há uma preocupação básica com a diversificação conceitual e funcional do termo

“vigilância” [derivado do francês, sur (sob) e veiller (observar) (49)] no campo da saúde, no que tange à sua compreensão e uso por gestores e profissionais da saúde e de vigilância da saúde1, assim como as menções em documentos técnicos, jurídicos e científicos. Ao mesmo tempo que a diversificação tem sido utilizada para aclarar e caracterizar um dado propósito e discutir as fronteiras do conceito de vigilância, também tem dificultado sua compreensão, ofuscando seu real significado para a prática sanitária (49,50).

Recorrendo ao dicionário de língua portuguesa são encontrados diferentes significados para vigilância, monitoramento e controle (VMC) (51). O termo “vigilância” é definido como o ato ou efeito de vigilar (-se); observar atentamente; estar de sentinela; denota precaução, cuidado, prevenção. Já “monitoramento” é o ato ou efeito de monitorar; acompanhar e avaliar (dados fornecidos por...); acompanhar o comportamento... com o objetivo de detectar riscos...

Uma das definições para “controle” foi “fiscalização exercida sobre as atividades de pessoas, órgãos, departamentos, ou sobre produtos, etc., para que tais atividades, ou produtos, não se desviem das normas preestabelecidas”.

A partir dos significados encontrados no dicionário pode-se deduzir que há uma proximidade dos termos VMC, pois, uma interpretação comum a todos eles, é o fato de expressarem uma observação de um dado evento, sendo que apenas a observação atribuída ao vocábulo “controle” é apoiada por um instrumento normativo – uma espécie de guia utilizado como padrão de comparação durante a observação do evento.

No campo da saúde os três termos são bastante comuns e encontrados, em formas e significados diferentes e em graus variados. O Dicionário de Epidemiologia da Sociedade

1 Engloba os profissionais que atuam na vigilância sanitária, epidemiológica, ambiental, entre outras.

35 Internacional de Epidemiologia, organizado por Porta (2014), formula uma ideia de monitoramento, como sendo a (minha tradução adaptada) (52):

Concepção, desempenho, análise e interpretação regular, repetitiva e intermitente de medidas destinadas a detectar alterações no estado de saúde das populações ou no ambiente físico ou social... Em princípio, é diferente de vigilância, que é frequentemente um processo contínuo, embora as técnicas de vigilância são utilizadas no monitoramento.

Da mesma forma, o dicionário enumera dois conceitos para o termo “vigilância” (52), que vão além de uma definição stricto sensu (minha tradução adaptada):

1. Coleta sistemática e contínua, análise e interpretação dos dados, estreitamente integrada com a divulgação oportuna e coerente dos resultados e da avaliação para aqueles que têm o direito de saber que medidas podem ser tomadas. É uma característica essencial da prática epidemiológica e saúde pública. A fase final da cadeia de vigilância é a aplicação da informação para a promoção da saúde e prevenção e controle da doença.

[...]. Frequentemente é distinguida de monitoramento pela noção de que a vigilância é contínua e permanente, enquanto que o monitoramento tende a ser mais intermitente ou esporádico.

2. Análise, interpretação e retroalimentação continuada dos dados coletados sistematicamente, geralmente usando métodos que são distinguidos mais pela sua praticidade, uniformidade e rapidez ao invés de acurácia ou completude. Verificando as tendências no tempo, lugar e pessoas, as mudanças que podem ser observadas ou antecipadas e as medidas adequadas que podem ser adotadas, incluindo as de investigação ou de controle. As fontes de dados podem estar diretamente relacionadas com a doença ou fatores que influenciam a doença. Assim, elas podem incluir registros de mortalidade e morbidade com base em certidões de óbito, registros hospitalares, vigilâncias sentinelas, diagnósticos de laboratório, investigação de surtos, uso e efeitos colaterais da vacina, registros de ausências por doença, mudanças nos agentes de doenças, vetores ou reservatórios e vigilância sorológica por meio de bancos de soro. Este último também pode ser visto como um exemplo de monitoramento biológico.

O termo “controle” conta com pelo menos três definições naquele léxico especializado (52) que contribuem para aclarar as diferenças em relação aos demais vocábulos, veja (minha tradução adaptada):

1. Regular, restringir, corrigir, restaurar à normalidade, prevenir a desregulação.

2. Ter em conta ou ajustar aos fatores externos, influências ou observações, seja pelo desenho ou análise.

3. Aplicado a muitas condições transmissíveis e algumas não transmissíveis, refere-se às operações em curso, programas ou políticas destinadas a eliminar ou reduzir a ocorrência de tais condições.

As diferentes formas, significados e graus variados dos termos VMC são também encontrados em dispositivos normativos relacionados ao setor saúde no Brasil, em particular, à vigilância sanitária. A título ilustrativo, os três termos são encontrados na Lei nº 9.782, de 26

36 de janeiro de 1999, que define o SNVS, cria a Anvisa e dá outras providências (53) e na Portaria nº 1.660, de 22 de julho de 2009 que institui o VIGIPOS, no âmbito do SNVS, como parte integrante do SUS (4). Nestas normas, o vocábulo “sanitária” é utilizado comumente como aposto ao termo “vigilância”, neste caso, referindo-se a um conjunto de ações funcionais do sistema público de saúde do Brasil e de competência dos órgãos de vigilância sanitária.

Na literatura técnico-científica também são encontrados outros vocábulos usados como aposto ao termo “vigilância”, como “epidemiológica”, “ambiental”, “hospitalar”, “sindrômica”

e “pós-comercialização”. Em outros casos, um prefixo é ligado ao termo “vigilância”, como em farmacovigilância, biovigilância, hemovigilância e tecnovigilância. Para cada nova expressão é criado um enquadramento conceitual e funcional especializados que, se de um lado define ou amplia fronteiras em relação a um outro enquadramento, por outro, dificulta o entendimento do significado de vigilância no campo da saúde (50), considerada por alguns autores como uma disciplina completa e distinta da epidemiologia (54).

Ao que parece, entre os termos aqui referidos, o de “vigilância” é aquele que apresenta um maior número de variações importantes, tanto sobre a área de atuação, quanto em relação ao próprio conteúdo, suscitando diversos debates inconclusos na literatura científica (49,55). A inclusão ou não das ações de prevenção e controle, como parte do conceito de vigilância, é um exemplo de debate inacabado (49,55). Isto fica evidenciado, também, no artigo de Choi (2012, p.14) (49) que descreve sobre a seguinte dicotomia: a vigilância termina com a divulgação da informação ou com ação de saúde pública?

García-Abreu, Halperin e Danel (2002, p.3) (56) ao se referirem sobre o desenvolvimento da concepção e definição de vigilância na saúde pública, usam aquela questão inconclusa para diferenciar “vigilância” de monitoramento, mencionando que “a ação é o que distingue a vigilância da tarefa de simplesmente monitorar eventos”. Em outra parte do texto de Choi (2014, p.14) (49), há uma citação referida ao ex-diretor do Centers for Disease Control

37 and Prevention (CDC), William Foege, que diz: “enquanto os esforços de controle não são normalmente vistos como parte da vigilância, a sua vinculação à prática da saúde pública é fundamental, pois a razão para a coleta, análise e divulgação de informações sobre um evento é controlar esse evento”. O pensamento de William Foege reforça o entendimento de que existe uma relação essencial entre informação e ação (49).

Silva-Júnior (2004, p.50) (55) ao apresentar uma discussão sobre o conceito de vigilância, questionando o que deve (ou não) ser considerado como integrante do campo da vigilância, menciona que:

[...] diferença de concepção reflete, ao mesmo tempo em que condiciona, a maneira relativamente diversa como essa área da saúde pública tem se organizado, concretamente, em cada país. No fulcro desse debate, inclui-se por exemplo, a questão sobre a pertinência de se considerar, ou não, a execução das ações de prevenção e controle de doenças como integrante da vigilância.

Uma ótima tentativa para diferenciar “vigilância” de “monitoramento”, muitas vezes, utilizados como sinônimos erroneamente, está descrita no artigo de Choi (2012, p. 14) (49), veja (minha tradução adaptada):

[...] vigilância é o acompanhamento rotineiro, anterior (ou sem) a uma intervenção (política, programa ou ação), podendo levar ao desenvolvimento de uma intervenção.

[...] monitoramento é o acompanhamento rotineiro, posterior a uma intervenção implantada, podendo levar a uma melhoria da intervenção.

Apesar das diferenças conceituais e funcionais relatadas neste tópico, Waldman (1998, p.7) (57) aponta uma semelhança entre vigilância e monitoramento, a qual pode ser estendida ao termo “controle”, a saber: todos exigem três componentes – a informação, a análise e a ampla divulgação da informação analisada a todos que dela necessitam.

Na prática, segundo Bergu e Davies (2002, p.175) (48), pode-se dizer que VMC é tudo aquilo necessário para o cumprimento de medidas de gestão de determinada área ou setor, pois o monitoramento é requisito constante para medir as características de um dado fenômeno; a vigilância estabelece o grau e os tipos de observações necessários para assegurar que o fenômeno está sendo monitorado e controlado e o controle se encarrega em definir as condições

38 regulamentares impostas a certas atividades, visando manter as conformidades na cadeia de produção, circulação e consumo de recursos. No entanto, mais importante do que o debate conceitual é a necessidade de entender o objetivo central da VMC e ter alguma compreensão das opções disponíveis para o alcance deste objetivo, qual seja, contribuir para a boa gestão (48). No campo da saúde, a boa gestão nas suas diversas áreas de atuação, a exemplo da área de vigilância sanitária, especialmente, a farmacovigilância, é assegurar a proteção da saúde das pessoas no que tange ao uso de medicamentos na pós-comercialização/uso.

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